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09 novembro 2010

SUINDARA: A BELEZA E O OLHAR HUMANO DAS CRÔNICAS DE LEILA JALUL

Isaac Melo
Blog Alma Acreana


Na crônica, uma coisa é o acontecer, outra coisa é escrever aquilo que aconteceu. A narrativa vai ganhando cores próprias, conforme o olhar e a perspicácia com que cada um narra o que viu ou ouviu. Fato ou fantasia. Cronistas como Cony e Rubem Braga estão entre aqueles que considero geniais nesse gênero.

Ao voltar meu faro literário para o Acre, como alguém que mais ama nossas letras do que a compreende, meus pensamentos se voltam incontestes para Florentina Esteves, o vulto literário feminino, a meu ver, mais expressivo do Acre. O Empate é um primor literário. Suas crônicas (Enredos da Memória e Direito & Avesso) são um capítulo a parte nas letras acreanas. Outra figura imponente é Jorge Kalume. Não é a quantidade que denota a qualidade, demonstra seu Crônicas do Acre Antigo. E nessa história há que figurar Leila Jalul, em Suindara, com suas “doces lembranças que ninguém pode esquecer de lembrar”.

Suindara é bem acreano com a autora. Não é rebuscado de eruditismo. O texto flui como as águas do igarapé que buscam o rio, ora calmas, ora agitadas. Mas, no fundo, o que vemos é uma linguagem que segue a vida, coloquial, vital. E o texto sai como uma conversa entre amigos. E o que poderia parecer prosaico, revela-se como uma notável capacidade literária.

Difícil ficar impassível às suas crônicas. Assim em Barrancas e Lembranças vemos a história do jovem Pelé, que amava sua mãe e sua irmã e era apaixonado por folhas. A morte da mãe e as circunstâncias da vida o levaram a Manaus. Em Manaus, fez-se assassino. Todavia, há o olhar humano da cronista, sem fazer juízo de valor: “A lembrança e o carinho por ele não afundaram no mergulho do rio, nem diante da foto que vi na folha do jornal. Tirante os olhos, era a de um homicida cruel, que bem poderia ter sido um botânico”.

Em Chiquinha Coralina Moreira a autora, com muita competência e propriedade, traça um paralelo entre a poetisa goiana Cora Coralina e Dona Chiquinha Moreira, uma benzendeira acreana. A primeira, “de versos puros, em feitio de oração; a segunda, de orações puras, em feitio de poesia”. E arrematava: “Cora nos legou a riqueza de seus poemas; Chiquinha, um rastro de luz. Juntas, a beleza do ser simples e a importância de um lenitivo”. Nessa crônica, percebe-se a argúcia do pensamento de Jalul, que extrapola os limites do regionalismo e se abre numa perspectiva universal.

A crítica sutil, embora mordaz, aparece em diversos momentos como em Menino Bonito, que deixa entrever como o Estado (Ditadura) se utiliza de certos recursos para exercer seu poder e subjugar os “fracos”. Assim o menino que era “bonito, forte e burro, ingredientes necessários para obedecer” alistou-se na Base Aérea de Belém. Lá foi ensinado a matar: “ora, se era possível matar a si próprio, por que não a outro? E a outro matou”. E o jovem dócil e amoroso metamorfoseia-se num ser estúpido e brutalizado. Desse modo, registra a pena da cronista: “Menino gordo, burro e adestrado, saiu do tempo e dos templos da redentora outro menino: mais obeso, mais burro, mais alienado”. Embora no fundo daquele ser embrutescido ainda subsistisse um filete de ternura.

Algumas crônicas tratam de questõe sérias, com toda a seriedade que pode assumir o riso. Sim, pois em muitos dos textos o humor é mais para corroborar seu pensamento do que para deleite literário. Embora o contrário também seja válido. Entre os inúmeros exemplos, as crônicas: Minhas Férias e A Francesinha.

Suindara, a nossa rasga-mortalha, ave tão temida pelos acreanos, por se acreditar que seu canto prenuncia agouros. Mas desde há muito a coruja é tida como o símbolo da filosofia, da sabedoria, pela sua notável capacidade de ter uma visão de 360 graus. Aí está porque Leila Jalul a escolheu para título de sua obra. Suas crônicas são um canto, a encantar aqueles que a ouvem, numa notável capacidade de ver e ir além daquilo a que estamos comumente fadados a enxergar e a ir.

Nas páginas de Suindara estão excertos da memória acreana, de um passado não muito distante, e que, de todo, ainda não passou. São passagens particulares da autora e “passagens de outros entes que sequer souberam que passaram”. Vivi vivendo e escrevo o que vivi, é a singularidade da cronista. Um Estado que têm escritores de excepcionais qualidades, pode regozijar-se com uma cronista e poetisa que está a sua altura, como Leila Jalul, a engrandecer nossas letras.