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24 setembro 2009

OS PÁSSAROS, SURDEZ E A CARÊNCIA HORMONAL NAS MULHERES

Um hormônio sexual e sensorial - Estrogênio controla processamento de estímulos sonoros no cérebro e formação da memória auditiva

[Tentilhão macho (com a bochecha laranja) olha para uma fêmea, ambos pousados sobre a estrutura molecular do estradiol (um tipo de estrogênio) com o sonograma (gráfico que mostra a relação entre frequência e tempo dos sons) do canto dos pássaros ao fundo (arte: Raphael Pinaud).]

Um estudo feito em aves e conduzido por um brasileiro na Universidade de Rochester, em Nova Iorque (Estados Unidos), abre as portas para o desenvolvimento de novas terapias para mulheres que sofrem de deficiência auditiva associada à carência hormonal. A equipe descobriu que o estrogênio, o principal hormônio feminino, é essencial para o processamento das informações sonoras no cérebro e a formação da memória auditiva.

O estrogênio é conhecido por afetar processos como a diferenciação sexual e o humor. Já se sabe também, desde a década de 1980, que o desempenho auditivo está relacionado aos níveis desse hormônio no sangue. Mulheres que se submeteram à retirada dos ovários ou que sofrem de síndrome de Turner, por exemplo, apresentam deficiência de estrogênio e perda da audição. Mas os cientistas achavam que o hormônio agia nas células do ouvido. O novo estudo, publicado na semana passada no Journal of Neuroscience, mostra pela primeira vez que um hormônio sexual pode afetar a função auditiva no cérebro.

Os pesquisadores, liderados pelo neurocientista brasileiro Raphael Pinaud, analisaram o processamento de estímulos sonoros no cérebro de tentilhões, pássaros que cantam uma única canção que é aprendida após o nascimento, o que faz com que sejam bastante usados em estudos sobre a biologia da comunicação vocal. Esses animais utilizam o reconhecimento do canto para definir seu comportamento em diversas situações, como distinguir parceiros da mesma espécie de competidores.

A equipe inseriu eletrodos para monitorar a atividade dos neurônios em uma parte do cérebro dos tentilhões análoga à área cerebral humana responsável pelo processamento auditivo. Essa região é necessária para a formação da memória auditiva dos tentilhões e seus neurônios são seletivos para cantos da espécie. Além disso, pesquisas anteriores mostraram que algumas dessas células nervosas produzem estrogênio.

Após injetarem pequenas quantidades de estrogênio dentro dessa região cerebral e apresentarem o canto de outros tentilhões aos pássaros, os pesquisadores verificaram o aumento quase instantâneo da sensibilidade dos neurônios para captar e interpretar a informação auditiva. Segundo Pinaud, esse efeito ocorre porque o hormônio diminui a ação de neurotransmissores inibitórios nos neurônios.

Efeito instantâneo

“O mais surpreendente é que o efeito do estrogênio acontece em uma escala de milissegundos, o que contraria a visão de que os hormônios levam dias, meses e até anos para agir sobre o organismo, como acontece, por exemplo, na diferenciação sexual”, diz Pinaud à CH On-line. “O estrogênio está funcionando como neurotransmissor, e não como hormônio sexual.”

Clique na imagem para assistir a um vídeo que mostra o canto dos tentilhões.
Quando foram injetadas nos tentilhões drogas que bloqueiam a ação do estrogênio ou que impedem a produção do hormônio dentro dos neurônios, o processamento dos estímulos sonoros foi quase completamente paralisado. “Apesar de ouvirem, podemos dizer que os pássaros estavam virtualmente surdos, porque só é possível escutar quando o cérebro processa a informação auditiva”, avalia o neurocientista. À medida que o efeito das drogas desaparecia, os neurônios recuperavam a função.

Os pesquisadores também verificaram que o estrogênio tem um segundo papel. Além de modular o alcance dos neurônios no processamento da informação sonora, o hormônio ativa genes necessários para a formação da memória auditiva nos tentilhões, mesmo quando os pássaros não recebem qualquer estímulo sonoro.

Segundo Pinaud, o estrogênio pode ainda estar envolvido no controle de outros tipos de processamento sensorial. “Descobrimos que o sistema visual de ratos e macacos também tem células que produzem estrogênio”, conta o neurocientista.

O grupo agora busca entender as vias moleculares específicas que levam o estrogênio a agir sobre o processamento da informação sonora no cérebro, o que poderá no futuro dar origem a terapias hormonais para tratar deficiências auditivas. “É preciso criar meios de entregar o hormônio localmente em certas regiões cerebrais, pois o aumento de suas taxas em outras áreas do sistema auditivo pode gerar problemas como a diminuição da sobrevida dos neurônios no ouvido”, alerta o pesquisador.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line