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23 agosto 2020

PANDEMIA DE CORONAVÍRUS: O MELHOR CENÁRIO É DESASTROSO*

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

No final da semana passada (26/03) pesquisadores do Imperial College de Londres, no Reino Unido, publicaram estimativas do impacto que a pandemia de coronavírus poderá ter em 202 países. O estudo é assinado por cerca de 50 cientistas, incluindo um grupo ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS), e suas conclusões não são nada animadoras no que se refere ao Brasil.

No estudo, foram utilizados, entre outros, dados de contágio e forma de disseminação do vírus em diferentes ambientes, características socioeconômicas das populações afetadas, infraestrutura hospitalar disponível e estatísticas de hospitalização e óbitos ocorridos até o momento.

Foi um estudo do Imperial College sobre o impacto do coronavírus no Reino Unido – publicado em 16 de março – que levou a uma mudança na abordagem do enfrentamento do vírus pelo governo local. Inicialmente se apostou em uma estratégia de “imunidade de massa”, onde o país não seria parado e o vírus circularia livremente, infectando a maioria da população, imunizando rapidamente as pessoas. 

Tudo mudou porque o estudo do Imperial College – modelagem usando cenários com e sem mitigação e/ou supressão para controlar a velocidade de infecção do vírus – mostrou que mesmo todos os pacientes no Reino Unidos tendo acesso a tratamento hospitalar, a previsão mais otimista indicou a inacreditável quantidade de 250 mil mortos em decorrência da pandemia.

O estudo do Imperial College sobre o impacto global da pandemia de coronavírus mostra que se ele circular livremente, infectará este ano cerca de 7 bilhões dos estimados 7,7 bilhões de habitantes do planeta. Sem medidas de controle, se estima que até o fim do ano cerca de 40 milhões de pessoas poderão morrer em consequência da ação direta ou indireta do vírus.

A previsão desse estudo para o Brasil, considerando variados cenários de mitigação e/ou supressão, indica que o número de mortos poderá variar entre 44,2 mil – em cenário de “supressão precoce”, com taxa de mortalidade de até 0,2 mortes/100 mil habitantes/semana – e 1,1 milhão de mortes em cenário sem nenhuma medida de mitigação e/ou supressão.

Segundo os experts em epidemiologia, na ausência de vacina para neutralizar o vírus, o controle da atual pandemia dependerá de duas estratégias de ação:

(a) Mitigação, que foca na diminuição, mas não necessariamente no controle efetivo da disseminação da epidemia, reduzindo o pico da demanda por serviços hospitalares e protegendo apenas as pessoas com maior risco de serem afetadas severamente caso venham a ser infectadas (idosos, por exemplo);

(b) Supressão, que objetiva reverter o crescimento da epidemia, reduzindo o número de casos para níveis muito baixos, e manter essa situação de forma indefinida. Para isso, procura-se limitar ao máximo os contatos sociais de forma que a transmissão do vírus é bloqueada – quarentena.

No momento, a maioria dos países, o Ministro da Saúde do Brasil, Governadores e prefeitos de todo o país, baseados em diretivas emitidas pela OMS, estão tentando adotar o método de supressão para controlar a epidemia no Brasil.

Entretanto, o presidente Bolsonaro e um grupo pequeno de assessores e conselheiros dele (que inclui seus filhos) são as únicas vozes dissonantes e estão ativamente advogando a adoção da estratégia de mitigação para controlar a disseminação do vírus no Brasil.

É uma minoria barulhenta, diga-se de passagem. Graças ao controle que o presidente e seus filhos tem sobre seus milhares de fanáticos seguidores, as redes sociais estão inundadas das mais estapafúrdias campanhas em favor dessa opção de controle.

O estudo do Imperial College, entretanto, mostra que a adoção de uma estratégia mais branda como a mitigação, com proteção apenas dos grupos de maior risco, pode resultar na morte adicional de cerca de meio milhão de brasileiros.

Não sabemos por que nosso presidente faz “ouvido de mercador” às opiniões cientificas e médicas predominantes no mundo sobre a forma mais eficiente de combater o coronavírus. Até Donald Trump, que até duas semanas atrás tratava a epidemia com desdém, mudou de opinião.

Agindo assim, ele está desperdiçando a oportunidade de minorar significativamente o desastre que se anuncia. Sem a supressão, o número de infectados aumentará exponencialmente em poucas semanas. E, na medida em que parte deles necessitar simultaneamente de tratamento hospitalar, o excessivo número de doentes levará ao colapso o sistema de atendimento em saúde público e privado do país.

Embora os dados ainda sejam imprecisos, na atual pandemia cerca de 20% dos infectados (em Nova Iorque ontem eram 24,7%) necessitam hospitalização. Destes, cerca de 5% evoluem para estado crítico e demandarão unidades de terapia intensiva (UTI) e suporte respiratório (ventiladores). Cerca de metade dos que vão para as UTI’s tem ido a óbito.

Uma simulação considerando a população da cidade de Rio Branco (cerca de 400 mil habitantes) em condições de pouco controle da disseminação do vírus revela números assustadores e reforça a importância da implementação estrita da estratégia de supressão:

- Cerca de 325 mil serão infectados e aproximadamente 65 mil necessitarão ser internados, causando o colapso dos sistemas de atendimento de saúde da cidade. Dos que forem internados, cerca de 3,2 mil precisarão de cuidados em Unidades de Terapia Intensiva e suporte respiratório. Em todo o Acre existem hoje menos de 100 UTI’s disponíveis. Finalmente, se metade dos internados em UTI’s vier a óbito, teremos cerca de 1,6 mil vítimas.

Não sabemos o tempo de duração da crise e se os percentuais de infecção, hospitalização e óbitos observados em outras regiões se repetirão aqui no Acre. Portanto, para evitar o pior, devemos seguir, sem titubear, as instruções da OMS, Ministério da Saúde, Governo do Estado e Prefeitura da cidade.

Para saber mais:

- Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand, Imperial College, London, march 16, 2020. Link: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-NPI-modelling-16-03-2020.pdf

- Report 12: The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression, Imperial College, London, march 26, 2020. Link: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020v2.pdf

Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 30/03/2020.