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24 setembro 2008

DESCOBERTA BRASILEIRA: ALGAS CONTRA A AIDS

Substâncias obtidas de algas marinhas inibem processo de replicação do vírus HIV e poderão resultar, em breve, no primeiro anti-retroviral brasileiro. Compostos também podem ter aplicação como microbicida

Algas para enfrentar a Aids


Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro

Agência FAPESP – Algas marinhas do litoral brasileiro poderão vir a ser uma importante fonte para o tratamento e a prevenção da Aids nos próximos anos.

Três substâncias – de um total de 22 testadas –, obtidas a partir dessas algas, mostraram promissora atividade inibitória do processo de replicação do vírus HIV em suas três fases: na transcriptase reversa, na protease e, o mais importante, na morfogênese, o que nenhum medicamento hoje existente no mercado faz.

Por essa razão, o Brasil poderá ter, em breve, seu primeiro anti-retroviral, reforçando o grupo das 17 drogas (todas importadas) que compõem o protocolo de tratamento do Ministério da Saúde. O anúncio foi feito por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fundação Ataulpho de Paiva (FAP) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) na sexta-feira (29/8).

“Esta poderá ser uma nova alternativa no arsenal terapêutico contra a Aids, sobretudo para casos de resistência aos medicamentos tradicionais”, afirmou o imunologista Luis Roberto Castello Branco, chefe do Laboratório de Imunologia Clínica do IOC.

Nos testes pré-clínicos –in vitro (em tubos de ensaio e com tecidos humanos) e in vivo (camundongos) – uma das substâncias, em particular, identificada a partir de uma alga encontrada no atol das Rocas, apresentou taxa de eficácia em sua ação anti-retroviral de 98%, mesmo se aplicada em baixas concentrações.

Embora os três compostos tenham demonstrado atividade inibidora da transcriptase (enzima que age na primeira fase do ciclo replicativo viral), essa mesma substância se revelou eficaz na inibição da protease (que age no final do ciclo replicativo) e na morfogênese (fase final, quando há a maturação viral). Isto é o que, caso seja transformada em medicamento, fará com que o fármaco brasileiro se destaque entre os atualmente disponíveis.

“Diferentemente dos inibidores disponíveis atualmente, percebemos que essa substância tem uma função de atingir os três alvos: a transcriptase, a protease e a morfogênese. Ou seja, ela bloqueia a fase inicial e a final”, explicou o virologista Cláudio Cirne, da Fundação Ataulpho de Paiva, à Agência FAPESP.

“A grande falha dos medicamentos atuais é que eles não conseguem bloquear o escape do vírus, devido à sua capacidade de mutação. Então, se existe uma substância que bloqueia a fase final, inibindo também a morfogênese, sua possibilidade de replicação será mínima. O bloqueio da morfogênese faz com que o vírus fique em uma forma completamente desorganizada em sua estrutura”, afirmou.

O pesquisador observa, no entanto, que o bloqueio da morfogênese não significa a erradicação do vírus no organismo. “O HIV é um vírus com forte capacidade de mutação, por isso ele não vai deixar de existir”, salientou.

Além da ação anti-retroviral, a substância mais promissora das três identificadas apresentou toxicidade praticamente nula. Esta é outra característica que a diferencia dos compostos atuais, os quais, embora eficazes, são extremamente tóxicos e caros.

O desenvolvimento de um anti-retroviral nacional representará também uma alternativa para a dependência estrangeira. O orçamento de 2008 previsto pelo Programa Nacional de DST/Aids é de R$ 1,3 bilhão, dos quais pouco mais de R$ 1 bilhão é destinado aos gastos com medicamentos anti-retrovirais. De acordo com os pesquisadores, a economia poderá ser de 5% a 10%, o equivalente a R$ 50 ou R$ 100 milhões.

Os testes clínicos devem ter início em 2010, na África – continente que tem os mais elevados índices de incidência da doença no mundo – e durar quatro anos. Segundo os cientistas, as diferenças nas subtipagens virais entre Brasil e África não serão significativas para os testes.

“Não estamos desenvolvendo uma vacina, e sim estudando inibidores da replicação viral. Então, fazer o uso do AZT, por exemplo, em um isolado no Brasil e em um isolado na África é a mesma coisa. A enzima, responsável pela replicação, é a mesma aqui e lá”, disse Cirne.

Microbicida

As três substâncias abriram outra possibilidade para a equipe de pesquisadores do IOC, FAP e UFF: o desenvolvimento de um microbicida de aplicação local. O microbicida é voltado para uso vaginal, permitindo às mulheres que se protejam da infecção pelo vírus HIV mesmo sem o consentimento dos parceiros.

Estudos têm demonstrado a necessidade de uma negociação no uso do preservativo masculino. “Muitos homens não querem usá-lo e, com isso, acabam infectando suas mulheres”, lembrou Castello Branco. Segundo ele, os testes para o uso microbicida das substâncias à base de algas foram exitosos.

“Uma das três substâncias já foi testada em explantes [fragmentos de cérvix uterino humano infectados pelo HIV, mantidos em cultura em laboratório] na Universidade Saint George de Londres e em nosso laboratório no IOC, e está entre as 30 candidatas aceitas pela Aliança pelo Desenvolvimento de Microbicidas, sendo a único da América Latina no grupo”, disse o pesquisador. É também a única à base de algas marinhas.

A grande questão que preocupa os cientistas, no entanto, é que a quantidade dessas algas existentes no Oceano Atlântico, entre a Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e o Rio de Janeiro, é limitada. “Por isso, estamos investigando outras possibilidades de fontes e de metodologias, como a síntese orgânica em laboratório”, disse Castello Branco.

Os nomes das algas ainda estão guardados em sigilo. O estudo está em fase de patenteamento. Se desenvolvidos, os medicamentos anti-retrovirais e o microbicida brasileiros à base de algas marinhas vão representar mais uma esperança para as 33,2 milhões de pessoas infectadas com o vírus HIV no mundo, que teve 2,5 milhões de novos casos em 2007. No mesmo ano, 2,1 milhões morreram infectados. Na América Latina, são 1,6 milhão de pessoas vivendo com Aids, um terço dos casos somente no Brasil.

(Foto: Gutemberg Brito/IOC)