Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

19 junho 2008

QUEM DISSE QUE MULHER DÁ AZAR EM PESCARIA?

Estudo feito por pesquisadores da Ufam em Careiro da Várzea, no interior amazonense, sugere que mulheres superaram o mito da panema e se tornaram maioria entre trabalhadores no setor em comunidades da região

Mulheres na pesca, sorte na certa

18/06/2008

Por Michelle Portela, de Manaus*

Agência FAPESP – Na mitologia amazônica, a presença da mulher na pescaria é sinônimo de panema, ou azar no resultado, devido à sua suposta impureza. Partindo desse ponto de vista, pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) investigaram o deslocamento dos papéis de gênero em comunidades de pescadores na região, buscando perceber em que medida o mito é atingido em sua origem.

O estudo “Mulheres pescadoras e a resignificação do mito do panema na Amazônia”, desenvolvido no âmbito do projeto “Modos de vida ribeirinha”, apoiado pela Ufam, aborda o universo das mulheres rurais na Amazônia, principalmente a questão da entrada delas na atividade da pesca na comunidade Lago dos Reis, no município de Careiro da Várzea, a 22 quilômetros de Manaus, interior do Amazonas.

A antropóloga Iraíldes Caldas Torres analisou as implicações da participação das mulheres nessa nova atividade na comunidade, na qual até recentemente estavam impedidas de atuar por conta do mito do panema, a temida má sorte que pode acometer trabalhadores extrativistas na região, seja caça, pesca ou a atividade seringueira.

“Na mitologia, basta que a mulher no período da menstruação se aproxime da beira do rio ou toque nos instrumentos de trabalho para ‘empanemar’ os homens. A partir de então, eles não conseguem caçar ou pescar, o que ameaça a sobrevivência local”, disse Iraíldes.

Na comunidade Lago dos Reis, a pesca se tornou atividade realizada majoritariamente por mulheres. O crescimento do ingresso feminino nesse mercado de trabalho é evidente na cooperativa de pesca de Careiro da Várzea, na qual as pescadoras representam 80% dos trabalhadores cadastrados.

“As mulheres assumem a pesca como uma atividade de trabalho, não como um passatempo e muito menos como uma atividade meramente passageira. Isso está ligado ao papel que mulheres passaram a desempenhar na Amazônia como chefes de família”, explicou a pesquisadora.

O trabalho também demonstrou como, ao iniciar uma atividade remunerada, essas mulheres reafirmam a feminilidade, superando as amarras mitológicas. “Elas constroem um universo particular no qual conversam sobre problemas domésticos, ao mesmo tempo em que levam produtos de beleza e cuidam do cabelo e da unha na pescaria. A sociabilidade torna a pesca prazerosa”, afirmou Iraíldes.

Ao terem maior participação na renda familiar, muitas vezes com ganho superior ao do marido, as pescadoras se sentem à vontade para cobrar um empenho maior dos homens no trabalho doméstico. Entretanto, mesmo com as conquistas, as pescadoras da comunidade Lago dos Reis ainda são discriminadas pela categoria.

“Elas percebem o preconceito à medida que são excluídas da formação de chapas e da eleição da diretoria da cooperativa de pescadores, além de não terem acesso aos equipamentos de propriedade coletiva”, disse a pesquisadora.

As pescadoras também não têm direito à carteira de pescador profissional, que garante benefícios como o seguro-defeso, no valor de dois salários mínimos, pago no período em que a atividade é proibida. Além disso, o dinheiro que ganham é geralmente administrado pelos maridos. “Apesar dos avanços, vemos que as mulheres ainda têm muito trabalho para superar o patriarcalismo na Amazônia”, finaliza Iraíldes.

O universo das mulheres na Amazônia será discutido no 8º Seminário Internacional Fazendo Gênero, no simpósio “Intersecções entre gênero e sociodiversidade na Amazônia”, que será realizado na Universidade de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, de 25 a 28 de agosto.

* Repórter da Agência Fapeam