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16 fevereiro 2009

FIM DO GELO NO POLO NORTE EM DUAS DÉCADAS

O atestado de óbito do Ártico está assinado. Especialistas em ciência polar reunidos na 175ª Reunião Anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência afirmaram que a região, pelo menos na forma como ela é conhecida hoje, deixará de existir nas próximas duas décadas

[Imagem da NASA feita em setembro de 2007, quando a capa de gelo do polo norte derreteu de forma inédita. No gráfico abaixo dá para ver a situação entre o nível normal, linha cinza, e os récordes de perda da camada de gelo registrados em 2005 e 2007]

Ártico "deixará de existir" em duas décadas, diz grupo

Eduardo Geraque
da Folha de S.Paulo, em Chicago

Por causa do aquecimento global, uma reação em cadeia já é percebida todos os anos na região, afirmaram especialistas em ciência polar reunidos ontem em Chicago, na 175ª Reunião Anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência). Nada indica, dizem eles, que se trate de um mero ciclo passageiro. A temperatura na região norte do globo pode aumentar em até 7º C até o meio deste século.

"Teremos um verão sem gelo no Ártico em 2030 ou antes disso", calcula Mark Serreze, da Universidade de Colorado (Boulder). Segundo o pesquisador, o que tem acontecido recentemente em toda a área já pode ser explicado pela ciência.

Enquanto o ar próximo à superfície marinha aquece, causando o derretimento da camada de gelo sobre o mar --e também sobre a terra--, o oceano Atlântico, que também está mais quente, tem jogado esse calor para o norte.

A consequência é que esquenta tanto por cima quanto por baixo, explica Serreze. E isso é que tem causado a diminuição do gelo em toda a região, com números recordes nos últimos verões principalmente.

Com menos gelo, a preocupação com uma certa ocupação da região ártica também deve aumentar, disse Serreze durante sua conferência.

Para ele, pode aumentar não apenas a navegação em toda a área --e nos últimos anos algumas rotas antes bloqueadas por gelo ficaram navegáveis-- como a exploração de petróleo. E, sobre isso, também existem vários projetos em curso, principalmente nos Estados Unidos.

Todo cuidado é importante, disse o cientista, porque na verdade o "Ártico está mais quente em todas as estações do ano, não apenas no verão".

A questão, se passa pelo problema do urso-polar e de toda a fauna, é muito mais ampla que isso, disse Serreze. "Já temos problema de erosão costeira em algumas zonas. Sem gelo, o vento movimenta mais a água."

Ciclo de carbono

A mudança de comportamento registrada em todo o Ártico é tão crítica, na visão do pesquisador, que o ciclo de carbono também pode ser drasticamente alterado.

Com o calor, a tendência é que toda a matéria orgânica congelada no solo do Ártico libere o carbono para a atmosfera. "Toda a região que antes ficava coberta de gelo está sendo exposta dez dias antes do previsto e ficando sem gelo até nove dias depois do esperado", disse na conferência Matt Sturm, do Laboratório de Pesquisa e Engenharia de Regiões Frias do Exército dos EUA.

Segundo o especialista, essa alteração tem significados importantes para a tundra ártica, ecossistema formado por uma vegetação bastante rasteira, alimentada principalmente pela água do degelo.

"O que está ocorrendo é um aumento da quantidade de vegetação arbustiva na tundra, por causa do aquecimento", afirma Sturm. Segundo ele, além dessa mudança de vegetação, existe outra em andamento por motivo idêntico.

A probalidade de uma mesma área da floresta boreal queimar aumentou em mais de 30%, disse o especialista. O resultado dessas queimadas, e do aumento de matéria vegetal sobre toda a região ártica, também vai alterar o ciclo da carbono, segundo Sturm.

O pesquisador, por morar no Alasca, tem também outra preocupação. "Todas essas mudanças afetam o ecossistema, mas também alteram a vida das pessoas que moram no Ártico." Existem aproximadamente 4 milhões de pessoas que vivem na região hoje.