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12 dezembro 2016

DO BAMBU AO LAGO SECO, NUVENS E FUMAÇA: A DIFÍCIL TAREFA DE LER IMAGENS DE SATÉLITE E QUANTIFICAR O DESMATAMENTO.*

Foster Brown**

Gostaria de agradecer ao Secretário Carlos Edegard de Deus e ao Secretário Adjunto João Paulo Mastrângelo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Acre (Sema/AC) por terem abordado, em artigo publicado no jornal ‘A Gazeta’ em 03/11/2012 (1), o assunto de estimativas de desmatamento. 

Recentemente o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) publicou dados sobre o desmatamento ocorrido na Amazônia e no Acre durante o período compreendido entre agosto de 2015 e julho de 2016 (1). Depois de vários anos de decréscimo, a taxa de desmatamento para Amazônia brasileira aumentou 29%, de 6.207 km2 no período agosto de 2014-julho de 2015, para 7.989 km2 entre agosto de 2015 e julho de 2016.

E o estado do Acre foi um dos líderes neste aumento. O INPE estimou que o desmatamento no estado aumentou 47%, passando de 264 km2 para 389 km2 nos períodos acima citados. O governo acreano pediu uma reavaliação dos dados do INPE por que em anos anteriores ele havia interpretado áreas de tabocal como desmatamento. Em agosto passado, segundo o Secretário e seu Adjunto, o próprio Governo acreano havia identificado imagens de lagos secos em Tarauacá como desmatamento.

Acreditamos que este interesse na acurácia das estimativas de desmatamento do INPE é extremamente importante e queremos usar este momento para explicar um pouco sobre como estes dados são gerados e sugerir que todos os dados ambientais incorporem uma estimativa da sua incerteza, como fazem por exemplo, os institutos de pesquisa de intenção de votos durante o período que antecede as eleições e que a população já incorporou o significado.

As ciências, como o matemático e filósofo Bertrand Russell dizia, são dominadas pelo conceito de aproximação (3). Estimativas de desmatamento são aproximações de um processo, e se são boas ou não, dependem do objetivo do uso e da qualidade dos dados.

Alguns fatores afetam a qualidade das imagens usadas para a estimativa de desmatamento. A detecção do desmatamento depende das resoluções no espaço, no tempo e nas bandas de luz do sensor do satélite e dos métodos de tratamento dos dados.

Uma série de satélites denominados Landsat tem servido para fazer estimativas de desmatamento desde a década de 1980 com uma resolução de 30 metros no chão e uma repetição das observações do mesmo ponto no solo a cada 16 dias. O INPE e outros grupos de pequisa e monitoramento usam as imagens dos satélites Landsat para observar a transição de florestas para áreas sem floresta e estimar taxas de desmatamento.  

Apesar de cerca de duas observações mensais, pode ser difícil encontrar imagens sem nuvens ou fumaça durante todos os meses do ano para poder quantificar o desmatamento com maior confiabilidade. Como exemplo, o cálculo de desmatamento em um ano poderia se dar a partir do inicio de agosto e em outro ano a partir do final de novembro.

Para complicar um pouco as coisas, o INPE não usa como referencia o período de janeiro a dezembro do mesmo ano para estimar o desmatamento anual. Ele utiliza imagens entre os meses de agosto de um ano e julho do ano seguinte. Os dados que o INPE publicou agora se referem ao período de agosto de 2015 a julho de 2016 e representam o desmatamento relativo ao ano de 2016.

O desmatamento mais fácil de determinar em nossa região é aquele que ocorre depois da queimada das árvores derrubadas, que tipicamente acontece nos meses de agosto e setembro. 

Consequentemente, os dados produzidos pelo INPE para o “ano de 2016” referem-se principalmente ao desmatamento ocorrido em 2015. Por isso, o episódio dos ‘lagos secos’ ocorridos em agosto de 2016 poderiam complicar as estimativas de desmatamento do ano que vem e não deste.

O bambu morto e os lagos secos interpretados como desmatamento seriam o que chamamos de “erros de comissão ou inclusão”. Eles aumentariam a estimativa acima do valor real.

Existem também os “erros de omissão”, cujos efeitos seriam fazer a estimativa ficar abaixo do valor real. Estes erros de omissão facilmente acontecem em um ano quando as imagens disponíveis, vamos supor, são do final do mês de agosto, mas as queimadas ocorreram apenas no fim de setembro. Assim, este desmatamento somente seria contabilizado no ano seguinte. Por isso temos incertezas inerentes nestas estimativas causadas pela data das imagens e por problemas de intepretação.

Na área política, especialmente nas pesquisas de intenção de voto, a publicação de incertezas contidas nos dados é corriqueira, especialmente quando se reportam empates técnicos ou a incerteza é de mais ou menos 2%. Precisamos fazer isto com dados de importância ambiental.

Um exemplo pode ajudar a esclarecer como reportar esta incerteza por ocasião da divulgação das estimativas de desmatamento. Vamos supor que a incerteza das estimativas de desmatamento do INPE fosse de mais ou menos de 10%, talvez um valor conservador (4). Nesse caso, o valor citado para o Acre no período de agosto de 2015 a julho de 2016, de 389 km2, teria portanto uma faixa de incerteza entre 349 e 429 km2. Em outras palavras, só saberíamos que o valor real do desmatamento seria entre 349 e 429 km2. Para o ano anterior, quando haviam sido apurados 264 km2 de desmatamento, esta incerteza de 10% produziria uma faixa entre 238 e 290 km2.

Dessa forma a comparação fica um pouco mais difícil de ser feita, porém, traduz melhor a realidade. Mesmo assim, podemos ver que a diferença entre os dois anos para o estado do Acre continua sendo marcante, mesmo se a incerteza dos dados do INPE fossem de 10%. Portanto, o INPE precisaria encontrar muitos erros para dizer que o aumento do desmatamento observado no Acre entre 2015 e 2016 não foi real. E se os erros de omissão forem maiores do que os de inclusão, a porcentagem de aumento de desmatamento poderia até crescer.

O Secretário e o Secretário Adjunto da Sema/AC têm toda razão de solicitar ao INPE uma análise da incerteza da estimativa de desmatamento, que precisa ser feita tanto em termos de erros de inclusão quanto de erros de omissão. Afinal, a implementação de políticas públicas no Acre e sua avaliação precisam de informações confiáveis.

O próprio governo estadual e a comunidade acadêmica acreana também poderiam servir como modelos quando publicam dados ambientais e incluir juntamente as estimativas de incerteza destes dados.

Fontes citadas:
(4) Olofsson, P; Foody, GM; Stehman, SV; Woodcock, CE. 2013. Making better use ofaccuracy data in land change studies: Estimating accuracy and area andquantifying uncertainty using stratified estimation. Remote Sensing of Environment 129, 122–131.

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta em 07/12/2016.

** Foster Brown, pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente dos Cursos de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais e em Ciências Florestais da Universidade Federal do Acre (UFAC); cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia, do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico da UFAC; Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre. Ele trabalha com pesquisadores do INPE em estimativas de desmatamento.