NÃO SEJA SURPREENDIDO, O EL NIÑO ‘GODZILA’ VEM AI
Evandro
Ferreira
El
Niño é um fenômeno climático que aparece em intervalos que variam entre dois e
sete anos, durante o qual a água aquecida normalmente confinada na parte Oeste
do Oceano Pacífico pela força dos ventos alísios - que sopram na direção
Leste-Oeste - se move em direção ao continente Sul-Americano em razão da
diminuição da força desses ventos ou mesmo pela reversão em sua direção. O
fenômeno do El Niño atinge uma ampla área na região intertropical do oceano
Pacífico, onde a água é mais quente e ocorre parte considerável da evaporação
no planeta. Por isso seu alcance é global e seus impactos climáticos e
socioeconômicos enormes.
De
acordo com as previsões do NOAA, o El Niño desse ano será mais severo do que o
de 1997, considerado o mais intenso já registrado e que foi responsável pela
morte de mais de 20 mil pessoas e prejuízos globais estimados em cerca de U$ 45
bilhões. Para o El Niño de 2015 os pesquisadores calculam que existe uma
possibilidade maior que 90% de seus efeitos continuarem intensos durante o
inverno de 2015-2016 no hemisfério norte, podendo durar até a primavera de
2016. Nas palavras do Pesquisador Bill Patzert, climatologista do Laboratório
de Propulsão a Jato da NASA, o evento que se avizinha deverá ser tão severo que
pode perfeitamente ser chamado de El Niño ‘Godzila’.
A
adoção, pelos pesquisadores e pela imprensa de uma maneira geral, da
denominação ‘El Niño’ para esse fenômeno climático deriva do conhecimento
empírico de pescadores peruanos, que há mais de 200 anos observam que em alguns
anos, por volta do período natalino, as águas frias e com pescado farto que
banham a costa do Peru são substituídas por águas mais quentes que afugentam os
cardumes de atum e outros peixes. A coincidência com o período de Natal levou
os pescadores a chamar o fenômeno de ‘El Niño’, numa alusão direta ao menino
Jesus. Por muitos anos se pensou que o fenômeno era apenas local e a história
se transformou em uma espécie de patrimônio folclórico da região. Somente na
década de 50 é que se descobriu que as águas aquecidas que ocasionalmente
chegam à costa peruana em período natalino integram um distúrbio climático de
caráter global.
Durante
o El Niño, a água aquecida que chega à costa Sul-Americana pode alterar os
padrões de circulação na atmosfera do planeta e sua evaporação provoca chuvas
em regiões normalmente secas na costa do Chile e Peru, se estendendo até a
costa oeste dos Estados Unidos. A mudança na direção do vento e o deslocamento
da massa de água quente na direção da América do Sul, por outro lado, faz com
que as chuvas de monções precipitem no Oceano Pacífico, bem antes de atingir
extensas áreas continentais no Sudeste Asiático e na Austrália. Com isso, em
anos de El Niño intensos o período chuvoso naquelas regiões se torna
extremamente seco, com graves efeitos socioeconômicos e ecológicos.
No
Brasil, a ocorrência do fenômeno El Niño geralmente provoca invernos com
temperaturas mais amenas e verões mais quentes no Sudeste, verões extremamente
chuvosos no Sul, secas ainda mais extremas no Nordeste, e secas prolongadas no
norte da Amazônica.
Durante
o El Niño ocorrido entre 1982 e 1983 aconteceram cheias históricas em Santa
Catarina que desabrigaram quase 200 mil pessoas, causando a morte de pelo menos
50 delas, e resultaram em prejuízos estimados em mais de R$ 12 bilhões. Em
Roraima, os efeitos do El Niño de 1997 foram catastróficos. Em Boa Vista choveu
apenas 30,6 mm entre setembro de 1997 e março de 1998, ou seja, pouco mais de
8% do total que normalmente chovia no período (352 mm). Incêndios ocorridos
entre o final de 1997 e o início de 1998 destruíram cerca de 40 mil km² de
vegetação nativa, das quais cerca de 14 mil km² eram florestas primárias.
Alguns focos de incêndios ficaram fora de controle e duraram meses. Para dar
uma melhor dimensão do desastre, é como se 25% de todo o território acreano
queimasse ao longo de um único período de verão Amazônico.
Dados
climáticos no Brasil apoiam a previsão de um El Niño de grande severidade em
2015. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o inverno em São
Paulo tem sido ameno, com a média das temperaturas mínima e máxima cerca de 2°C e 0,8°C, respectivamente, mais elevadas que em outros anos. Para Florianópolis, em Santa
Catarina, dados do INPE indicam que existe uma probabilidade de 40% dos níveis
de chuva no trimestre entre agosto e outubro superarem os 700 mm, quando o
normal situa-se entre 300 e 500 mm. Para o Nordeste, que já enfrenta uma forte
estiagem há três anos, o site climatológico americano Accu Weather prevê que o
nível de precipitação tende a continuar caindo abaixo da média. A notícia é
preocupante porque na atualidade os níveis dos reservatórios de água da região
estão em cerca de 21%. Na Paraíba, de 124 reservatórios monitorados, 74 estavam
com menos de 20% da capacidade e 40 tinham atingido o nível crítico (menos de
5%) em junho passado.
E
o Acre? Será que esse El Niño ‘Godzila’ causará efeitos catastróficos por aqui?
Provavelmente
não. Segundo o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto de Pesquisas Espaciais
(INPE), as secas na Amazônia se manifestam de duas formas. A primeira, que
corresponde ao fenômeno observado no Acre em 2005, é mais rara e decorre do
aquecimento da água no Oceano Atlântico ao norte do Equador. Este aquecimento
produz alterações na circulação atmosférica dos ventos alísios que transportam
a umidade que se forma sobre o mar para o interior da Amazônia. Quando isso
acontece, o efeito dessa falta de transporte de umidade se traduz em seca
severa no oeste e sudoeste da região, ou seja, no oeste do Amazonas, no Acre e em Rondônia. A segunda é resultante de perturbações climáticas causadas pelo
fenômeno El Niño e provoca seca mais acentuada apenas no norte e leste da
Amazônia, ou seja, em Roraima, norte do Amazonas, Amapá e norte do Pará.
Diante
disso devemos nos tranquilizar não é mesmo? A resposta é não. Com o clima
extremo em que vivemos na atualidade, preparar e planejar medidas
para mitigar os efeitos socioeconômicos e ecológicos que ele tem causado é a
melhor opção.
É
confortante saber que a massificação do acesso à informação, incluindo aquela
de caráter técnico-científico, permite a uma parcela considerável de nossa
população e administradores, saber com antecedência os possíveis efeitos de
fenômenos climáticos em gestação como esse El Niño ‘Godzila’ que se avizinha.
Por isso acredito ser inaceitável a possibilidade de, daqui a alguns meses, ver
noticiado na imprensa a ocorrência de catástrofes - com graves perdas de vidas
humanas e prejuízos econômicos - em regiões nas quais o El Niño infalivelmente
costuma deixar seu legado de destruição.
Para saber mais:
Algar, J. 2015. 'Godzilla'
El Niño Brewing In The Pacific Could Be One Of The Strongest On Record,
Forecasters Warn. Tech Times, New York [Online], 14 agosto 2015. Disponível em: http://www.techtimes.com/articles/76546/20150814/godzilla-el-ni%C3%B1o-brewing-in-the-pacific-could-be-one-of-the-strongest-on-record-forecasters-warn.htm
Barbosa, R.I.
& Fearnside, P. 2000. As lições do fogo. Ciência Hoje, 157: 35-39.
Disponível em: https://www.academia.edu/1188684/As_li%C3%A7%C3%B5es_do_fogo
Junges, L.
2010. As maiores inundações e enchentes no Brasil e em Santa Catarina.
ANotícia, Joinvile [Online], 08 abril 2010. Disponível em:
http://wp.clicrbs.com.br/anverde/2010/04/08/as-maiores-inundacoes-e-enchentes-no-brasil-e-em-santa-catarina/?topo=84,2,18,,,84&status=encerrado
Nobre,
C.A. 2011. Por trás da seca na Amazônia. Le Monde Diplomatique Brasil, São Pulo
[Online], 03 janeiro 2011. Disponível em:
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=847
Schiesti,
S. 2013. Enchente em Santa Catarina: tragédia no Estado completa 30 anos.
Notícias do Dia, Florianópolis [Online], 07 julho 2013. Disponível em: http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/84641-enchente-de-1983-tragedia-natural-em-santa-catarina.html
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