SAÚDE BUCAL AO LONGO DA HISTÓRIA
Tese aborda questões de saúde bucal a partir do exame de crânios brasileiros e portugueses
Renata Moehlecke
Agência Fiocruz de Notícias
As pesquisas de saúde bucal em esqueletos humanos arqueológicos, em geral, utilizam como objeto de estudos apenas os dentes, por serem a parte mais dura do esqueleto e resistirem à ação do tempo mais até mesmo do que os ossos. Pouco tem sido feito em relação ao estudo de todo o conjunto responsável pela mastigação no campo da paleopatologia (dentes, músculos e articulações). É justamente essa a lacuna que o arqueólogo Andersen Liryo propõe ajudar a preencher em tese recém-defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. O trabalho de Andersen visa contribuir para o conhecimento da osteoartrose (degeneração) das articulações temporomandibulares (ATM) com base no exame de 260 crânios de indivíduos do início do século 20, provenientes de três cemitérios históricos urbanos e de escolas médicas portuguesas.
De acordo com o estudioso, o aparelho mastigatório mantém uma relação muito estreita entre cada uma de suas partes, e qualquer alteração em um ponto implica na adaptação do todo. “Embora não exista um consenso quanto às causas de osteoartroses nas ATM, em geral, a perda dentária é aceita como um dos fatores de maior importância, sendo a cárie a principal doença responsável por esta”, afirma. “Ao considerar a prevalência de cáries dentárias nas populações modernas, espera-se que estes processos estejam diretamente correlacionados ao uso de açúcar na dieta, e inversamente correlacionado às práticas de higiene oral e acesso a serviços odontológicos”. Por isso a escolha de esqueletos do período em questão. “Na época, o acesso ao açúcar de cana aumentava expressivamente, sem que ainda existissem efetivamente ações preventivas”, diz.
Para o exame, foram verificados 129 crânios femininos e 131 masculinos provenientes de dois cemitérios no Brasil (o de Bezerros, em Pernambuco, o do Caju, no Rio de Janeiro) e de um em Portugal (o de Conchada, em Coimbra), além de uma coleção de esqueletos de indivíduos obtida nas escolas médicas de Lisboa, Porto e Coimbra. A seleção dos indivíduos não foi aleatória: todos os crânios tinham pelo menos 75% dos arcos dentários e todos eram de adultos, sendo 38,5% adultos jovens, 30% adultos maduros e 31,5% velhos. “Mais de 80% dos indivíduos tiveram algum tipo de lesão de osteoartrose das ATMs”, comenta Andersen. “No entanto, essa alta freqüência não causa espanto, já que o diagnóstico clínico de disfunção temporomandibular chega a 80% dos indivíduos”.
O trabalho de Andersen partia de duas hipóteses principais. A primeira tinha como suporte o fato das cáries e perdas dentárias serem processos cumulativos, ambos fortemente relacionados à idade. “O acúmulo de lesões cariosas e perdas dentárias tornariam cada vez mais irregular a mastigação, piorando ainda mais o problema da sobrecarga das articulações temporomandibulares com o aumento da idade”, explica. A segunda tinha a ver com a mecânica mastigatória, considerando as perdas dentárias e conseqüentes ocorrências de osteoartroses nas ATM. “Por um efeito de alavanca, uma alteração nas arcadas dentárias que levasse a uma maior concentração da mastigação em um dos lados do arco, teria como resultado uma maior carga sobre a ATM do lado contrário ao da mastigação, ou seja, do lado correspondente ao da alteração”, explica Andersen. “Essa adaptação da mecânica mastigatória serviria para reduzir a dor e o desconforto durante o ato, porém ela resulta em estresse assimétrico das ATM, o que pode a longo prazo levar à degeneração óssea”.
No entanto, os resultados indicaram que a freqüência de lesões de osteoartrose não tem uma relação clara de aumento proporcional com o avanço da idade, mas sim com o agravamento das condições de saúde bucais, principalmente, com a perda dentária. Além disso, Andersen se deparou com um achado interessante: ao contrário do pressuposto, a sobrecarga das articulações temporomandibulares acontece do lado que dá um maior suporte à mastigação, ou seja, naquele em que não houve alterações. “Como a hipótese deste trabalho era a de que a ATM com maior freqüência de lesões de osteoartrose seria aquela do lado correspondente ao lado do arco dentário mais comprometido pela perda dentária em vida, é possível que a quantidade de movimento da ATM não tenha relação com o desenvolvimento do quadro de osteoartrose, como em tantas outras articulações”, destaca. “Apesar de não poder explicar porque ocorreu a relação invertida entre o lado da bateria mais comprometida e o lado da ATM mais lesionada, deixo este resultado como desafio para trabalhos futuros”.
(Fotos: Museu Antropológico da Universidade de Coimbra)
Renata Moehlecke
Agência Fiocruz de Notícias
As pesquisas de saúde bucal em esqueletos humanos arqueológicos, em geral, utilizam como objeto de estudos apenas os dentes, por serem a parte mais dura do esqueleto e resistirem à ação do tempo mais até mesmo do que os ossos. Pouco tem sido feito em relação ao estudo de todo o conjunto responsável pela mastigação no campo da paleopatologia (dentes, músculos e articulações). É justamente essa a lacuna que o arqueólogo Andersen Liryo propõe ajudar a preencher em tese recém-defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. O trabalho de Andersen visa contribuir para o conhecimento da osteoartrose (degeneração) das articulações temporomandibulares (ATM) com base no exame de 260 crânios de indivíduos do início do século 20, provenientes de três cemitérios históricos urbanos e de escolas médicas portuguesas.
De acordo com o estudioso, o aparelho mastigatório mantém uma relação muito estreita entre cada uma de suas partes, e qualquer alteração em um ponto implica na adaptação do todo. “Embora não exista um consenso quanto às causas de osteoartroses nas ATM, em geral, a perda dentária é aceita como um dos fatores de maior importância, sendo a cárie a principal doença responsável por esta”, afirma. “Ao considerar a prevalência de cáries dentárias nas populações modernas, espera-se que estes processos estejam diretamente correlacionados ao uso de açúcar na dieta, e inversamente correlacionado às práticas de higiene oral e acesso a serviços odontológicos”. Por isso a escolha de esqueletos do período em questão. “Na época, o acesso ao açúcar de cana aumentava expressivamente, sem que ainda existissem efetivamente ações preventivas”, diz.
Para o exame, foram verificados 129 crânios femininos e 131 masculinos provenientes de dois cemitérios no Brasil (o de Bezerros, em Pernambuco, o do Caju, no Rio de Janeiro) e de um em Portugal (o de Conchada, em Coimbra), além de uma coleção de esqueletos de indivíduos obtida nas escolas médicas de Lisboa, Porto e Coimbra. A seleção dos indivíduos não foi aleatória: todos os crânios tinham pelo menos 75% dos arcos dentários e todos eram de adultos, sendo 38,5% adultos jovens, 30% adultos maduros e 31,5% velhos. “Mais de 80% dos indivíduos tiveram algum tipo de lesão de osteoartrose das ATMs”, comenta Andersen. “No entanto, essa alta freqüência não causa espanto, já que o diagnóstico clínico de disfunção temporomandibular chega a 80% dos indivíduos”.
O trabalho de Andersen partia de duas hipóteses principais. A primeira tinha como suporte o fato das cáries e perdas dentárias serem processos cumulativos, ambos fortemente relacionados à idade. “O acúmulo de lesões cariosas e perdas dentárias tornariam cada vez mais irregular a mastigação, piorando ainda mais o problema da sobrecarga das articulações temporomandibulares com o aumento da idade”, explica. A segunda tinha a ver com a mecânica mastigatória, considerando as perdas dentárias e conseqüentes ocorrências de osteoartroses nas ATM. “Por um efeito de alavanca, uma alteração nas arcadas dentárias que levasse a uma maior concentração da mastigação em um dos lados do arco, teria como resultado uma maior carga sobre a ATM do lado contrário ao da mastigação, ou seja, do lado correspondente ao da alteração”, explica Andersen. “Essa adaptação da mecânica mastigatória serviria para reduzir a dor e o desconforto durante o ato, porém ela resulta em estresse assimétrico das ATM, o que pode a longo prazo levar à degeneração óssea”.
No entanto, os resultados indicaram que a freqüência de lesões de osteoartrose não tem uma relação clara de aumento proporcional com o avanço da idade, mas sim com o agravamento das condições de saúde bucais, principalmente, com a perda dentária. Além disso, Andersen se deparou com um achado interessante: ao contrário do pressuposto, a sobrecarga das articulações temporomandibulares acontece do lado que dá um maior suporte à mastigação, ou seja, naquele em que não houve alterações. “Como a hipótese deste trabalho era a de que a ATM com maior freqüência de lesões de osteoartrose seria aquela do lado correspondente ao lado do arco dentário mais comprometido pela perda dentária em vida, é possível que a quantidade de movimento da ATM não tenha relação com o desenvolvimento do quadro de osteoartrose, como em tantas outras articulações”, destaca. “Apesar de não poder explicar porque ocorreu a relação invertida entre o lado da bateria mais comprometida e o lado da ATM mais lesionada, deixo este resultado como desafio para trabalhos futuros”.
(Fotos: Museu Antropológico da Universidade de Coimbra)
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