POR QUE A PREOCUPAÇÃO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS? (*)
3. Temperaturas subindo ou não?
Foster Brown
(**) e Miguel G. Xavier (***)
Rio Branco
está sentindo a onda de calor que afeta a Amazônia Sul Ocidental. A estação
meteorológica do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) registrou mais de
30 dias com temperaturas máximas maiores do que 35 graus nos últimos 3 meses.
Muitos moradores da cidade não se lembram de temperaturas tão altas, será que
esta nova onda de calor prova a influência humana nas mudanças climáticas? A
resposta em uma palavra é não.
O clima do
planeta muda naturalmente e extremos de temperatura, chuvas e secas têm marcado
a sua história mesmo antes da humanidade existir. Aliás, o nosso planeta tem
uma história de mudanças climáticas. Será então que todas as mudanças
climáticas atuais são puramente naturais? A resposta novamente em uma palavra
também é não.
A pior seca
na Amazônia em mais de cem anos, que aconteceu no período de 1925-26, ilustra
eventos extremos que aconteceram antes de um aumento drástico na concentração
de gás carbônico na atmosfera e antes da região possuir grandes áreas
desmatadas. Antigos moradores da bacia do Rio Acre relatam histórias de grandes
inundações na região, evidenciando as causas e os efeitos sinérgicos das
mudanças climáticas, numa complexa teia que cerca a variabilidade natural do
planeta e as contribuições antrópicas para este cenário.
O que temos
hoje é uma modificação do equilíbrio energético do planeta causada
principalmente pelo aumento de concentração do gás carbônico na atmosfera, um
aumento proveniente da queima de combustíveis fósseis e secundariamente pela
queima de florestas, conforme expusemos em nosso primeiro artigo desta série. O
efeito deste aumento de concentração retém mais energia na atmosfera, nos mares
e oceanos, conforme esclarecemos em nosso segundo artigo. Agora, para medir
este aumento de energia não é fácil, apesar do indicador principal desta
energia – a temperatura – parecer um conceito simples.
Fisicamente
a temperatura não representa uma grandeza absoluta, mas sim relativa. Os
fenômenos que envolvem calor (aquecimento, resfriamento, mudanças de estado
físico da matéria etc.) caracterizam o estado térmico de um corpo ou sistema
através da agitação térmica de suas moléculas, o que consequentemente aumento a
sua energia cinética (velocidade). É importante compreender que afirmações do
tipo “a temperatura é maior ou menor” não fazem sentido senão indicarmos uma
referência balizadora.
Exemplos do
cotidiano nos revelam que dois corpos isolados, com temperaturas diferentes,
quando colocado no mesmo ambiente tendem a entrar em equilíbrio térmico, como
retirar um copo d´água congelado da geladeira e esperá-lo aumentar sua
temperatura para bebê-lo ou então esperar para comer um bolo que acaba de sair
do forno, aguardando a sua temperatura entrar em equilíbrio térmico com o
ambiente da sua cozinha para não queimarmos a boca.
A medida de
temperatura do ar pode ser considerada cheia de frescuras. Se medirmos perto do
solo teremos um valor, se for a dois metros de altura a temperatura seria
outra. Se o termômetro estiver na sombra seria um valor, se for no sol, o valor
seria diferente. Por este motivo, os serviços meteorológicos usam métodos
padronizados para minimizar tais efeitos. Mesmo assim, até o efeito da
urbanização ao redor de uma estação meteorológica pode causar um aparente
aumento de temperatura quando o asfalto ocupa o lugar de paisagens naturais.
Medidas de temperatura via satélites também sofrem de problemas de calibração
que os serviços de meteorologia têm que analisar e corrigir.
O resultado
desta análise é que a partir da década de 1970 estamos vendo um aumento da
temperatura média global da atmosfera perto da superfície na escala de décadas,
o que é confirmado por várias fontes conforme mostrado na figura. Porém, esta
média global decadal esconde variações locais fortes onde a temperatura poderia
abaixar no lugar de subir. Estas variações têm explicação provável nas
alterações de padrões de circulação e variabilidade decadal natural atmosférica
e nos oceanos Pacífico e Atlântico.
Aliás, mesmo
a média global anual de temperatura da atmosfera próxima da superfície pode
diminuir durante vários anos. Na pós-graduação, os estudantes exercitam a
oportunidade de analisar as temperaturas médias globais anuais para períodos de
5 a 14 anos e muitos destes períodos mostram uma diminuição no lugar de uma subida.
Somente quando o nosso olhar “enxergar” na escala de 30-40 anos é que o aumento
da temperatura global ficará mais claro.
Parte da
explicação parte da razão que a temperatura da atmosfera perto da superfície
varia de ano em ano e envolve a sua circulação nos oceanos que absorvem mais de
90 por cento desta energia oriunda do aumento de gás carbônico na atmosfera. Se
os ventos são mais fortes do que o normal, este calor se mistura em maior
profundidade nos oceanos e o aumento de temperatura pode se manifestar pequeno.
Por outro lado, se esta mistura é mínima no Oceano Pacífico durante um El Niño,
a temperatura global pode subir, como aconteceu entre os anos de 1997 e 1998.
É por causa
destas complexas relações que é difícil dizer, para um lugar específico e tempo
específico se uma onda de calor é causada exclusivamente pelo aumento da
concentração de gás carbônico na atmosfera. Recentemente pesquisadores
analisando dados do mundo inteiro estimaram que a proporção do efeito humano
nas ondas de calor é de cerca de 75%. Em outras palavras, em geral, o efeito de
gás carbônico emitido por atividades humanas está funcionando como amplificador
de ondas de calor naturais.
Retomando a
nossa questão inicial, a onda de calor deste ano na Amazônia Sul-Ocidental
provavelmente tem componentes naturais e antrópicos, mas a proporção específica
dos dois nós não temos condições de afirmar para este caso. A tendência, porém,
é problemática visto que a concentração de gás carbônico continua aumentando,
fazendo com que o sistema atmosfera-oceanos se torne cada vez mais energético.
Pessoas e
ecossistemas estão sendo estressados por esta onda de calor. Para as pessoas já
podemos antecipar problemas para aqueles que exercem trabalho físico nas
condições ambientais. O corpo humano possui a capacidade de manter a sua
temperatura dentro de limites aceitáveis para a vida, mesmo quando a
temperatura do ambiente é diferente. Esta regulação térmica é a responsável por
mudanças fisiológicos que visam controlar a temperatura do corpo, como por
exemplo o suor e o tremor.
Se a
temperatura do planeta se deslocar para médias superiores em relação às atuais,
os efeitos para esta termo regulação seriam devastadores, pois as temperaturas
baixas inviabilizariam as taxas metabólicas e as enzimas que dependem da
temperatura para atuar em nosso corpo, e no caso de um superaquecimento as
células e tecidos humanos iriam ao colapso. Para os ecossistemas, por sua vez,
os efeitos desta variação de temperatura ainda não permitem que tenhamos
tranquilidade quando o assunto trata das futuras produções agrícolas para
garantir a segurança e a soberania alimentar de todos.
(*) Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta em 27/10/2015.
(**) Foster
Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de
Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade
Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera
Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de
Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios
e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
(***) Miguel G.
Xavier, Professor do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Ciências
Biológicas e da Natureza (CCBN), e pesquisador dos grupos de pesquisa de Gestão
de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) e de Nanociência,
Nanotecnologia e Nanobiotecnologia (NNN) da UFAC.
Fonte da
imagem: NASA News & Feature Releases
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