Evandro Ferreira* e Ednéia Araujo dos
Santos**
Em dezembro de 2014 havíamos publicado
um artigo no qual questionávamos se o final do rio Acre era inexorável. Um ano
e meio depois, estamos a testemunhar uma seca inédita do nosso rio que,
infelizmente, corrobora o que havíamos comentado anteriormente. Hoje publicamos
uma versão editada e atualizada do referido artigo com dados gentilmente
repassados pelo Dr. Foster Brown do SETEM/Parque Zoobotânico da UFAC.
A ameaça de escassez de água potável no
planeta é uma realidade em muitas regiões, especialmente as mais áridas ou que
sofreram graves desequilíbrios ambientais. Falar que tal cenário poderia se
materializar na Amazônia, com uma vasta rede hidrográfica que abriga a maior
reserva de água doce do planeta, soaria como algo surreal. Entretanto, a rápida
ocupação da mesma a partir dos anos 70 - que resultou na eliminação de cerca de
15% de sua cobertura florestal para a implantação de cidades e empreendimentos
industriais e agropecuários - tornou factível a ameaça de escassez de água em algumas
partes desta região nos próximos anos.
E a região leste do Acre poderá ser uma
das primeiras na Amazônia a ter que conviver com limitações hídricas se a
degradação de seus remanescentes florestais e da sua rede hidrográfica não for
controlada. Dos 21,3 mil km² desmatados no Acre (13% de seu território), 15 mil
km² ocorreram nesta região. Soa um exagero, mas apesar do leste do Acre equivaler
a apenas 22,5% do território do Estado, ele concentra cerca de 70% do desmatamento
registrado em todo o Estado.
A principal ameaça de crise hídrica no
leste do Acre deriva do futuro do rio Acre, que drena cerca de 90% da região (a
outra bacia é a do rio Abunã) e abriga em sua área de influência cerca de 450
mil pessoas, ou aproximadamente 60% da população acreana. A região leste é
também a mais importante sob o ponto de vista econômico, representando cerca de
70% do produto interno bruto estadual. Uma grave crise hídrica terá, portanto,
sérias consequências socioeconômicas para todo o Acre e, possivelmente, para a
região sul-ocidental da Amazônia.
Um estudo realizado em 2011 (Piontekowski
e outros) mostrou que das 11,5 mil hectares das Áreas de Proteção Permanente
(APP) do rio Acre em território acreano, cerca de 3,7 mil (±32%) já tinham sido
destruídas. Em cinco dos oito municípios acreanos banhados pelo rio Acre a taxa
de destruição desta APP ultrapassa 30%. Epitaciolândia e Rio Branco já
eliminaram, respectivamente, 57% e 43% da APP do rio Acre em seus territórios.
É importante ressaltar que no caso do rio Acre as áreas de APPs são sinônimos
de mata ciliar, que tem importância estratégica para a sobrevivência de rios
localizados em planícies sedimentares recentes, como é o caso do rio Acre.
Rios que correm em planícies
sedimentares tendem a ser meândricos, apresentam muitas curvas acentuadas em
razão da erosão constante em suas margens pela ação da água, e mudam de curso
com frequência, formando lagos em formato de meia lua ou ferradura. A
existência de mata ciliar ao longo de rios meândricos ajuda a diminuir a erosão
natural de suas margens e serve como barreira para o escoamento de sedimentos
(argila, areia, pedregulhos) para o leito dos rios, evitando o seu assoreamento
(ou aterramento). Por isso em rios assoreados, como parece ser o caso do rio
Acre, são frequentes os alagamentos por ocasião de chuvas intensas.
O rio Acre sofre de problemas
decorrentes não apenas da destruição de sua mata ciliar, mas também do intenso
desmatamento acontecido na área que ele drena na região leste do Acre. A tabela
que ilustra esse artigo reflete bem a influência dessas ações humanas sobre os
valores das cotas mínimas (nível mais baixo) atingido pelo rio Acre a partir do
ano de 1971.
Entre as décadas de 70 (1971-1980) e 80
(1981-1990), o valor médio das cotas mínimas do rio Acre diminuiu apenas 2%.
Esse valor, entretanto, caiu 16% entre a década de 80 e a de 90 (1991-2000),
quando o desmatamento e a ocupação econômica da região leste do Acre se
intensificaram. Entre a década de 90 e os anos 2000 (2001-2010) a diminuição da
cota mínima chegou a 20%, um valor impressionante. Um dado interessante é a
amplitude das cotas mínimas em cada década: 0,67 m entre 1971-1980, 0,85 m
entre 1981-1990, 0,97 m entre 1991-2000 e 0,85 m entre 2001-2010.
Já ultrapassamos a metade da década de
2010 e é extremamente preocupante o fato de a cota mínima do rio Acre ter
atingido 1,5 m em setembro de 2011, no final do período seco de um ano
climaticamente normal. Mais impressionante foi observar que em julho de 2016,
no início do verão amazônico, a cota mínima do rio Acre ter atingido pela
primeira vez na história medida abaixo de 1,5 m!
Os dados na figura que ilustra esse
artigo nos fazem questionar se a tendência de
baixa no valor da cota mínima do rio Acre continuará com a mesma intensidade
nos próximos anos. Se isso acontecer é bem possível que no final dessa década
(2020) a cota mínima média do rio poderá atingir ±1,65 m. E se a amplitude
entre as cotas mínimas do rio Acre for de ±0,6 m isso significará que poderemos
testemunhar nosso rio chegar a uma cota mínima de ±1 m até 2020. É uma situação
extremamente preocupante!
Se na
próxima década (2021-2030) o ritmo de diminuição da cota mínima do rio Acre se
mantiver, em algum ano da mesma a cota mínima do rio poderá atingir apenas ±0,4
m. E se o cenário mais pessimista prevalecer na década entre 2031-2040 é possível
que neste período, durante o verão amazônico, o leito do rio Acre fique
completamente seco no trecho em que ele corta a cidade de Rio Branco.
Soa um
futuro distante? Nem tanto. São apenas 24 anos. Nossos filhos, incluindo os
adolescentes e aqueles que estão concluindo a faculdade hoje, e que tem vivo na
memória o rio Acre com águas correntes no verão amazônico, poderão ser
testemunhas desse desastre. Será esse o nosso legado para as futuras gerações?
Se isso acontecer, como você – então um idoso que deveria ser visto como um
sábio – se justificaria para os jovens do futuro que não foi cúmplice desse
desastre?
*Evandro
Ferreira, Doutor em Botânica, é pesquisador do INPA e do Herbário do Parque
Zoobotânico da UFAC.
**Ednéia
Araújo dos Santos, Engenheira Florestal e mestre em botânica, é bolsista do
projeto LBA/INPA e pesquisadora Associada ao SETEM/Parque Zoobotânico da UFAC.
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