DO BAMBU AO LAGO SECO, NUVENS E FUMAÇA: A DIFÍCIL TAREFA DE LER IMAGENS DE SATÉLITE E QUANTIFICAR O DESMATAMENTO.*
Foster
Brown**
Recentemente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) publicou dados sobre o desmatamento ocorrido na Amazônia e no Acre durante o período compreendido entre agosto de 2015 e julho de 2016 (1). Depois de vários anos de decréscimo, a taxa de desmatamento para Amazônia brasileira aumentou 29%, de 6.207 km2 no período agosto de 2014-julho de 2015, para 7.989 km2 entre agosto de 2015 e julho de 2016.
E o estado
do Acre foi um dos líderes neste aumento. O INPE estimou que o desmatamento no
estado aumentou 47%, passando de 264 km2 para 389 km2 nos períodos acima
citados. O governo acreano pediu uma reavaliação dos dados do INPE por que em
anos anteriores ele havia interpretado áreas de tabocal como desmatamento. Em
agosto passado, segundo o Secretário e seu Adjunto, o próprio Governo acreano
havia identificado imagens de lagos secos em Tarauacá como desmatamento.
Acreditamos
que este interesse na acurácia das estimativas de desmatamento do INPE é
extremamente importante e queremos usar este momento para explicar um pouco
sobre como estes dados são gerados e sugerir que todos os dados ambientais
incorporem uma estimativa da sua incerteza, como fazem por exemplo, os
institutos de pesquisa de intenção de votos durante o período que antecede as
eleições e que a população já incorporou o significado.
As
ciências, como o matemático e filósofo Bertrand Russell dizia, são dominadas
pelo conceito de aproximação (3). Estimativas de desmatamento são aproximações
de um processo, e se são boas ou não, dependem do objetivo do uso e da
qualidade dos dados.
Alguns
fatores afetam a qualidade das imagens usadas para a estimativa de
desmatamento. A detecção do desmatamento depende das resoluções no espaço, no
tempo e nas bandas de luz do sensor do satélite e dos métodos de tratamento dos
dados.
Uma série
de satélites denominados Landsat tem servido para fazer estimativas de
desmatamento desde a década de 1980 com uma resolução de 30 metros no chão e
uma repetição das observações do mesmo ponto no solo a cada 16 dias. O INPE e
outros grupos de pequisa e monitoramento usam as imagens dos satélites Landsat
para observar a transição de florestas para áreas sem floresta e estimar taxas
de desmatamento.
Apesar de
cerca de duas observações mensais, pode ser difícil encontrar imagens sem
nuvens ou fumaça durante todos os meses do ano para poder quantificar o
desmatamento com maior confiabilidade. Como exemplo, o cálculo de desmatamento
em um ano poderia se dar a partir do inicio de agosto e em outro ano a partir
do final de novembro.
Para
complicar um pouco as coisas, o INPE não usa como referencia o período de
janeiro a dezembro do mesmo ano para estimar o desmatamento anual. Ele utiliza
imagens entre os meses de agosto de um ano e julho do ano seguinte. Os dados
que o INPE publicou agora se referem ao período de agosto de 2015 a julho de
2016 e representam o desmatamento relativo ao ano de 2016.
O
desmatamento mais fácil de determinar em nossa região é aquele que ocorre
depois da queimada das árvores derrubadas, que tipicamente acontece nos meses
de agosto e setembro.
Consequentemente, os dados produzidos pelo INPE para o “ano de 2016” referem-se principalmente ao desmatamento ocorrido em 2015. Por isso, o episódio dos ‘lagos secos’ ocorridos em agosto de 2016 poderiam complicar as estimativas de desmatamento do ano que vem e não deste.
Consequentemente, os dados produzidos pelo INPE para o “ano de 2016” referem-se principalmente ao desmatamento ocorrido em 2015. Por isso, o episódio dos ‘lagos secos’ ocorridos em agosto de 2016 poderiam complicar as estimativas de desmatamento do ano que vem e não deste.
O bambu
morto e os lagos secos interpretados como desmatamento seriam o que chamamos de
“erros de comissão ou inclusão”. Eles aumentariam a estimativa acima do valor
real.
Existem
também os “erros de omissão”, cujos efeitos seriam fazer a estimativa ficar
abaixo do valor real. Estes erros de omissão facilmente acontecem em um ano
quando as imagens disponíveis, vamos supor, são do final do mês de agosto, mas
as queimadas ocorreram apenas no fim de setembro. Assim, este desmatamento
somente seria contabilizado no ano seguinte. Por isso temos incertezas
inerentes nestas estimativas causadas pela data das imagens e por problemas de
intepretação.
Na área
política, especialmente nas pesquisas de intenção de voto, a publicação de
incertezas contidas nos dados é corriqueira, especialmente quando se reportam empates
técnicos ou a incerteza é de mais ou menos 2%. Precisamos fazer isto com dados
de importância ambiental.
Um exemplo
pode ajudar a esclarecer como reportar esta incerteza por ocasião da divulgação
das estimativas de desmatamento. Vamos supor que a incerteza das estimativas de
desmatamento do INPE fosse de mais ou menos de 10%, talvez um valor conservador
(4). Nesse caso, o valor citado para o Acre no período de agosto de 2015 a
julho de 2016, de 389 km2, teria portanto uma faixa de incerteza entre 349 e
429 km2. Em outras palavras, só saberíamos que o valor real do desmatamento
seria entre 349 e 429 km2. Para o ano anterior, quando haviam sido apurados 264
km2 de desmatamento, esta incerteza de 10% produziria uma faixa entre 238 e 290
km2.
Dessa
forma a comparação fica um pouco mais difícil de ser feita, porém, traduz
melhor a realidade. Mesmo assim, podemos ver que a diferença entre os dois anos
para o estado do Acre continua sendo marcante, mesmo se a incerteza dos dados
do INPE fossem de 10%. Portanto, o INPE precisaria encontrar muitos erros para
dizer que o aumento do desmatamento observado no Acre entre 2015 e 2016 não foi
real. E se os erros de omissão forem maiores do que os de inclusão, a
porcentagem de aumento de desmatamento poderia até crescer.
O
Secretário e o Secretário Adjunto da Sema/AC têm toda razão de solicitar ao
INPE uma análise da incerteza da estimativa de desmatamento, que precisa ser
feita tanto em termos de erros de inclusão quanto de erros de omissão. Afinal, a
implementação de políticas públicas no Acre e sua avaliação precisam de
informações confiáveis.
O próprio
governo estadual e a comunidade acadêmica acreana também poderiam servir como
modelos quando publicam dados ambientais e incluir juntamente as estimativas de
incerteza destes dados.
Fontes citadas:
(3) “All exact science is dominated by the idea ofapproximation. When a man tells you that he knows the exact truth aboutanything, you are safe in inferring that he is an inexact man”. As quoted in World
Unity, Vol. IX, 3rd edition (1931), p. 190.
(4)
Olofsson, P; Foody, GM; Stehman, SV; Woodcock, CE. 2013. Making better use ofaccuracy data in land change studies: Estimating accuracy and area andquantifying uncertainty using stratified estimation. Remote Sensing of
Environment 129, 122–131.
*Artigo
originalmente publicado no jornal A Gazeta em 07/12/2016.
** Foster
Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente dos Cursos de
Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais e em Ciências Florestais da
Universidade Federal do Acre (UFAC); cientista do Programa de Grande Escala
Biosfera Atmosfera na Amazônia, do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos
de Desastres do Parque Zoobotânico da UFAC; Membro do Consórcio Madre de Dios e
da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre. Ele trabalha com
pesquisadores do INPE em estimativas de desmatamento.
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