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29 julho 2008

A HORA DO PETRÓLEO NO ACRE

Espera-se que o Ministério Público e os órgãos ambientais evitem a política de avestruz, conforme optaram por fazer há pouco mais de um ano, quando o “sonho petrolífero" do senador Tião Viana ganhou forma

Altino Machado
Blog do Altino

A notícia “ANP estuda existência de petróleo em Cruzeiro”, de autoria de Genival Moura, da Tribuna do Juruá, reproduzida na edição d’A Tribuna de domingo, informa sobre a visita à cidade de Cruzeiro do Sul de dois representantes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), acompanhados do vice-presidente e do gerente operacional da High Resolution Technology & Petroleum (HRT).

Segundo a matéria, os técnicos iniciaram o planejamento de uma nova etapa da prospecção de petróleo e gás no Alto Juruá. O levantamento das condições logísticas na região, o sobrevôo em certas áreas e os primeiros contatos com os órgãos ambientais são pré-condições para a atividade de coleta de amostras do solo em dois mil locais na região, todos situados fora de terras indígenas, unidades de conservação e outras áreas de preservação.

A HRT ganhou a licitação aberta pela ANP para executar esse estudo. Caso os resultados sejam positivos, o que, segundo os técnicos da ANP, parece bastante provável, devido à proximidade dos campos já em prospecção e operação no Peru e na Bolívia, na nossa fronteira comum, uma nova licitação será aberta, para a concessão da exploração a investidores interessados.

Desde que o projeto de prospecção e exploração de petróleo e gás no Estado do Acre foi primeiro anunciado pelo senador Tião Viana, em abril do ano passado, a transparência, a discussão com a sociedade e a consulta às populações da floresta, cujos territórios e modos de vida serão afetados, estiveram completamente ausentes. Diferentemente, procurou-se capitalizar politicamente com uma iniciativa que, segundo novamente revelam os técnicos da ANP, integra o plano plurianual da Agência e visa identificar novas bacias sedimentares na região amazônica.

Nenhuma visibilidade foi dada, por exemplo, ao início da prospecção aérea na região do Juruá, executadas nos últimos meses pela Lasa Engenharia e Prospecções Ltda., vencedora, com uma proposta de R$ 21 milhões, de edital aberto pela ANP em final do ano passado. Aviões sobrevoando, a alturas bem reduzidas, muitas vezes à noite, se tornaram um constante na região, para espanto e temor dos moradores da floresta, inclusive de terras indígenas e unidades de conservação, totalmente desinformados sobre a atividade e seus reais objetivos.

Ainda que, nesta nova etapa da prospecção, as coletas de fato não ocorram em terras indígenas ou em unidades de conservação (respeitando o que até segunda ordem estipula a legislação), vale lembrar que as florestas do Alto Juruá são habitadas por populações tradicionais, de seringueiros e agricultores, as quais, em momento algum, foram consultadas sobre a possibilidade de uma futura prospecção e exploração de petróleo e gás em seus locais de moradia.

Resta se perguntar se, no atual contexto, os órgãos ambientais, agora consultados pela ANP e a HRT, cumprirão com suas atribuições e, além de exigir o estrito respeito a todos os requisitos legais e às salvaguardas ambientais, darão ampla divulgação para a sociedade sobre as atividades a serem executadas e as metodologias e procedimentos a serem adotados pela empresa ganhadora que realizará a coleta de amostras de solos e o seu estudo.

Se dos políticos, pelo visto até agora, pouco ou nada se pode esperar quanto à transparência e à discussão aberta e à consulta à população, espera-se que os órgãos ambientais venham a cumprir esse papel de informação. É de se esperar, conforme já dito, que os Ministérios Públicos Federal e Estadual, o Ibama e a Secretaria de Meio Ambiente cumpram desta vez o seu papel, e não adotem uma política de avestruz, conforme optaram por fazer há pouco mais de um ano, quando o “sonho petrolífero do senador” ganhou forma.

O argumento de que a exploração de petróleo e de gás, por meio da distribuição de royalties, atrairá investimentos e constituirá uma redenção econômica para o Juruá, torna a ser repetida, agora pelos técnicos da ANP, a exemplo do que ocorreu quando políticos e empresários tentaram, no ano passado, empurrar o projeto goela abaixo da população.

Desconsidera-se, novamente, que se pretende “socializar” um prejuízo, social, ambiental e cultural, deixando o ônus para as populações da floresta, para “privatizar” supostos ganhos futuros, políticos e econômicos, em mãos das mesmas elites de sempre. Dá para confiar que prefeitos acreanos, “gestores públicos” que tiveram recentemente péssima avaliação pelo TCU farão uma adequada gestão dos recursos dos royalties, aplicando-os em fins sociais de urgente necessidade? Dificilmente.

Consultas prévias, informadas e de boa fé, conforme estabelece o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, serão necessárias neste novo contexto. E mais: consultas específicas à população da floresta, evitando que ela arque com todo prejuízo, após décadas de luta e de mobilizações para garantir um pedaço de chão para morar e viver dignamente.

A ausência de qualquer consulta na mudança do fuso horário, projeto do mesmo senador, se espera, deve ter trazido o aprendizado de que é infinitamente melhor prevenir, e respeitar o povo, do que tentar remediar, prometendo o que depois nem se sabe se será possível cumprir.