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22 dezembro 2008

AGROENERGIA NA AMAZÔNIA

Agroenergia para quem?

Fernando Melo*

O Brasil tem hoje a experiência mais consolidada do mundo em agroenergia, conseqüência do Próalcool introduzido como política pública após a crise do petróleo de 1973. Há mais de 30 anos o álcool combustível é uma alternativa tecnológica e econômica presente no cotidiano, especialmente da classe média urbana. Contudo, a sustentabilidade social e ambiental por trás desta matriz renovável, em especial os impactos territoriais, é negligenciada, historicamente, mesmo no atual contexto de enfrentamento da crise climática global.

A política para geração de energia a partir de biomassas ainda não contempla as regiões mais isoladas da Amazônia, a exemplo do Estado do Acre nos municípios de Jordão, Santa Rosa, Mal. Thaumaturgo e Porto Walter onde a energia elétrica é totalmente dependente do petróleo, inclusive todo o meio de locomoção dos produtores ribeirinhos. Só para citar um exemplo, no município de Jordão um litro de gasolina custa R$ 4,30. Uma lata de leite em pó R$ 14,00 e um botijão de gás, de 13 kg, R$ 65,00.

Uma viagem de barco, de Jordão até Tarauacá, município mais próximo, demora em média cinco dias. A passagem de avião para a Capital Rio Branco, distante cerca de 700 quilômetros, custa R$ 400,00.

Enquanto isso, grupos hegemônicos continuam convencendo nossos administradores a produzir energia (etanol) para a classe média urbana, a partir de cultivos estranhos à nossa cultura e ao nosso agroecossistema (a cana-de-açúcar), oferecendo as melhores terras, acessos, estradas, vias de telecomunicação e o lucro para as empresas automobilísticas e do agronegócio. Ou será que alguém ainda se ilude achando que o consumidor vai pagar menos pelo combustível na hora de abastecer, só porque o álcool foi produzido em nosso território?

Nesses espaços privilegiados, poderíamos constituir uma política para produção de alimentos, já que o Estado do Acre continua dependente de commodities básicas, agravado pelo alto dispêndio energético necessário para importá-las devido às longas distancias e as condições difíceis de acesso. A manutenção desse sistema se tornará insustentável já para as próximas gerações, que, certamente, atuando em outros níveis de discernimento e de imparcialidade vão sustar essas dependências e valorizar a produção local, privilegiando apenas o livre comércio de idéias, a propriedade intelectual, a informação, a tecnologia e outras coisas para as quais se fará necessário mais comunicação e mais compartilhamento.

Enquanto esse modelo excludente recebe as melhores terras nós vamos para o Jordão, para a Mal. Thaumaturgo, para Santa Rosa e para Porto Walter discutir com essas populações um modo de sair desse isolamento, usando as próprias pernas, através de um processo de produção de energia, de alimento e de inclusão social que os promova e que os fortaleça. O passo inicial é construir micro-destilarias para o processamento de raízes de mandioca, que permita ao produtor familiar adquirir a condição de produzir o próprio combustível - álcool - que será utilizando, inicialmente, no acionamento de motores geradores para a produção de energia elétrica na comunidade e com o etanol excedente executar atividades relativas à produção de alimentos, tais como: acionar motores de casas de farinha e de bombas d’água; acionar motores de roçadeiras manuais, atualmente utilizadas para capinar os roçados, em substituição à enxada e o terçado; acionar motores de rabeta para barcos e canoas, utilizados no transporte e no escoamento da produção ribeirinha e por fim acionar motores de automóveis ou outros, de acordo com cada caso.

Não há nada de especial nisso, aliás, esse é o verdadeiro papel do Estado, pois o legado de políticas estranhas que estamos praticando será, certamente, ridicularizado pelas próximas gerações. Construir o desenvolvimento a partir do que temos de melhor é apenas uma atitude sensata. A escolha da mandioca, como biomassa para compor o programa de agroenergia, se dá por ser a espécie mais representativa e promissora do bioma tropical para compor o programa energia-alimento, já que ela é alimento, ou mais do que isso é o registro da historia alimentar das populações amazônicas.

Apenas para citar uma das inúmeras vantagens do cultivo da mandioca é que durante os primeiros três ou quatro meses após o plantio, ela ainda apresenta uma baixa densidade de folhas, criando espaços na mesma área onde podem ser cultivados juntos o arroz, o feijão, o milho e outras espécies alimentares, sem prejuízos para a primeira. Assim, com o aumento da área plantada com a mandioca para a produção de etanol, ao contrário do que ocorre com o monocultivo da cana-de-açúcar, ampliam-se os espaços e as oportunidades para a produção de mais alimentos.

A opção de produzir agroenergia a partir da mandioca, em sistemas consorciados, evita que o arranjo produtivo se estabeleça através de monoculturas e contrarie o ambiente amazônico que se caracteriza pela diversidade. Além do mais, o consorcio da mandioca com outras culturas economiza o uso de outras áreas da propriedade destinadas à produção de alimentos. Por outro lado, cultivar na Amazônia pela lógica dos monocultivos induz as instituições de Assistência Técnica e Extensão Rural a estabelecer um padrão técnico de assistência que subordina os produtores à lógica do agronegócio, que desestrutura as comunidades rurais, ocasionando um elevado índice de êxodo, principalmente pela juventude que, sem perspectivas de educação, trabalho e renda, migra para os grandes centros urbanos para vender sua força de trabalho como forma de garantir sua sobrevivência.

Chico Mendes teria dito a mesma coisa, aliás, ele recebeu todas as honrarias e, recentemente, a anistia ou o perdão por algo que ninguém sabe o porquê; provavelmente por alguma coisa que ele não cometeu. É preciso sim, pedir perdão ao Chico pelos canaviais implantados no caminho de sua casa, o símbolo dos “paulistas” que ele tanto combateu. “Paulistas”, diga-se de passagem, não significa o povo do estado de São Paulo e sim todos aqueles que desejavam substituir o modo de produzir e de viver do seu povo. Que ironia! Se o Chico ainda estivesse por aqui teria que passar pelo meio de um canavial para chegar à sua casa, em Xapuri, olhando atordoado para aquele modo estranho de cultivar e que veio para substituir o seu. Provavelmente caminharia de modo tranqüilo, como sempre o fez, assoviando uma canção mais ou menos assim: “se essa rua se essa rua fosse minha, eu mandava eu mandava...” Brincadeiras a parte, o fato é que muita gente tem usado o seu nome para se promover e para se manter no “abatedouro” de suas idéias. Perdão Chico!

* Fernando Melo é deputado federal pelo PT-AC. Artigo originalmente publicado pelo jornal A Gazeta em 21/12/2008.