Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

03 dezembro 2016

POR QUE A PREOCUPAÇÃO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS? (*)

3. Temperaturas subindo ou não?

Foster Brown (**) e Miguel G. Xavier (***)

Rio Branco está sentindo a onda de calor que afeta a Amazônia Sul Ocidental. A estação meteorológica do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou mais de 30 dias com temperaturas máximas maiores do que 35 graus nos últimos 3 meses. Muitos moradores da cidade não se lembram de temperaturas tão altas, será que esta nova onda de calor prova a influência humana nas mudanças climáticas? A resposta em uma palavra é não.

O clima do planeta muda naturalmente e extremos de temperatura, chuvas e secas têm marcado a sua história mesmo antes da humanidade existir. Aliás, o nosso planeta tem uma história de mudanças climáticas. Será então que todas as mudanças climáticas atuais são puramente naturais? A resposta novamente em uma palavra também é não.

A pior seca na Amazônia em mais de cem anos, que aconteceu no período de 1925-26, ilustra eventos extremos que aconteceram antes de um aumento drástico na concentração de gás carbônico na atmosfera e antes da região possuir grandes áreas desmatadas. Antigos moradores da bacia do Rio Acre relatam histórias de grandes inundações na região, evidenciando as causas e os efeitos sinérgicos das mudanças climáticas, numa complexa teia que cerca a variabilidade natural do planeta e as contribuições antrópicas para este cenário.

O que temos hoje é uma modificação do equilíbrio energético do planeta causada principalmente pelo aumento de concentração do gás carbônico na atmosfera, um aumento proveniente da queima de combustíveis fósseis e secundariamente pela queima de florestas, conforme expusemos em nosso primeiro artigo desta série. O efeito deste aumento de concentração retém mais energia na atmosfera, nos mares e oceanos, conforme esclarecemos em nosso segundo artigo. Agora, para medir este aumento de energia não é fácil, apesar do indicador principal desta energia – a temperatura – parecer um conceito simples.

Fisicamente a temperatura não representa uma grandeza absoluta, mas sim relativa. Os fenômenos que envolvem calor (aquecimento, resfriamento, mudanças de estado físico da matéria etc.) caracterizam o estado térmico de um corpo ou sistema através da agitação térmica de suas moléculas, o que consequentemente aumento a sua energia cinética (velocidade). É importante compreender que afirmações do tipo “a temperatura é maior ou menor” não fazem sentido senão indicarmos uma referência balizadora.

Exemplos do cotidiano nos revelam que dois corpos isolados, com temperaturas diferentes, quando colocado no mesmo ambiente tendem a entrar em equilíbrio térmico, como retirar um copo d´água congelado da geladeira e esperá-lo aumentar sua temperatura para bebê-lo ou então esperar para comer um bolo que acaba de sair do forno, aguardando a sua temperatura entrar em equilíbrio térmico com o ambiente da sua cozinha para não queimarmos a boca.

A medida de temperatura do ar pode ser considerada cheia de frescuras. Se medirmos perto do solo teremos um valor, se for a dois metros de altura a temperatura seria outra. Se o termômetro estiver na sombra seria um valor, se for no sol, o valor seria diferente. Por este motivo, os serviços meteorológicos usam métodos padronizados para minimizar tais efeitos. Mesmo assim, até o efeito da urbanização ao redor de uma estação meteorológica pode causar um aparente aumento de temperatura quando o asfalto ocupa o lugar de paisagens naturais. Medidas de temperatura via satélites também sofrem de problemas de calibração que os serviços de meteorologia têm que analisar e corrigir.

O resultado desta análise é que a partir da década de 1970 estamos vendo um aumento da temperatura média global da atmosfera perto da superfície na escala de décadas, o que é confirmado por várias fontes conforme mostrado na figura. Porém, esta média global decadal esconde variações locais fortes onde a temperatura poderia abaixar no lugar de subir. Estas variações têm explicação provável nas alterações de padrões de circulação e variabilidade decadal natural atmosférica e nos oceanos Pacífico e Atlântico.

Aliás, mesmo a média global anual de temperatura da atmosfera próxima da superfície pode diminuir durante vários anos. Na pós-graduação, os estudantes exercitam a oportunidade de analisar as temperaturas médias globais anuais para períodos de 5 a 14 anos e muitos destes períodos mostram uma diminuição no lugar de uma subida. Somente quando o nosso olhar “enxergar” na escala de 30-40 anos é que o aumento da temperatura global ficará mais claro.

Parte da explicação parte da razão que a temperatura da atmosfera perto da superfície varia de ano em ano e envolve a sua circulação nos oceanos que absorvem mais de 90 por cento desta energia oriunda do aumento de gás carbônico na atmosfera. Se os ventos são mais fortes do que o normal, este calor se mistura em maior profundidade nos oceanos e o aumento de temperatura pode se manifestar pequeno. Por outro lado, se esta mistura é mínima no Oceano Pacífico durante um El Niño, a temperatura global pode subir, como aconteceu entre os anos de 1997 e 1998.

É por causa destas complexas relações que é difícil dizer, para um lugar específico e tempo específico se uma onda de calor é causada exclusivamente pelo aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera. Recentemente pesquisadores analisando dados do mundo inteiro estimaram que a proporção do efeito humano nas ondas de calor é de cerca de 75%. Em outras palavras, em geral, o efeito de gás carbônico emitido por atividades humanas está funcionando como amplificador de ondas de calor naturais.

Retomando a nossa questão inicial, a onda de calor deste ano na Amazônia Sul-Ocidental provavelmente tem componentes naturais e antrópicos, mas a proporção específica dos dois nós não temos condições de afirmar para este caso. A tendência, porém, é problemática visto que a concentração de gás carbônico continua aumentando, fazendo com que o sistema atmosfera-oceanos se torne cada vez mais energético.

Pessoas e ecossistemas estão sendo estressados por esta onda de calor. Para as pessoas já podemos antecipar problemas para aqueles que exercem trabalho físico nas condições ambientais. O corpo humano possui a capacidade de manter a sua temperatura dentro de limites aceitáveis para a vida, mesmo quando a temperatura do ambiente é diferente. Esta regulação térmica é a responsável por mudanças fisiológicos que visam controlar a temperatura do corpo, como por exemplo o suor e o tremor.

Se a temperatura do planeta se deslocar para médias superiores em relação às atuais, os efeitos para esta termo regulação seriam devastadores, pois as temperaturas baixas inviabilizariam as taxas metabólicas e as enzimas que dependem da temperatura para atuar em nosso corpo, e no caso de um superaquecimento as células e tecidos humanos iriam ao colapso. Para os ecossistemas, por sua vez, os efeitos desta variação de temperatura ainda não permitem que tenhamos tranquilidade quando o assunto trata das futuras produções agrícolas para garantir a segurança e a soberania alimentar de todos.

(*) Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta em 27/10/2015.

(**) Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

(***) Miguel G. Xavier, Professor do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza (CCBN), e pesquisador dos grupos de pesquisa de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) e de Nanociência, Nanotecnologia e Nanobiotecnologia (NNN) da UFAC.