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19 março 2010

HISTÓRIA ATRÁVES DA IMPRENSA ACREANA

O discurso nas redes do poder: um estudo dos editoriais dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro” (1969-1983) durante a Ditadura Militar (1)

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (2)

Parte 2

Resultados e Discussão

A análise dos editoriais dos jornais O Rio Branco e Varadouro tem demonstrado, até o presente momento, que o discurso da imprensa local durante a Ditadura Militar pós-1964 revela-se como imersa em uma arena de lutas entre as forças políticas acreanas. A imprensa incorporou o ideário de ocupação da Amazônia – “última fronteira a ser e integrada ao resto do país”. Numa bem arquitetada estrutura de marketing, a imagem da floresta amazônica aparece como um desafio a ser vencido e subjugado pelo homem “civilizado”. No jornalismo riobranquense imperava o discurso do “Acre Novo”, segundo o qual a “modernidade” chegava ao Estado, construído no sentido de atrair investimentos do capital internacional e do Centro-Sul do Brasil para a região acreana.

A produção discursiva dos jornais desta época demonstrava a intenção dos grupos dominantes de promover a legitimação do modelo de desenvolvimento elaborado pelos militares para a Amazônia. Sem dúvida, a relação entre os governadores do período militar e a imprensa evidenciou o projeto de servilidade dos meios de comunicação locais ao projeto de desenvolvimento acreano pautado na substituição dos defumadores de borracha pelas grandes pastagens.

Para se manter no poder, os militares tinham de contar com algo além da força, eles possuíam o discurso como arma. Os líderes militares necessitavam dialogar com as elites e as camadas médias da sociedade para reforçar estratégias de convencimento que validassem suas ações. Assim, foi necessário “conhecer” os valores tidos por válidos para esses grupos sociais para, então, criar estratégias de persuasão.

Por estar essencialmente voltado às elites e à classe média, o discurso dos jornais acabou incorporando valores indiscutivelmente aceitos pela quase totalidade desses grupos sociais. Os jornais atuaram de forma decisiva na reordenação das relações de poder após o golpe militar, partilhando praticamente os mesmos ideais dos ditadores e auxiliando na construção do aparato de controle da sociedade pelo domínio do discurso.

Não é difícil entrever, portanto, que no contexto da produção jornalística riobranquense do período da Ditadura Militar, toda e qualquer atitude de “punição” aos opositores do regime como ato de subversão possuía veiculação privilegiada nas páginas dos jornais, expondo não a forma de punição empregada, mas o fato de os “inimigos da nação” estarem sendo punidos, como algo exemplar aos demais que intentassem contra a “manutenção da ordem” nacional.

Ao veicular notícias referentes à punição das pessoas contrárias ao regime de exceção, os jornais atuam na consolidação do poderio dos líderes políticos militares, apresentando estes como “purificadores” da sociedade e mantenedores da ordem. Nesse caso, o poder político articula-se com o poder midiático, tentando se impor através do controle do imaginário social, operado mediante a unificação dos mitos e anseios presentes na memória afetiva da sociedade.

O alvo dos grandes embates dos grupos que querem se firmar no poder é o domínio dos imaginários e simbologias. Logo, não tem fundamento afirmar que o discurso jornalístico é produzido com vistas a uma neutralidade, pois as representações criadas pela imprensa jornalística compõem o eixo de apoio que move as lutas pelo poder. Não se trata apenas de reprimir pela coerção, mas de toda uma estrutura ideológica que disciplina e organiza as ações da sociedade.

Numa análise correlata à instituição do poder durante a Ditadura Militar, pode-se dizer que os mecanismos criados para punir diretamente quem se levantasse contra o regime não eram suficientes, era preciso exercer a vigilância sobre todas as áreas da sociedade, “adestrando os espíritos”. Seguindo essa proposta de exercer o controle do poder pela afirmação de um saber dito “superior”, foi criada a doutrina de Segurança Nacional, tendo como um dos principais meios de propagação o discurso dos jornais.

O poder político articula-se com o poder midiático, tentando se impor através do controle do imaginário social, operado mediante a unificação dos mitos e anseios presentes na memória afetiva da sociedade. Dominar o imaginário e o simbólico é alvo de grandes embates dos grupos que querem se firmar no poder. Logo, não tem fundamento afirmar que o discurso jornalístico é produzido com vistas a uma neutralidade, pois as representações criadas pela imprensa jornalística compõem o eixo de apoio que move as lutas pelo poder. Não se trata apenas de reprimir pela coerção, mas de toda uma estrutura ideológica que disciplina e organiza as ações da sociedade.

Obviamente, percebe-se, nesta breve análise da relação entre a imprensa riobranquense e os interesses dos líderes da Ditadura Militar, que o processo de abertura política revelou mais uma faceta do aliancismo entre o poder político e o poder midiático: longe de se configurar em luta “genuína” pela democracia (participação popular), o clamor por liberdade de imprensa se deu dentro dos limites de uma sociedade capitalista, em que prevalecia a opinião e os interesses dos grandes empresários da mídia. Assim como aconteceu e acontece em toda a trajetória acreana, a imprensa desempenha um papel de mantenedor do status quo, tanto dos grupos que a dirigem e quanto dos grupos que ela apóia.

Conclusões

O poder político e o poder midiático se articulam, na tentativa de se impor através do controle do imaginário social, operado mediante a unificação dos mitos e anseios presentes na memória afetiva da sociedade. Através da análise das tramas do emaranhado de redes do poder contidas nos editoriais é possível entrever esses movimentos de resgate da memória e de estabelecimento de alguns traços das várias identidades sociais que circularam e circulam na sociedade acreana.

O discurso contido nos editoriais, portanto, revela não apenas o saber/poder que se institui com vistas à dominação, mas também permite perceber os conflitos e a exclusão social dos sujeitos tidos por “subversivos”: são políticos, jornalistas, autônomos, seringueiros, posseiros, índios, pobres, prostitutas, mendigos, e tantas outras pessoas que sofreram na pele a violência política.

Embasado por esse viés teórico, segundo o qual a constituição do sujeito apresenta-se marcada por uma heterogeneidade discursiva, os editoriais podem revelar-se como um universo discursivo caracterizado pela inquietude dos sujeitos responsáveis por sua produção e pelas movências destes atores sociais em relação às próprias inscrições dos lugares de onde falam.

Referências Bibliográficas

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¹Dialogamos com a noção de imprensa alternativa formulado por Bernardo Kucinski 1991), segundo a qual “imprensa alternativa” refere-se aos veículos de comunicação que se contrapunham à grande imprensa que, não apoiando o regime de exceção.

²O “auditório”, segundo Perelmam, é “o conjunto de todos aqueles que o orador quer influenciar mediante o seu discurso” (1987, p. 237).

(1) Comunicação de pesquisa de alunos de pós-graduação da UFAC, apresentada durante a jornada de iniciação científica da UFAC/2006;
(2) Mestranda em Letras – Linguagem e Identidade/UFAC, sob orientaçãpo da Dra. Olinda Batista Assmar