Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

05 novembro 2005

O AÇAI DA "CAMPINA" DA BR 307

A campina da BR307, que se espera possa ser declarada uma área de preservação integral no futuro, é o único local no Acre onde foi encontrada a palmeira conhecida cientificamente pelo nome Euterpe catinga, e que chamamos popularmente de "açai da campina".

As várias espécies de açai encontradas no Acre

Na atualidade, são aceitas como válidas pelo menos 9 espécies de palmeiras pertencentes ao mesmo grupo do nosso conhecido açai (ou seja, espécies do mesmo gênero). Pelo menos 4 destas podem ser encontradas no Acre (e em outras regiões da Amazônia). Uma delas foi introduzida, o açai-de-touceira (Euterpe oleracea), e as demais são nativas. Uma dessas nativas é conhecida de todos os acreanos: o açai solteiro (Euterpe precatoria), encontrada em quase todo o Estado, exceto na Estação Ecológica do Alto Rio Acre. Parece mentira, mas existe um lugar no Acre completamente coberto por floresta nativa onde não é possível encontrar o açai solteiro! A outra espécie nativa, Euterpe longevaginata, só foi vista por aqueles que já tiveram o privilégio de ir à Serra do Môa, onde a mesma está confinada. É o menor de todos os açai nativos. A última delas, é o açai da campina (Euterpe catinga). Aliás, o nome correto da espécie era para ser "Euterpe caatinga". Ocorre que o descobridor da espécie, o pesquisador inglês Sir Alfred Wallace, achou que a campina onde a palmeira crescia (nas cercanias de Manaus) tinha semelhança física (porte da vegetação) com a "caatinga" do nordeste brasileiro. Infelizmente, quando foi feita a publicação do livro descrevendo cientificamente a espécie, em 1853, uma das letras "a" do nome caatinga foi suprimida pelo "letrista" da gráfica. O erro se perpetuou graças a esse erro tipográfico.
Até ser encontrada no Acre, o açai da campina só tinha sido registrado nas cercanias de Manaus, Venezuela, Colômbia e cercanias da cidade de Iquitos, no Peru. Ela é uma espécie típica de lugares com solos arenosos, incluindo as campinas. É bom deixar claro que campinas e campinarana (falsas campinas) podem ser encontradas em outros lugares da Amazônia, não são exclusividade do Acre.

A "descoberta" do açai de campina no Acre

Eu, que comecei a estudar as palmeiras nativas do Acre no começo dos anos 90, já revirei o vale do Juruá fazendo coletas botânicas para o Herbário da UFAC. São mais de 500 amostras de palmeiras coletadas em quase todos os lugares do Estado. Depois que passei a "namorar" as palmeiras, sempre que ia à cidade de Cruzeiro do Sul, achava que existia algo de estranho com alguns daqueles pés de açai cultivados em muitas das residências locais. Uma ou outra vez tive a curiosidade de perguntar e alguns me diziam que eles eram legítimos pés de açai-de-touceira ou açai solteiro. Entretanto, sempre achei que eles tinham uma coloração diferente, mais amarelada ou as vezes muito avermelhada.
O tempo foi passando e recordo que vez ou outra pensava comigo mesmo na época: “Euterpe catinga no Acre? Tá brincando!” Me acomodei, fui deixando o assunto para depois talvez porque as plantas estavam na cidade e a qualquer hora eu poderia alcança-las. É sempre assim. Santo de casa não faz milagre.
Quando Harri Lorenzi encontrou, em agosto de 2001, pela primeira vez no Acre a espécie na campina da BR307, fiquei tão surpreso, e confesso agora – decepcionado também, que não resisiti e tive que ir vê-la pessoalmente poucos meses depois para me assegurar que não tinha havido um engano. Lembro que me senti um inútil, um amador. "Como não havia visto esta planta antes?" não cansava de me perguntar. Lorenzi, um colega nosso de São Paulo, veio ao Acre na época coletar dados para o livro PALMEIRAS BRASILEIRAS E EXÓTICAS CULTIVADAS, na qual ele é o autor principal e eu um dos co-autores (veja detalhes do livro clicando aqui). Por alguma razão, que não consigo relembrar, não pude participar daquela expedição.
O mais irônico de tudo é que ele nem estava em busca desta espécie. Ele estava tentando ir para a Serra do Môa e, para ganhar tempo, tinha decidido ir de carro pela BR3o7, de onde, a partir do km 60, percorre-se um ramal de 6 km até a margem do rio Môa. É uma viagem que leva 2 horas em carro, mas que compensa pela economia de mais de 5 horas de viagem em barco (batelão), se você iniciar sua viagem na ponte que cruza o rio Môa naquela estrada para Rodrigues Alves. Além disso, se evitam os perigos e as emoções "extras" da famosa “volta da Aurora”, que fica logo na desembocadura do rio Môa no Juruá.
A presença da Euterpe catinga na campina da BR307 talvez seja, de minha parte, a principal razão para que as campinas do vale do juruá sejam para sempre preservadas.

COMENTÁRIOS DO PROF. ALCEU RANZI:

Aproveitando o gancho da "volta da Aurora" para dizer que que o Ramal da BR 307 corta a Falha Geológica Batã/Cruzeiro. Tanto a "falha" como as areias da "campinarana" observamos em companhia do Dr. Latrubesse, o argentino citado em post anterior sobre xenofobia.
Completando...Da nossa viagem ao Moa foi publicado o artigo: Latrubesse, E. & Ranzi, A. 2000. Neotectonic influence on tropical rivers of southwestern Amazon during the late quaternary:the Moa and Ipixuna river basins, Brazil. Quaternary International. V. 72, n.2000:67-72

DESAFIO DO BLOG:

Alceu, um desafio: nós que trabalhamos com botânica sabemos que a diversidade de espécies no juruá é bem maior do que no vale do Acre. A fauna paleontológica do juruá também tem o mesmo padrão? Ela é mais rica? Como explicar?

A RESPOSTA:

Ainda não sabemos se a região do Juruá é mais rica ou produziu mais fósseis por ter sido mais pesquisada. No Canyon do Moa nós temos o Cretáceo marinho aflorando com fósseis identificados. No Alto Juruá, acima do Amônea e no Juruá-Mirim, afloram sedimentos com fósseis do ?Oligoceno?/Mioceno inferior. Estes fósseis associados aos paleovertebrados mais recentes, provocam a alta biodiversidade. Então temos que ver a temporalidade. Isto é a biodiversidade de cada época. Uma das conclusões de meu livro Paleoecologia da Amazônia é que a alta biodiversidade pode ser o "mix" entre animais (e plantas) da "rain forest" com os animais (e plantas) das savanas que resistiram ao avanço da floresta.Acho que a palmeira Ouricuri (Sheelea?) é um "relict" das savanas. E o que dizer do cocão de Tarauacá, acho que os dispersores eram os megatérios e os mastodontes. Os animais dispersores se foram e o cocão (com outras plantas) é mais um sobrevivente resiliente. (Ver os estudos de Jansen na Costa Rica).

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Aproveitando o gancho da "volta da Aurora" para dizer que que o Ramal da BR 307 corta a Falha Geológica Batã/Cruzeiro. Tanto a "falha" como as areias da "campinarana" observamos em companhia do Dr. Latrubesse, o argentino citado em post anterior sobre xenofobia.

06/11/2005, 10:55  
Anonymous Anônimo said...

Completando...
Da nossa viagem ao Moa foi publicado o artigo: Latrubesse, E. & Ranzi, A. 2000. Neotectonic influence on tropical rivers of southwestern Amazon during the late quaternary:the Moa and Ipixuna river basins, Brazil. Quaternary International. V. 72, n.2000:67-72

06/11/2005, 13:01  
Blogger Evandro Ferreira said...

Alceu, um desafio: nós que trabalhamos com botânica sabemos que a diversidade de espécies no juruá é bem maior do que no vale do Acre. A fauna paleontológica do juruá também tem o mesmo padrão? Ela é mais rica? Como explicar?
Evandro

06/11/2005, 17:56  
Anonymous Anônimo said...

Ainda não sabemos se a região do Juruá é mais rica ou produziu mais fósseis por ter sido mais pesquisada. No Canyon do Moa nós temos o Cretáceo marinho aflorando com fósseis identificados. No Alto Juruá, acima do Amônea e no Juruá-Mirim, afloram sedimentos com fósseis do ?Oligoceno?/Mioceno inferior. Estes fósseis associados aos paleovertebrados mais recentes, provocam a alta biodiversidade. Então temos que ver a temporalidade. Isto é a biodiversidade de cada época.
Uma das conclusões de meu livro Paleoecologia da Amazônia é que a alta biodiversidade pode ser o "mix" entre animais (e plantas) da "rain forest" com os animais (e plantas) das savanas que resistiram ao avanço da floresta.
Acho que a palmeira Ouricuri (Sheelea?) é um "relict" das savanas. E o que dizer do cocão de Tarauacá, acho que os dispersores eram os megatérios e os mastodontes. Os animais dispersores se foram e o cocão (com outras plantas) é mais um sobrevivente resiliente. (Ver os estudos de Jansen na Costa Rica).

07/11/2005, 08:43  
Anonymous Anônimo said...

Bibliografia: Janzen,D.H. & Martin, P.S. 1982.Neotropical anachronisms:the fruits the gomphoteres ate. Science, 215:19-27.

Os mastodontes amazônicos, ecologicamente similares aos elefantes, pertencem ao grupo dos gonfotérios, extintos no final do Pleistoceno +-12.000 BP.

07/11/2005, 15:19  

Postar um comentário

<< Home