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27 agosto 2009

O EMPATE DE FLORENTINA ESTEVES

Isaac Melo
Blog Alma Acreana

Oscar Wilde diz, no prefácio de O Retrato de Dorian Gray, que não existem livros morais nem livros imorais; um livro ou é bem escrito ou mal escrito; é tudo. A meu ver, o critério para designar se uma obra é boa ou não, não deve ser feito conforme o recurso estilístico empregado ou por aquilo que comumente denominamos mérito literário. Uma boa obra é aquela que mexe conosco, dialoga, interpela e que ao término da leitura algo em nós não é o mesmo.

Assim me sentir ao perlustrar as maravilhosas páginas de O Empate de Florentina Esteves, que na minha visão, de leitor, é um dos melhores romances acreanos de uma de nossas melhores escritoras. Desde a leitura de Enredos da Memória que encontro nos escritos de Esteves páginas feitas com muita maestria e pleno domínio de escrita.

Percorrer os escritos de Esteves é fazer uma viagem ao passado, revisitar fatos, gentes, cenas e cenários que nem a própria história se dignou registrar. Porém, não se reduz e nem fica presa ao passado, pois ao mesmo tempo é muito atual, sensível com as questões sociais do presente descrevendo-os com grande lucidez e aguçado senso crítico.

Florentina Esteves se formou em Letras Neolatinas pela UFRJ (1953). Foi a primeira professora graduada a atuar na Educação do Estado do Acre, assumindo, ao retornar para o Estado, a Secretaria Estadual de Educação (1967-1969). Como escritora começou a se dedicar com mais afinco a partir de 1981. Seu primeiro livro, Enredos da Memória (1990), reúne 32 contos que retratam muitos episódios do passado acreano. Os relatos são tão vívidos que o leitor pensa estar vivendo cada página lida, ressalta a Profª. Dra. Margarete Edul Prado de Souza Lopes em sua importantíssima pesquisa de doutorado, agora livro, Motivos de Mulher na Amazônia: Produção de escritoras acreanas no século XX (EDUFAC, 2006). Seu segundo livro e primeiro romance é O Empate (1993). Em 1998 lançou o segundo livro de contos, Direito & Avesso. Os três livros, primeiramente, foram publicados pela Oficina do Livro, no Rio de Janeiro.

As cercas de 85 páginas de O Empate constituem uma verdadeira obra-prima para a literatura acreana, e porque não dizer brasileira. Embora sendo regional, sua escrita supera qualquer regionalismo, pois trata de coisas comuns a todos os lugares e gentes: sentimentos, solidão, injustiças, luta pela terra, pela vida. Duas forças são muito fortes no livro, por um lado, o social em forma de denúncia, e por outro, o lirismo, que dá a obra um tom poético e fluente.

O enredo do romance se dar ao redor da personagem Severino Sobral, casado com uma índia de nome Mani, da qual nasceram oito filhos. Com o tempo a esposa morre, e com os filhos casados, com exceção de Firmino, Severino vê-se apenas na companhia deste último. Firmino ao contrário dos outros irmãos tomou o gosto pelos estudos. Sabia que havia muita coisa errada e queria saber o seu por que. Entrou para o sindicato, e sob a liderança de Chico Mendes começou a fazer empates e a lutar pelas terras dos seringueiros.

Todo o enredo de O Empate, conforme ressalta a Profª. Margarete Edul Prado, ocorre em torno dos conflitos pela terra, na luta pela floresta, resultando nos empates como alternativa de luta do povo da mata para deter os criadores de gado. O termo empate/empatar, no caso, designa o ato pelos quais um grupo de pessoas se reúne para impedir a derrubada da floresta. Os empates constituíram uma verdadeira forma de resistência e combate do seringueiro acreano para conter a devastação da floresta, que cedia lugar às pastagens.

As páginas finais do romance ilustram bem esse fato, quando se descreve a cena impactante de um empate liderado por Firmino, para defender as terras de seu pai Severino: dezenas de homens de mãos dadas fazendo barreira para impedir o avanço das máquinas.

O Empate deveria ser leitura 'obrigatória' para todo acreano, pois trata-se de um retrato cabal daquele que foi um dos momentos mais críticos, e mesmo esperançosos, de nossa pequena grande história, sob o olhar perscrutante e instigador dessa que tão bem sabe fundir realidade na ficção e ficção como denúncia e possibilidade de vislumbrar uma nova realidade, Florentina Esteves.

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES:

ESTEVES, Florentina. O Empate. Rio de Janeiro: Oficina do Livro, 1993.

ESTEVES, Florentina. Enredos da Memória. Rio de Janeiro: Oficina do Livro,1990.

LOPES, Margarete Edul Prado de Souza. Motivos de mulher na Amazônia: produção de escritoras acreanas no século XX. Rio Branco: EDUFAC, 2006.