DEFICIT COMERCIAL NA ÁREA DE SAÚDE
O sistema de saúde está avançando, mas não consegue trazer consigo a base produtiva e de inovação. O déficit comercial do complexo industrial da saúde do Brasil saltou de US$ 700 milhões para US$ 6 bilhões nos últimos 25 anos. Se a situação não mudar, poderá haver um estrangulamento do orçamento público e um gargalo intransponível de acesso da população a produtos que requerem mais conhecimento
O déficit comercial da saúde
Bruno Dominguez
Agência Fiocruz de Notícias
Para o economista Carlos Gadelha, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, o problema vem se acentuando. O déficit comercial (diferença entre importação e exportação) do complexo industrial da saúde do Brasil saltou de US$ 700 milhões para US$ 6 bilhões nos últimos 25 anos. “O sistema de saúde está avançando, mas não consegue trazer consigo a base produtiva e de inovação, o que pode levar a um estrangulamento do orçamento público e a um gargalo intransponível de acesso da população a produtos que requerem mais conhecimento”, analisa.
Quando se estende a atenção básica, a população que nunca teve acesso passa a demandar tanto produtos e serviços primários quanto os de maior complexidade, “e a função do SUS”, diz ele, “é dar atendimento integral”. Por isso, é necessário ter uma base produtiva forte no Brasil. Sem ela, argumenta, o país fica vulnerável ao jogo muitas vezes sujo do mercado internacional: “Quando começamos a fabricar determinado item, as empresas baixam o preço na tentativa de inviabilizar a fabricação local”. Mesmo nesses casos, opina Carlos Gadelha, o investimento é válido, já que a médio ou longo prazo o governo deixa de ficar acuado frente aos grandes conglomerados.
Hoje, diz ele, o que determina quem são os atrasados e os líderes é a produção dos segmentos tecnológicos que envolvem maior conhecimento. “O hiato não é mais aquele antigo entre país industrial e rural, mas sim entre os com produção avançada e os com produção primária”, explica. O Brasil exporta plasma e importa hemoderivados, portanto corre o risco de restringir-se a produtos que contêm menor conhecimento. Na opinião do economista, o desafio é adensar a base em termos de conhecimento científico e dar sequência a ele: “Precisamos sair do muro da ciência e entrar na ação social, garantindo os direitos da população”. A sustentabilidade da produção, acredita, combate a desigualdade dentro e fora do país, em ações cooperativas com regiões menos desenvolvidas.
Carlos ressalva que não se deve pensar em produto para pobre (de baixa tecnologia) e para rico (de alta tecnologia): a produção nacional deve levar em conta todas as necessidades da população, das doenças negligenciadas que acometem os excluídos à alta complexidade. Um avanço, indica, é a Portaria nº 976, de maio de 2008, que lista os produtos estratégicos a serem desenvolvidos pelo complexo industrial da saúde. A relação inclui o Efavirenz, os antirretrovirais em geral, mais de 50 outros medicamentos e farmoquímicos, além de hemoderivados, vacinas, soros, dispositivos de diagnóstico e equipamentos.
A lista serve de referência para o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde (Profarma), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com o Ministério da Saúde. Outro avanço apontado por Carlos Gadelha, o Profarma financia desde o fim de 2007 investimentos de empresas do complexo industrial da saúde sediadas no Brasil nas áreas de produção, exportação, inovação, reestruturação e produtores públicos. O orçamento é de R$ 3 bilhões até 2012, sendo R$ 1,5 bilhão exclusivamente para inovação. Segundo Carlos Gadelha, esta é a semente de um processo de médio e longo prazo: “Para construir é preciso muito tempo, mas para destruir é rápido”. Ele cita como exemplo o caso da fabricante de insulina Biobrás, que acabou encerrando a produção ao perder uma licitação por centavos — em seguida, lembra, os preços dobraram.
“O ministro Temporão está incorporando a visão do complexo industrial mas, para esse processo ser duradouro, precisamos trazer as áreas econômica e industrial para a saúde”, observa. Para incentivá-los a investir, Carlos Gadelha usa o argumento de que a dicotomia entre crescimento econômico e desenvolvimento social é falsa: “São os dois lados da mesma moeda”. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), exemplifica, leva em conta esperança média de vida, educação e riqueza. “Ou seja, envolve tanto a economia quanto o bem-estar social”. A defesa de Carlos vai além: para ele, a saúde se insere duplamente na estratégia de desenvolvimento do país, pois é a base do estado de bem-estar social e ainda pode gerar emprego e renda por meio de inovação e produção.
O economista ressalta que os direitos de propriedade intelectual devem estar subordinados aos direitos de cidadania e aponta a competição como única forma de garantir à população acesso amplo aos avanços científicos: “Quando a tecnologia é dominada por poucas empresas, não temos mecanismos que o garantam”. Na opinião de Carlos Gadelha, medidas como o licenciamento compulsório são válidas, mas a longo prazo o que resolve o problema de acesso “é saber andar com os próprios pés”. O Brasil dá os primeiros passos.
Publicado em 5/2/2009.
O déficit comercial da saúde
Bruno Dominguez
Agência Fiocruz de Notícias
Para o economista Carlos Gadelha, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, o problema vem se acentuando. O déficit comercial (diferença entre importação e exportação) do complexo industrial da saúde do Brasil saltou de US$ 700 milhões para US$ 6 bilhões nos últimos 25 anos. “O sistema de saúde está avançando, mas não consegue trazer consigo a base produtiva e de inovação, o que pode levar a um estrangulamento do orçamento público e a um gargalo intransponível de acesso da população a produtos que requerem mais conhecimento”, analisa.
Quando se estende a atenção básica, a população que nunca teve acesso passa a demandar tanto produtos e serviços primários quanto os de maior complexidade, “e a função do SUS”, diz ele, “é dar atendimento integral”. Por isso, é necessário ter uma base produtiva forte no Brasil. Sem ela, argumenta, o país fica vulnerável ao jogo muitas vezes sujo do mercado internacional: “Quando começamos a fabricar determinado item, as empresas baixam o preço na tentativa de inviabilizar a fabricação local”. Mesmo nesses casos, opina Carlos Gadelha, o investimento é válido, já que a médio ou longo prazo o governo deixa de ficar acuado frente aos grandes conglomerados.
Hoje, diz ele, o que determina quem são os atrasados e os líderes é a produção dos segmentos tecnológicos que envolvem maior conhecimento. “O hiato não é mais aquele antigo entre país industrial e rural, mas sim entre os com produção avançada e os com produção primária”, explica. O Brasil exporta plasma e importa hemoderivados, portanto corre o risco de restringir-se a produtos que contêm menor conhecimento. Na opinião do economista, o desafio é adensar a base em termos de conhecimento científico e dar sequência a ele: “Precisamos sair do muro da ciência e entrar na ação social, garantindo os direitos da população”. A sustentabilidade da produção, acredita, combate a desigualdade dentro e fora do país, em ações cooperativas com regiões menos desenvolvidas.
Carlos ressalva que não se deve pensar em produto para pobre (de baixa tecnologia) e para rico (de alta tecnologia): a produção nacional deve levar em conta todas as necessidades da população, das doenças negligenciadas que acometem os excluídos à alta complexidade. Um avanço, indica, é a Portaria nº 976, de maio de 2008, que lista os produtos estratégicos a serem desenvolvidos pelo complexo industrial da saúde. A relação inclui o Efavirenz, os antirretrovirais em geral, mais de 50 outros medicamentos e farmoquímicos, além de hemoderivados, vacinas, soros, dispositivos de diagnóstico e equipamentos.
A lista serve de referência para o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde (Profarma), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com o Ministério da Saúde. Outro avanço apontado por Carlos Gadelha, o Profarma financia desde o fim de 2007 investimentos de empresas do complexo industrial da saúde sediadas no Brasil nas áreas de produção, exportação, inovação, reestruturação e produtores públicos. O orçamento é de R$ 3 bilhões até 2012, sendo R$ 1,5 bilhão exclusivamente para inovação. Segundo Carlos Gadelha, esta é a semente de um processo de médio e longo prazo: “Para construir é preciso muito tempo, mas para destruir é rápido”. Ele cita como exemplo o caso da fabricante de insulina Biobrás, que acabou encerrando a produção ao perder uma licitação por centavos — em seguida, lembra, os preços dobraram.
“O ministro Temporão está incorporando a visão do complexo industrial mas, para esse processo ser duradouro, precisamos trazer as áreas econômica e industrial para a saúde”, observa. Para incentivá-los a investir, Carlos Gadelha usa o argumento de que a dicotomia entre crescimento econômico e desenvolvimento social é falsa: “São os dois lados da mesma moeda”. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), exemplifica, leva em conta esperança média de vida, educação e riqueza. “Ou seja, envolve tanto a economia quanto o bem-estar social”. A defesa de Carlos vai além: para ele, a saúde se insere duplamente na estratégia de desenvolvimento do país, pois é a base do estado de bem-estar social e ainda pode gerar emprego e renda por meio de inovação e produção.
O economista ressalta que os direitos de propriedade intelectual devem estar subordinados aos direitos de cidadania e aponta a competição como única forma de garantir à população acesso amplo aos avanços científicos: “Quando a tecnologia é dominada por poucas empresas, não temos mecanismos que o garantam”. Na opinião de Carlos Gadelha, medidas como o licenciamento compulsório são válidas, mas a longo prazo o que resolve o problema de acesso “é saber andar com os próprios pés”. O Brasil dá os primeiros passos.
Publicado em 5/2/2009.
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