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11 março 2010

USINA HIDROELÉTRICA DE INAMBARI

Hidrelétrica 'brasileira' causa protestos no Peru. Moradores de 27 povoados que serão afetados pela hidrelétrica promoveram protesto de 48 horas na cidade de Puno, bloqueando ruas e acessos à cidade

Hilton S. Nascimento e Helena Ladeira
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)

O Brasil vive atualmente um impressionante “boom” de hidrelétricas. Na Amazônia temos as duas do rio Madeira, Belo Monte no Xingu e o complexo hidrelétrico do Tapajós com cinco hidrelétricas que irão a leilão ainda esse ano. E também temos as hidrelétricas de Estreito, Serra Quebrada, Tupiratins, Marabá no rio Tocantins, fora outras que serão construídas no sul do país mostrando que essa onda de hidrelétricas não é um privilegio somente da Amazônia brasileira.

O fato é que grande parte dessas obras afeta diretamente vários povos indígenas do sul ao norte do país. Tampouco essa onda se restringe aos limites de nosso país. O Brasil também está exportando suas megas hidrelétricas aos países vizinhos, como o Peru.

Desde novembro de 2006 que Peru e Brasil vêm iniciando um entendimento para uma integração energética entre os dois países. Acordo que prevê a construção de seis hidrelétricas na Amazônia peruana: Inambari com 2.000 mw, Sumabeni com 1.074 mw, Paquitzapango com 2.000 mw, Urubamba com 950 mw, Vizcatán com 750 mw e Chuquipampa com 800 mw. As seis hidrelétricas gerarão mais de sete mil mw a partir do início de seus funcionamentos em 2015. O Brasil promove e financiará essas obras com a pretensão de comprar 80 % dessa produção.

Mas o número de hidrelétricas não ficará em apenas seis, ambos os governos falam de um total de 15 hidrelétricas a serem construídas com tecnologia brasileira para atender o mercado brasileiro. De acordo com o ministro de Minas e Energia do Brasil, Edison Lobão, esta produção poderia atingir 20 mil mw.

O Acordo para o Fornecimento de Eletricidade ao Peru e Exportação de Excedentes ao Brasil que durará 30 anos já está pronto e prestes a ser assinado.

Inambari será a primeira dessas seis hidrelétricas já previstas. Um projeto econômico e energeticamente ambicioso. Até hoje a Amazônia peruana nunca tinha visto nenhuma obra desta dimensão. Inambari será a maior hidrelétrica do Peru, a quinta da América do Sul, e com seus 41 mil ha de área de inundação formaria o segundo maior lago do país, só perdendo para o próprio lago Titicaca.

Seus dois mil mw representam hoje a metade de toda a demanda energética atual do Peru e o Brasil ficará com 80 % dessa energia. Para levar a energia até o Brasil construirão 1.500 km de linhas elétricas de transmissão, que conectará as redes elétricas de ambos os países. Inambari custará quatro bilhões de dólares, demorará cinco anos e será feita por um consórcio integrado pelas brasileiras OAS, Electrobras e Furnas que investirão quatro bilhões de dólares na sua construção. Grande parte desses recursos será fornecido pelo BNDES.

Com o início de suas obras previsto para o final deste ano Inambari inundará 27 centros povoados peruanos, deslocará 3.500 pessoas e afetará 4.600 moradores indiretamente.

Localizada a 300 km da fronteira com o Brasil, nos limites dos departamentos peruanos de Puno, Cusco e Madre de Dios, Inambari também represará água para promover um maior aproveitamento das hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, durante as épocas de estiagem.

Protestos

Nos últimos dia 4 e 5 de março os moradores dos 27 centros povoados afetados pela hidrelétrica promoveram um protesto de 48 horas na cidade de Puno. Mais de 1.800 moradores participaram e houve bloqueio das principais ruas que dão acesso a cidade. O comércio foi fechado e vários trabalhadores e donos de transportes públicos juntaram-se a paralisação.

Durante as manifestações milhares de pessoas gritaram durante horas “não a central hidrelétrica de Inambari”. Afirmam que Puno não quer essa hidrelétrica e questionam o Governo que negocia as escondidas com o Brasil sem consultar a região, afirmando que não vão permitir isso.

Houve enfrentamentos com os policiais e a prisão de três líderes do movimento, o que provocou um ataque dos manifestantes e alunos da Universidad Nacional del Altiplano (UNA). Os estudantes atacaram a delegacia com pedras e a polícia respondeu com gases lacrimogêneos. Atacaram também a sede do Governo estadual de Puno onde fica a Seguridade do Estado quebrando suas janelas.

O projeto de construção da hidrelétrica é rejeitado por mais de 60 organizações sociais andinas que sinalizam que em breve vão fazer uma marcha até a cidade de Lima, capital do país. Na região Amazônica mais de 30 comunidades nativas pertencentes a Federação Nativa de Madre de Dios – FENAMAD rejeitaram também a hidrelétrica através de um comunicado oficial.

Expertos sinalizam que o custo ambiental e social será muito alto. O colégio de engenheiros do Peru declarou que o seu país consumirá muito pouco da energia produzida, mas ficará com todos os impactos sociais e ambientais. Em fevereiro deste ano também um grupo de organizações da sociedade civil peruana e universidades assinaram um termo com questionamentos e recomendações ao projeto de integração energética que ambos os países estão prestes a assinar.

O Peru vem de uma série de conflitos sociais violentos por causa da agressiva política do atual presidente Alan García em conceder para a exploração os recursos amazônicos sem consultar os seus moradores indígenas. Em 5 de junho de 2009, a menos de 1 anos atrás, os indígenas amazônicos peruanos em protesto contra essa política de Governo que pretendia facilitar o acesso a suas terras para plantações de biocombustíveis entraram em violentos confrontos com a polícia. O resultado foi um saldo de 33 mortos, sendo 23 policiais, 5 civis e 5 indígenas. Uma tragédia que sacudiu o país. Tudo parece que novos confrontos estão sendo gerados no Peru e desta vez nós brasileiros poderemos estar diretamente envolvidos.

Foto: Los Andes