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05 junho 2008

SAÚDE BUCAL AO LONGO DA HISTÓRIA

Tese aborda questões de saúde bucal a partir do exame de crânios brasileiros e portugueses

Renata Moehlecke
Agência Fiocruz de Notícias

As pesquisas de saúde bucal em esqueletos humanos arqueológicos, em geral, utilizam como objeto de estudos apenas os dentes, por serem a parte mais dura do esqueleto e resistirem à ação do tempo mais até mesmo do que os ossos. Pouco tem sido feito em relação ao estudo de todo o conjunto responsável pela mastigação no campo da paleopatologia (dentes, músculos e articulações). É justamente essa a lacuna que o arqueólogo Andersen Liryo propõe ajudar a preencher em tese recém-defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz. O trabalho de Andersen visa contribuir para o conhecimento da osteoartrose (degeneração) das articulações temporomandibulares (ATM) com base no exame de 260 crânios de indivíduos do início do século 20, provenientes de três cemitérios históricos urbanos e de escolas médicas portuguesas.

De acordo com o estudioso, o aparelho mastigatório mantém uma relação muito estreita entre cada uma de suas partes, e qualquer alteração em um ponto implica na adaptação do todo. “Embora não exista um consenso quanto às causas de osteoartroses nas ATM, em geral, a perda dentária é aceita como um dos fatores de maior importância, sendo a cárie a principal doença responsável por esta”, afirma. “Ao considerar a prevalência de cáries dentárias nas populações modernas, espera-se que estes processos estejam diretamente correlacionados ao uso de açúcar na dieta, e inversamente correlacionado às práticas de higiene oral e acesso a serviços odontológicos”. Por isso a escolha de esqueletos do período em questão. “Na época, o acesso ao açúcar de cana aumentava expressivamente, sem que ainda existissem efetivamente ações preventivas”, diz.

Para o exame, foram verificados 129 crânios femininos e 131 masculinos provenientes de dois cemitérios no Brasil (o de Bezerros, em Pernambuco, o do Caju, no Rio de Janeiro) e de um em Portugal (o de Conchada, em Coimbra), além de uma coleção de esqueletos de indivíduos obtida nas escolas médicas de Lisboa, Porto e Coimbra. A seleção dos indivíduos não foi aleatória: todos os crânios tinham pelo menos 75% dos arcos dentários e todos eram de adultos, sendo 38,5% adultos jovens, 30% adultos maduros e 31,5% velhos. “Mais de 80% dos indivíduos tiveram algum tipo de lesão de osteoartrose das ATMs”, comenta Andersen. “No entanto, essa alta freqüência não causa espanto, já que o diagnóstico clínico de disfunção temporomandibular chega a 80% dos indivíduos”.

O trabalho de Andersen partia de duas hipóteses principais. A primeira tinha como suporte o fato das cáries e perdas dentárias serem processos cumulativos, ambos fortemente relacionados à idade. “O acúmulo de lesões cariosas e perdas dentárias tornariam cada vez mais irregular a mastigação, piorando ainda mais o problema da sobrecarga das articulações temporomandibulares com o aumento da idade”, explica. A segunda tinha a ver com a mecânica mastigatória, considerando as perdas dentárias e conseqüentes ocorrências de osteoartroses nas ATM. “Por um efeito de alavanca, uma alteração nas arcadas dentárias que levasse a uma maior concentração da mastigação em um dos lados do arco, teria como resultado uma maior carga sobre a ATM do lado contrário ao da mastigação, ou seja, do lado correspondente ao da alteração”, explica Andersen. “Essa adaptação da mecânica mastigatória serviria para reduzir a dor e o desconforto durante o ato, porém ela resulta em estresse assimétrico das ATM, o que pode a longo prazo levar à degeneração óssea”.

No entanto, os resultados indicaram que a freqüência de lesões de osteoartrose não tem uma relação clara de aumento proporcional com o avanço da idade, mas sim com o agravamento das condições de saúde bucais, principalmente, com a perda dentária. Além disso, Andersen se deparou com um achado interessante: ao contrário do pressuposto, a sobrecarga das articulações temporomandibulares acontece do lado que dá um maior suporte à mastigação, ou seja, naquele em que não houve alterações. “Como a hipótese deste trabalho era a de que a ATM com maior freqüência de lesões de osteoartrose seria aquela do lado correspondente ao lado do arco dentário mais comprometido pela perda dentária em vida, é possível que a quantidade de movimento da ATM não tenha relação com o desenvolvimento do quadro de osteoartrose, como em tantas outras articulações”, destaca. “Apesar de não poder explicar porque ocorreu a relação invertida entre o lado da bateria mais comprometida e o lado da ATM mais lesionada, deixo este resultado como desafio para trabalhos futuros”.

(Fotos: Museu Antropológico da Universidade de Coimbra)