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30 dezembro 2008

PROFESSORES, CHARLATÃES E PRESEPEIROS: A UFAC EM QUESTÃO

(Gerson R. Albuquerque*)

“...O mal é um fenômeno superficial, e em vez de radical, é meramente extremo.
Nós resistimos ao mal em não nos deixando ser levados pela superfície das coisas, em parando e começando a pensar, ou seja, em alcançando uma outra dimensão que não o horizonte de cada dia.
Em outras palavras, quanto mais superficial alguém for, mais provável será que ele ceda ao mal...”
(Hannah Arendt)


Ruptura ou quebra de ritos protocolares; paixões exacerbadas em avaliação de candidato(a)s em concursos públicos para professores; horários de aulas em determinados cursos de graduação, impunemente, ministrados pela metade e lançados por inteiro nas cadernetas e diários de classe; cartas apócrifas, subvencionadas e covardemente “distribuídas” por certos professores no interior do campus universitário; plágios e outras imoralidades em vestibulares; professores com contratos de trabalho em regime de Dedicação Exclusiva ministrando cursos em faculdades privadas ou “gerenciando” empresas que vendem graduação e especialização como mercadorias de última geração a “crédulos” clientes de fins de semana; “professores” com formação em história vendendo aulas de neuropsicologia, didática do ensino superior, avaliação escolar, ensino e desempenho escolar em faculdades particulares, num total desrespeito aos estudantes dessas escolas; processos administrativos, convenientemente, “desaparecendo” ou “perdendo-se” no gabinete da reitoria para reaparecerem em circunstâncias dadas - a privilegiar sempre o particular em detrimento do coletivo.

Esse “cenário” opaco, referenciado com galhofa, sensacionalismo e nenhuma investigação séria por setores da imprensa e blogueiros de plantão, parece sintetizar a vida cotidiana e a prática acadêmica de todos os professores da Universidade Federal do Acre. Não por acaso, vem se constituindo numa espécie de senso comum a idéia de que os mesmos “não fazem nada”, são “presepeiros”, “ganham bons salários e trabalham pouco” ou “não trabalham”, entre outros epítetos com os quais os mais de quatrocentos professores da Ufac têm sido rotulados.

Uma pequena parte desse senso comum se deve à ignorância ou a obscuros propósitos de muitos escrevinhadores, escribas e/ou editores que insistem em prestar seus desserviços à sociedades local. No entanto, a parte substancial das coisas ditas ou antevistas pelo “povo” se deve às práticas desvirtuosas e a sine cura acadêmica de uns impares da categoria docente que, contando com a hipocrisia institucional e o silêncio conivente da maioria, lidam com os fundamentos de uma instituição pública com base nos fundamentos de seus interesses pessoais, financeiros ou privados.

Não obstante a tudo isso, é preciso deixar claro que o coletivo dos professores da Ufac não é formado por presepeiros e nem charlatães, como tem sido alardeado nas mídias e em outros “condutores da opinião pública”. Em breve consulta aos dicionários, destacamos que professor - do latim professore - é a pessoa que ensina, é um mestre. Mestre - do latim magistru – é o que se dedica a ensinar algo a alguém; uma pessoa ou um ser exemplar, grande, importante, distinto, extraordinário, não-vulgar. A partir dessa perspectiva, devemos ressaltar que professor não faz pilantragem, não falseia, não faz charlatanice e nem presepada. Quem se denomina ou auto-denomina professor na Ufac ou em qualquer outra instituição de ensino não desenvolve presepadas ou charlatanices. Se o faz, professor não é.

O presepeiro, caracterizam ainda os dicionários, é um fanfarrão. Daí o adjetivo de impostor – do latim impositore ou impostore – que é um embusteiro, um hipócrita, um charlatão. Charlatão – do italiano ciarlatano – é o indivíduo que tira proveito ou explora a boa-fé da sociedade ou do público, um embusteiro, um trapaceiro, um hipócrita, um impostor, um mentiroso.

Portanto, se na categoria de professores da Universidade Federal do Acre, existem aqueles que fazem trapaça, fraude, plágio ou outras pilantragens dessa natureza, esses indivíduos não se constituem professores, mas impostores, embusteiros, hipócritas, trapaceiros, mentirosos, presepeiros, charlatães ou qualquer outro adjetivo dessa monta, menos professores.

Este debate se faz necessário não por uma questão semântica, mas porque o resultado da história de quatro décadas dessa instituição - que sintetiza a própria história do ensino superior no Acre - é a comprovação prática, irrefutável do trabalho sério, comprometido e engajado de seus professores na formação de varias gerações de profissionais que atuam em diversificados setores da sociedade local e nacional.

O que está em jogo não é uma questão que tem a ver meramente com a identidade, mas como a dignidade dos professores da Universidade Federal do Acre. Aqueles que se utilizam da condição de professor para disseminar suas pilantragens, atentam contra o nome dessa instituição e contra a honra de seus docentes. Obscurecem as trajetórias de profissionais como Jorge Araken, Georgete Nemetala, Francisca Leite (França), Cleusa Rancy, Rômulo Garcia, Ana Shirley, Pedro Martinello, Laélia Rodrigues, Chirley Trelha, Valdir Calixto, Mário Lima, Pedro Vicente, Carolina Sampaio, Alceu Ranzy, somente para citar alguns dentre as centenas de outros professores que atuaram ou atuam nessa Ifes.

Os não-professores, os presepeiros ou charlatães que divorciaram o discurso da ação, tramando contra a coisa pública e a possibilidade de se preservar os mínimos pactos do viver em sociedade como um ser político, compreendido aqui – na dimensão arendtiana - como aquele que se movimenta guiado pela íntima articulação entre o discurso e a ação, vivem em função e a serviço de seus egos e jactam-se em sua própria incapacidade de pensar.

Suas práticas desonestas em salas de aula e bancas de concurso público, suas articulações e manobras, seus clichês e jargões, seus ranços autoritários, suas malandrices, arrogância e subjugação do público ao privado, evidenciam a condição não apenas de seres estúpidos, mas de seres desprovidos de pensamento reflexivo – no dizer de Hannah Arendt, citada em epígrafe - e, portanto, de seres superficiais, rasteiros, que se utilizam de todas as formas de violência para fazer valer seus intentos medíocres.

Numa recente reunião do Conselho Universitário, em meio a sérias denúncias de desvios de posturas por parte de integrantes de uma banca examinadora de concurso público, os presentes foram surpreendidos com a fala de um conselheiro, ressaltando que “tudo é relativo” e que a “história tem muitas verdades”. Esse discurso circunstancial de quem se acumplicia com práticas imorais, proferido ali, no âmbito do mais importante colegiado de deliberação dessa Ifes, com rompantes intelectuais, evidencia a banalização das práticas anti-acadêmicas, bem como a onda de cinismo e o desrespeito para com a instituição e os demais profissionais que nela atuam.

Continuar em silêncio, ser tolerante com o intolerável – como tem sido a máxima que, muitas vezes, rege as relações institucionais – não nos ajuda em nada e, tampouco, assegura a sobrevivência de uma instituição que pertence a toda sociedade. É necessário manter acesa a chama do pensamento e da reflexão contra a apatia e fazer o combate aberto aos presepeiros ou charlatães que – do alto de sua irreflexão – lançam mão dos velhos jargões e frases de efeito auto-envaidecedoras, como passaporte para continuar transitando impunemente em meio aos professores e à comunidade universitária.

Manter o combate à mediocridade e à infâmia é condição para preservar a dignidade dos docentes da Ufac. Essa manutenção passa pela reafirmação dos valores que regem o livre pensar, o debate aberto, a liberdade de opinião e de expressão e a convivência com o outro tendo por base o direito à diferença, à preservação da res publica e do espaço público contra todas as formas de intervenção privatizantes e totalizantes.

Ítalo Calvino, encerra seu livro “As Cidades Invisíveis”, com Marco Polo advertindo ao poderoso Kublai Khan, que o inferno é aqui, onde “vivemos todos os dias, que formamos estando juntos”. Porém, numa ressalva à qual nos apegamos para encerrar este texto, arremata que nesse inferno “existem duas maneiras de sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas...”

Em meio ao “caos”, a patologia da inversão de valores, ao desenfreado assédio da “razão cínica” e ao balcão de negócios dos “tempos modernos” que intenta pulverizar a prática docente e a universidade pública em programas e pacotes fechados, tais como os reunis, prounis, aceleras brasis; em meio aos impostores, embusteiros, hipócritas e trapaceiros que lhes obscurecem a imagem ante a opinião pública, os professores da Ufac são chamados a fazer escolhas todos os dias e, nesse processo - retomando a significativa advertência de Marco Polo a Kublai Khan - “...tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço”.

*Gerson Albuquerque é professor da Universidade Federal do Acre