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16 maio 2006

ACREANOS NA BOLÍVIA ("BRASIVIANOS")

Amazônia: um espaço compartilhado - Estudo de caso sobre os “ brasivianos” (*)

Benedita Maria Gomes Esteves
Professora do Departamento de História da UFAC
Pesquisadora Associada do Parque Zoobotânico-PZ

Introdução

Este painel reflete parte dos estudos que estão sendo realizados através de uma pesquisa sobre migrações na fronteira da Amazônia Sul-Ocidental, especificamente, em áreas de extrativismo no Acre (Brasil), Pando (Bolívia) e Madre de Dios (Peru). O estudo de caso sobre os brasileiros que migraram para o Departamento de Pando vem possibilitando uma nova percepção da Amazônia, cuja delimitação geopolítica torna-se uma definição de recorte
político que, se por um lado, define territórios nacionais, por outro esvazia tais espaços de conteúdos sócioambientais.

O conceito de região Amazônica como vem sendo usado, indistintamente, reduz uma das noções básicas das ciências sócias – a de espaço – ao localismo, como se a Amazônia, fosse uma região peculiarmente brasileira, negando a extensa área de floresta contínua que alcança outros países. Tal apropriação não leva em conta as redes de relações estabelecidas entre as populações residentes nestes limites, como índios, caboclos, ribeirinhos e extratores que definiram seus territórios sob outras bases, inclusas na relação com os recursos naturais existentes. Estas populações criaram suas próprias nações. A nação seringueira é uma delas, recortada pela relação homem natureza.

Este trabalho pretende recolocar em discussão o espaço amazônico, tendo como foco os trabalhadores extrativistas a partir das redefinições dos processos de ocupação desta área. Nesse sentido, as migrações ganham significado a medida em que se constata um fluxo permanente de idas e vindas de trabalhadores brasileiros, no campo, na floresta e na periferia das cidades do Acre e de Pando, a procura de terra ou trabalho.

Identificação da área pesquisada

O trabalho de pesquisa concentra-se, na área de extrativismo, em Pando, na Bolívia, para onde migraram 6.000 famílias brasileiras, ou aproximadamente, 30 mil pessoas a procura de condições de trabalho e de terra.

Foram realizadas 260 entrevistas durante os trabalhos de campo da equipe na fronteira – ramal Brasil/Bolívia; nos rios Caramano e Chipamano (Bolívia); periferia do Município de Capixaba (Brasil); entre seringais brasileiros e bolivianos; no Município de Plácido de Castro (Brasil) espaço limite com Montevideo (Bolívia); Brasiléia (Brasil) e Cobija (capital de Pando/Bolívia) e em bairros periféricos da cidade de Rio Branco (Acre). Foram entrevistadas famílias expulsos dos seringais bolivianos, como São Francisco Gavião nos limites com a cidade de Capixaba, Epitaciolândia e Brasiléia, em bairros que começam a se formar; a partir dessa população. Na área pesquisada, próxima a Capixaba, a equipe de pesquisadores presenciou a expulsão de famílias, em áreas de concessões madeireiras, bem como entrevistou líderes de “comunidades indígenas” , trabalhadores de fazendas e trabalhadores de empresas madeireiras.

Os deslocamentos populacionais na fronteira da Amazônia Sul-Ocidental

Os anos caracterizados pelos maiores deslocamentos da populacão brasileira, para Pando, são marcados pelos intensos conflitos por terra, no Acre, período caracterizado pela penetração da frente pecuarista. Hoje, não é somente a perda da propriedade que justifica tais deslocamentos, a procura de trabalho, principalmente, a partir da formação da
mão-de-obra volante, na agricultura, envolvendo os trabalhos de desmatamentos como conseqüência dos processos de ocupação e re-ocupação em ambos os países.

O trabalho como fator de mobilização

Os brasileiros que vivem nestas áreas, têm como principais atividades: o trabalho de extração do látex e a pequena agricultura com 36 %. Essas atividades vão se modificando a medida em que as formas de apropriação dos recursos naturais vão sendo alteradas, a partir das novas formas de uso da terra determinadas pelos interesses de empresários (sobretudo medeireiros) e latifundiários. Tal forma de apropriação vem alterando a dinâmica das populações desde o processo de ocupação da Amazônia, definido a partir da exploração do látex, no início do século XVIII.

No espaço de dois anos, as atividades agrícolas se intensificaram equiparando-se às extrativistas. Surgiram as atividades ligadas aos desmatamentos, como a de peão de fazenda e, ainda, a figura de aposentado, somando mais de 18 %. Esta última categoria que tende a permanecer na floresta, representa uma trajetória peculiar – culturalmente não aceitam viver na cidade e sustentam os filhos desempregados.

Retorno para o Brasil

Vários fatores são explicativos do retorno para o Brasil. Entretanto estes são indicativos dos processos de reconcentração das terras na fronteira internacional, motivada pelos interesses nacionais e multinacionais que impulsionam o desenvolvimento do capitalismo, a partir de uma forma peculiar, onde se expropria trabalhador e se apropriam dos recursos naturais de forma predatória, como foi o caso da exploração da seringueira no Acre, do minério na Bolívia e, é hoje, a extração da madeira e do palmito, em ambos os países.

Essa população tende a permanecer como mão-de-obra volante, desenvolvendo atividades temporárias, na agricultura ou ainda, reduzida a condição de biscateiros,na periferia das cidades.

Conclusão

A fronteira se caracteriza como espaço compartilhado entre as sociedades acreana e pandina:

- Por um espaço socialmente compartilhado, definido pela necessidade de terra e trabalho, pelos migrantes brasileiros e por comunidades bolivianas;

- Pela dimensão social e política das tensões sociais em torno da disputa pela terra;

– Pela forma com a qual os detentores dos capitais, madeireiros e fazendeiros, se apropriam dos recursos naturais e;

– Pelas formas de expropriação de trabalhadores rurais.

(*) Trabalho apresentado durante a 2a. Conferência Internacional da LBA, Manaus-AM, 2002.