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23 outubro 2006

A TRAGÉDIA DO MOGNO NO PARÁ

Reproduzimoas abaixo artigo que Lúcio Flávio Pinto (*) escreveu para um especial do ISA (Instituto Sócioambiental) sobre a terra do meio no Pará

A marca vegetal de Deus na ameaçada Terra do Meio
Por Lúcio Flávio Pinto, 16/10/2006, Especial para o ISA

Parte 1

A tragédia vivida pela árvore mais valiosa da Amazônia, o mogno, e a operação montada pela empresa CR Almeida para tentar apoderar-se de uma grande quantidade da madeira-de-lei apreendida pelo governo.

O engenheiro agrônomo Adalberto Veríssimo costuma dizer que Deus entregou diretamente ao homem as sementes de mogno. A hipótese procede. O mogno é uma árvore bonita de se ver na mata, destacando-se por seu porte esbelto, sua altura (de 30 a 40 metros) e sua cor. Impressiona tanto ou mais ainda quando se transforma num móvel ou num painel: é leve e ao mesmo tempo resistente, sólida e maleável, pode durar séculos, indiferentemente aos insetos e aos maus tratos do homem, e cativar por sua cor natural, melhor do que qualquer outra que o computador imaginar como sucedâneo ou alternativa.

Os presidentes dos Estados Unidos têm utilizado, há várias décadas, móveis de mogno na Casa Branca, em Washington. A marinha inglesa, uma das mais eficientes de todos os tempos, também se beneficiou das qualidades físicas e químicas da madeira. Qualquer autor de thriller sabe que, se descrever como sendo de mogno aquela escrivaninha sobre a qual o personagem se debruça, dar-lhe-á uma aparência de nobreza e solidez.

Em algumas décadas mais, entretanto, o mogno poderá se confinar ao terreno da ficção, aos museus e a poucos redutos de confinamento. É provável que Beto Veríssimo, um jovem agrônomo nordestino que se apaixonou pela floresta amazônica e não saiu mais de Belém, antes mesmo de se aposentar já terá dificuldades para localizar árvores de mogno nas suas constantes excursões pela mata nativa do Pará, o segundo Estado brasileiro em área desmatada e em índice de derrubadas da Amazônia, mesmo sendo o segundo mais extenso (perde apenas para o Amazonas), do tamanho da Colômbia, com seus 1,2 milhão de quilômetros quadrados.

Ouro verde

O mogno, a mais bela e mais valiosa madeira da Amazônia, região que concentra 56% das florestas tropicais do planeta, está acabando. Já acabou no sul do Pará, onde sua presença era de 5 a 10 vezes maior do que nas áreas onde a madeira está sendo agora caçada, cortada e vendida como se fosse ouro (na verdade, o ouro verde vale atualmente mais do que o ouro amarelo).

Beto fica feliz quando, nas suas excursões ao Acre, encontra uma árvore de mogno por hectare. Na área de influência de Rio Maria, no sul do Pará, a densidade podia chegar a 11 árvores por hectare. Hoje, mogno é conversa para boi pastar ou para choro nessa região. No princípio da sua ocupação, muito mogno deve ter sido destruído nas queimadas. O que os pioneiros queriam mesmo era formar pastagens para seu gado, incumbido de, ao menor custo (monetariamente falando), “amansar a terra”, na tal filosofia ditada pela pata bovina (em sentido literal e figurado).

Depois, quando a madeira foi usada como reforço de capital para a execução do empreendimento ainda prioritário, o “projeto agropecuário” subsidiado pelo governo federal, muito mogno foi extraído, mas à custa da destruição de muitas outras árvores de menor valor. Por um ou outro caminho, dos anos 60 aos 80, o vale do Araguaia-Tocantins, na busca de um “modelo de ocupação” da nova fronteira do país, destruiu uma fabulosa mina de madeira. Ainda há alguma iniciativa de plantio da árvore, mas quem a conhece intimamente descrê dos resultados. Como na longa farra da Sudam, extinta em 2002 sob um mar lodoso de corrupção, é mais uma placa para agradar inglês.

Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ao qual Veríssimo pertence, entre 1971 e 2001 o Brasil produziu aproximadamente 5,7 milhões de metros cúbicos serrados de mogno. Pelo menos quatro milhões foram exportados, uns 75% do total para os Estados Unidos e a Inglaterra. Essa exploração representou algo bem perto de 4 bilhões de dólares em faturamento, considerando-se o preço médio histórico, de US$ 700 o metro cúbico. Atualmente, os valores variam entre US$ 1,6 mil o m3, no mercado interno, e US$ 2,5 mil, no exterior, segundo a tabela do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Beneficiado, porém, cada m3 pode ir parar em US$ 8 mil. Ouro passa a ser produto de segunda grandeza nessa pauta de valores.

Caso de polícia

A febre do mogno é uma variedade vegetal da obsessão que provocou as incríveis ondas de garimpagem. Por serem mais convencionais, epopéias como a de Serra Pelada atraíram mais atenção – e espanto – da opinião pública. O que está acontecendo em tão pouco tempo com o mogno, uma das mais valiosas madeiras da história da humanidade, tem significado ainda mais profundo do que a maioria dos booms auríferos. Só não tem o mesmo impacto.

Só não tinha, aliás. Quatro anos atrás, a TV Globo exibiu para todo País as imagens e as informações sobre o que foi classificado como “a maior apreensão de madeira da história do Brasil”. Provavelmente por ser neófita no assunto, a Globo não sustentou a reportagem com informações checadas ou corretas, mas as imagens – falando por mil palavras – supriram essa deficiência.

Ao seu modo, a televisão desempenhou mais satisfatoriamente uma função que milhares de artigos escritos até então não conseguiram: provocar o interesse da opinião pública para um drama muito grave, que começou e poderá se consumar antes que a geração de Beto Veríssimo encerre seu período de vida ativa. Seremos contemporâneos da extinção do mogno, impotentes para reverter o mal que temos causado, a partir de uma presumível dádiva divina, na forma das sementes dessa árvore excepcional?

Em escala menor de utilização, os parentes do mesmo gênero da árvore brasileira na América Central e Caribe já não existem mais. A pressão sobre as últimas concentrações, na Amazônia latino-americana, mas, sobretudo, na área predominante do Brasil, se tornou um autêntico caso de polícia. Os extratores de mogno se multiplicaram e sua audácia resultou em imagens patéticas, como as enormes jangadas, formadas por milhares de toras de madeira, que a TV Globo captou e que já se tornaram rotineiras na área mais rica depois (e já bem abaixo) do Araguaia, a da Terra do Meio, entre os rios Xingu e Iriri, no Pará. Rotineiras porque não provocaram o choque de, três décadas antes, em plena ditadura, com as cenas de caminhões saindo da mata com meia dúzia de toras, autêntica sangria vegetal. Agora, a sensibilidade parece embotada, apesar da democracia vigente.

O Ibama diz ter apreendido na espetaculosa operação madeira no valor de R$ 300 milhões. Não disse o número de toras ou a quantidade de metros cúbicos. Em qualquer hipótese, o valor era tratado aos milhares. A esmagadora maioria dessas árvores foi extraída dentro de reservas indígenas, principalmente na dos famosos Kayapós. Não mais por meio de invasão das reservas: agora, com a ajuda dos próprios índios. O que eles provavelmente ganharam com sua colaboração representa 150 vezes menos do que faturou o agente comercial, na ponta da linha de intermediações que vai da jungle à metrópole.

Os índios alegam, em sua defesa, que não têm outra fonte de renda com a ruína da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a evaporação da política indigenista pública, que se desmancha no ar como restos de uma categoria primitiva a ser colocada sob a lápide da história, no entendimento de um sociólogo da modernização (e com poder de transformar em fatos suas idéias, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em cujo mandato ocorreram os maiores abates de mogno). E que precisam se vestir, comer e beber – em amplo sentido neste último item.

Com muitas boas razões pode-se construir uma tragédia, como a do mogno. Ninguém vai para o inferno, mas nem assim o mal deixa de se consumar. Gênio, Dante colocou mais gente no purgatório do que no inferno e no paraíso da sua Divina Comédia. A ocupação da Amazônia se ajusta muito bem nesse enredo.

Controle internacional

Contra a posição do Brasil, o mogno foi incluído no anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna (Cites). Isto significa que a exploração e a comercialização da espécie estão sujeitas ao controle não apenas do governo nacional, mas também dos outros países que integram o colegiado, de exportadores e importadores, com a aplicação das normas existentes a respeito.

O governo brasileiro, o mais interessado no assunto, por ser o Brasil o maior produtor e vendedor de mogno no mundo, considerou dispensável apertar o controle sobre a espécie, que, na próxima abordagem, pode passar para o Anexo I, das espécies em extinção. Garante que tem feito tudo que é possível para acabar com a exploração ilegal e predatória da madeira, o que não é verdade, ainda que mereça ser reconhecido o decidido esforço oficial a respeito. Ou a intenção, dantescamente falando.

Enquanto o Ibama e a Polícia Federal aprendem milhares de toras de mogno transportadas em jangadas pelo rio Xingu (a grande avenida aquática para a qual essas lúgubres embarcações convergem de todos os pontos de drenagem da bacia que possuem a espécie às suas margens), acredita-se que no sul do país, com destaque para São Paulo, haja outros milhares de metros cúbicos estocados e em beneficiamento. É madeira em ponto de bala para seguir para o exterior, se possível (com ganhos melhores), ou ter comercialização interna, se os mecanismos de controle de embarque internacional estiverem realmente azeitados e o contrabando for inviável.

O esforço interno, portanto, já não é mais suficiente. Ou não é o bastante a tempo de poder dar conta da selvageria da predação da espécie, em função do preço e da exaustão de outras fontes de abastecimento do ouro verde. Um controle internacional efetivo seria a última chance de sobrevivência para o mogno?

Muitos nem querem fazer essa pergunta, mas ela precisa ser formulada e, acima de tudo, necessita de uma resposta eficaz e urgente. O debate se intensificou depois que a senadora acreana Marina Silva assumiu o Ministério do Meio Ambiente. Sua indicação foi saudada ao mesmo tempo com entusiasmo e preocupação, como uma enorme vitória e uma inquietante dúvida.

Marina tentou transformar em política federal a experiência que se tornou a razão da sua vida e a explicação para o seu sucesso, tanto no seu Acre natal quanto nas praças mundiais que a tomaram como aliada e parceira. Não foi exatamente por acaso que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deixou para confirmar em Washington uma indicação que já se tinha como certa no Brasil, quando assumiu o governo, há quatro anos.

O governador do Acre, Jorge Viana, conterrâneo e correligionário da futura ministra, observou que a decisão de Lula de confirmar Marina como ministra nos Estados Unidos tinha um simbolismo muito grande: foi justamente nos EUA que o sindicalista Chico Mendes se fortaleceu politicamente para lutar em favor do desenvolvimento sustentável do Acre e da Amazônia.

Essa aliança teve um resultado inegavelmente positivo: projetou mundialmente o antigo seringalista, criando eco para sua pregação em defesa do uso preferencial da floresta na Amazônia, e de um uso múltiplo, não apenas pelas formas convencionais, como a produção de madeira sólida. É esse entendimento que está por trás da “Florestania”, uma concepção de desenvolvimento distinta da que se encontra em vigor ou predomina, embora então – como ainda – difusa e vaporosa.

Essa aliança superestimou o significado de experiências localizadas e de difícil disseminação, ignorando as especificidades do Acre. No Estado da ministra o uso dos recursos naturais é mais “sustentável” do que nas demais unidades federativas da região, mas o Acre continua a ser também o mais pobre da Amazônia, mesmo partindo para o terceiro governo seguido do PT.

Brava mulher do mais recôndito sertão amazônico, a ministra tentou cumprir seu papel de abrir todas as portas ao debate e arejar todos os ambientes com perguntas que buscam resposta e um autor atrás do seu grande enredo: a salvação da madeira que Deus legou aos homens e os homens, demasiadamente humanos, estão destruindo numa velocidade digna de inferno.

(artigo continua...)

*Editor do Jornal Pessoal

2 Comments:

Blogger Unknown said...

Alguém pode me dizer o email do James Crogan e do Aldalberto Veríssimo, por favor? É importante. Obrigado, Manu.

24/01/2009, 14:38  
Blogger Unknown said...

Meu email é manugeraes@gmail.com

24/01/2009, 14:38  

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