PROFESSORES ENFRENTAM ADVERSIDADES ESCOLARES
Renata Moehlecke
Agência Fiocruz de Notícias
Em artigo publicado na última edição da revista Trabalho, educação e saúde da Fiocruz, o pesquisador Gideon Borges dos Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), buscou refletir sobre as estratégias que professores constroem para enfrentar ou fugir das adversidades do cotidiano escolar, como a não aprendizagem, o comportamento indisciplinado dos alunos, a falta de material didático-pedagógico e o cansaço ou a indisposição para ministrar as aulas. Segundo o pesquisador, esses mecanismos operam de forma contraditória: servem, ao mesmo tempo, tanto para promover o ensino quanto para evitar o desgaste dos docentes.
“Ao utilizarem formas inventivas de enfrentamento às adversidades, visando tornar viável o ambiente escolar, os professores demonstram um sinal de responsabilidade, de resistência e de criatividade ao transformar a adversidade em possibilidades de aprendizagens”, afirma o autor. "Todavia, utilizando-se das estratégias defensivas de afastamento das atividades, seja enganando o tempo, seja promovendo atividades sem propósitos educativos, realizando um ensino irresponsável, o professor está cristalizando na escola a banalização do processo educativo e, muito pior, cerceando a possibilidade de encontrar prazer frente ao ato de ensinar”.
Para a pesquisa, Gideon observou um total de 40 profissionais, sendo eles professores, coordenadores e diretores, em uma escola municipal da cidade de Salvador, durante dois anos. O estudo foi dividido em três fases: análise de situações cotidianas no trabalho, como intervalo de aulas, reuniões pedagógicas, horários de almoço e eventos comemorativos; verificação de documentos que auxiliam a organização do trabalho pedagógico, por exemplo, regimentos escolares e decretos; e entrevistas com oito docentes.
O pesquisador constatou que a falta de material pedagógico é um obstáculo sério à ação do professor. “Por conta dessa adversidade, é comum o professor permanecer ministrando aulas convencionais, como copiar no quadro e solicitar que o aluno faça a transcrição, ou propor atividades dinâmicas, lúdicas e criativas para os educandos interagirem entre si e obterem o máximo de aprendizagem”, comenta Gideon. No entanto, ele acrescenta que essas mesmas atividades podem ser utilizadas como preenchimento do tempo de aula. “Enquanto os alunos estão reunidos em grupo, em sala de aula, o professor aproveita esses momentos para ficar nos corredores da escola conversando com o colega ou para permanecer sentado em sua cadeira, vendo algum outro material”.
Além disso, Gideon aponta que os docentes demonstram interesse por seus alunos ao conversar com os colegas para saber a situação dos educandos em relação a outras disciplinas e trocar informações sobre o comportamento e personalidade deles. Mas o pesquisador acrescenta que o artifício pode ser realizado em benefício próprio. “Essa necessidade de fazer comparações é uma alternativa para os professores não se sentirem culpados pelo baixo rendimento dos alunos, caso estes tenham desempenho e comportamento semelhantes em outras disciplinas”, esclarece.
Gideon também destaca o alto número de licenças médicas. “Se somássemos a quantidade de dias de liberação, por motivo de saúde, que os professores da escola pesquisada tiveram, desde 1998 até 2003, teríamos um total de 1.212 dias. Se a proporção for correspondente, poderíamos dizer que, a cada grupo de 40 professores, pelo menos um poderia ser contratado por um ano letivo e pago com o que se gasta com a liberação de professores por meio desse recurso”, estima Gideon, acrescentando que há um outro lado na questão. “Apesar do número de licenças ser muito grande, também é comum, por exemplo, haver professores que, mesmo estando indispostos ou doentes, se encontram na escola desenvolvendo suas atividades. Isso se dá ou pelo sentimento de vergonha em faltar e ser considerado preguiçoso, indolente, irresponsável, ou, então, porque encontra no ato de ensinar um recurso de luta contra a doença”.
No dia-a-dia, assim, o que estaria em jogo, de acordo com o pesquisador, é o que provoca maior ou menor desgaste ou bem-estar ao profissional, ainda que isso comprometa o desempenho do processo educativo. “Sai de cena a ideia de que o mais importante é o processo de educação e entra em cena o que oferece melhores possibilidades de equilíbrio biopsicoafetivo ao professor. Todo indivíduo opta pelo seu bem-estar”, afirma Gideon. “Se a escola não oferece as condições mínimas adequadas de educação, a luta será pela sobrevivência e pelo bem-estar. Cabe ao professor cumprir o prescrito ou, então, criar um modelo paralelo de gestão”, conclui.
Para ler a íntegra do artigo, clique aqui.
Agência Fiocruz de Notícias
Em artigo publicado na última edição da revista Trabalho, educação e saúde da Fiocruz, o pesquisador Gideon Borges dos Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), buscou refletir sobre as estratégias que professores constroem para enfrentar ou fugir das adversidades do cotidiano escolar, como a não aprendizagem, o comportamento indisciplinado dos alunos, a falta de material didático-pedagógico e o cansaço ou a indisposição para ministrar as aulas. Segundo o pesquisador, esses mecanismos operam de forma contraditória: servem, ao mesmo tempo, tanto para promover o ensino quanto para evitar o desgaste dos docentes.
“Ao utilizarem formas inventivas de enfrentamento às adversidades, visando tornar viável o ambiente escolar, os professores demonstram um sinal de responsabilidade, de resistência e de criatividade ao transformar a adversidade em possibilidades de aprendizagens”, afirma o autor. "Todavia, utilizando-se das estratégias defensivas de afastamento das atividades, seja enganando o tempo, seja promovendo atividades sem propósitos educativos, realizando um ensino irresponsável, o professor está cristalizando na escola a banalização do processo educativo e, muito pior, cerceando a possibilidade de encontrar prazer frente ao ato de ensinar”.
Para a pesquisa, Gideon observou um total de 40 profissionais, sendo eles professores, coordenadores e diretores, em uma escola municipal da cidade de Salvador, durante dois anos. O estudo foi dividido em três fases: análise de situações cotidianas no trabalho, como intervalo de aulas, reuniões pedagógicas, horários de almoço e eventos comemorativos; verificação de documentos que auxiliam a organização do trabalho pedagógico, por exemplo, regimentos escolares e decretos; e entrevistas com oito docentes.
O pesquisador constatou que a falta de material pedagógico é um obstáculo sério à ação do professor. “Por conta dessa adversidade, é comum o professor permanecer ministrando aulas convencionais, como copiar no quadro e solicitar que o aluno faça a transcrição, ou propor atividades dinâmicas, lúdicas e criativas para os educandos interagirem entre si e obterem o máximo de aprendizagem”, comenta Gideon. No entanto, ele acrescenta que essas mesmas atividades podem ser utilizadas como preenchimento do tempo de aula. “Enquanto os alunos estão reunidos em grupo, em sala de aula, o professor aproveita esses momentos para ficar nos corredores da escola conversando com o colega ou para permanecer sentado em sua cadeira, vendo algum outro material”.
Além disso, Gideon aponta que os docentes demonstram interesse por seus alunos ao conversar com os colegas para saber a situação dos educandos em relação a outras disciplinas e trocar informações sobre o comportamento e personalidade deles. Mas o pesquisador acrescenta que o artifício pode ser realizado em benefício próprio. “Essa necessidade de fazer comparações é uma alternativa para os professores não se sentirem culpados pelo baixo rendimento dos alunos, caso estes tenham desempenho e comportamento semelhantes em outras disciplinas”, esclarece.
Gideon também destaca o alto número de licenças médicas. “Se somássemos a quantidade de dias de liberação, por motivo de saúde, que os professores da escola pesquisada tiveram, desde 1998 até 2003, teríamos um total de 1.212 dias. Se a proporção for correspondente, poderíamos dizer que, a cada grupo de 40 professores, pelo menos um poderia ser contratado por um ano letivo e pago com o que se gasta com a liberação de professores por meio desse recurso”, estima Gideon, acrescentando que há um outro lado na questão. “Apesar do número de licenças ser muito grande, também é comum, por exemplo, haver professores que, mesmo estando indispostos ou doentes, se encontram na escola desenvolvendo suas atividades. Isso se dá ou pelo sentimento de vergonha em faltar e ser considerado preguiçoso, indolente, irresponsável, ou, então, porque encontra no ato de ensinar um recurso de luta contra a doença”.
No dia-a-dia, assim, o que estaria em jogo, de acordo com o pesquisador, é o que provoca maior ou menor desgaste ou bem-estar ao profissional, ainda que isso comprometa o desempenho do processo educativo. “Sai de cena a ideia de que o mais importante é o processo de educação e entra em cena o que oferece melhores possibilidades de equilíbrio biopsicoafetivo ao professor. Todo indivíduo opta pelo seu bem-estar”, afirma Gideon. “Se a escola não oferece as condições mínimas adequadas de educação, a luta será pela sobrevivência e pelo bem-estar. Cabe ao professor cumprir o prescrito ou, então, criar um modelo paralelo de gestão”, conclui.
Para ler a íntegra do artigo, clique aqui.
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