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15 novembro 2006

PESQUISADOR DA FIOCRUZ É UM DOS MAIS CITADOS NO MUNDO

Ailson Santos, Agência Fiocruz de Notícias

O site Isiknowledge.com mantém uma lista dos cientistas mais citados mundialmente em artigos científicos e na qual consta o nome de quatro brasileiros, sendo dois da área de farmacologia, um de ciência da computação e um de imunologia. Este último é o pesquisador Ricardo Tostes Gazzinelli, chefe do Laboratório de Imunopatologia e Pesquisador titular do CPqRR, unidade da Fiocruz em Minas Gerais, e professor-titular da UFMG. A Agência Fiocruz de Notícias (AFN) conversou com ele sobre o fato de estar na lista.

O senhor ocupa na atualidade a posição privilegiada de estar entre os quatro pesquisadores brasileiros mais citados em publicações científicas no mundo. Como vê este resultado?

Em primeiro lugar, devo dizer que me sinto honrado com esta classificação. Obviamente, vejo que esta classificação reflete os avanços de nossa comunidade científíca em vários aspectos. Estes aspectos incluem estabelecimento de massa crítica e infra-estrutura de pesquisa em várias universidades e centros de pesquisas no Brasil. Melhoria nos financiamentos de pesquisa por agências estaduais e federais de fomento à pesquisa. Não podemos esquecer a importância dos programas de cooperação internacional, que têm ajudado a fortalecer muitas áreas de pesquisa no Brasil.

Fiz graduação e pós-graduação no Brasil, o pós-doutorado fora e me tornei pesquisador independente no Brasil. Considero que todas as etapas foram importantes. Gostaria, porém, de enfatizar a importância do meu pós-doutorado, que permitiu entender alguns problemas de fronteira na área de imunologia, associados a uma área já bem estabelecida no Brasil, que é a parasitologia, que me permitiram estabelecer alguns conceitos novos na imunoparasitologia e acabaram tendo aplicação ampla no entendimento da imunologia básica, assim como na imunologia de doenças infecciosas em geral.

A meu ver, um trabalho para ser muito citado pela comunidade científica internacional deve ter vários ingredientes, que incluem os sempre mencionados qualidade e originalidade. Mas talvez tão ou mais importante é que o artigo seja atual e convergente com os assuntos de fronteira que estejam sendo abordados pela comunidade científica internacional de uma determinada área. Além disto, acho que é relevante a abrangência dos achados, ou seja, alguns achados fundamentais que têm implicações em várias áreas, obviamente serão mais citados por uma grande área do conhecimento. Como exemplo, os estudos realizados durante o meu pós-doutorado são muito citados, pois abordamos várias questões básicas sobre o papel de citocinas e diferenciação de linfócitos Th1 e Th2, uma área que estava explodindo na época. É importante mencionar aqui que os modelos experimentais que utilizamos para abordar estas questões foram as infecções com parasitas onde se observa uma polarização das respostas Th1 (protozoários) e Th2 (helmintos). Portanto, a infecção com parasitas serviu como modelo para nortear estudos sobre uma pergunta bem abrangente em imunologia, que era o papel fisiológico dos linfócitos Th1 e Th2 em doenças infecciosas, alergia e doenças auto-imune, por exemplo.

Além destes trabalhos, o pós-doutorado me preparou para a próxima etapa e pesquisa a ser realizada no Brasil. Voltei interessado em estudar o papel da imunidade inata em infecções com protozoários. Este assunto foi abordado por vários alunos de pós-graduação, como Catherine Ropert e Marco Antônio S. Campos, pesquisadores do Laboratório de Imunopatologia do Centro de Pesquisas René Rachou. Estes trabalhos eram atuais no contexto internacional e ocorreram paralelamente à descoberta dos receptores do tipo toll, que esclareceu e mudou a nossa visão sobre como a imunidade inata funciona. Este paper, do qual Marco Antônio é o primeiro autor, é um dos trabalhos mais citados da imunologia brasileira e está listado no ISI como altamente citado (highly cited).

Em resumo, não basta ter alta qualidade e originalidade, acho que um artigo para ser muito citado pelos pares internacionais, precisa ter achados mais abrangentes e estar bem inserido nas questões acadêmicas "do momento" eleitas pela comunidade internacional de uma determinada área do conhecimento.

Apesar de todos os esforços, cerca de apenas 20% das equipes de pesquisa no Brasil apresentam padrões internacionais de qualidade. O que o senhor sugere para aumentar estes índices?

Novamente, vários aspectos têm que ser levados em consideração. O primeiro deles é o investimento financeiro na área. Mencionei o avanço da ciência brasileira em vários aspectos, inclusive financiamento. As condições hoje são muito melhores do que há 20 anos. Entretanto, se compararmos as nossas instituições e universidades com aquelas de países desenvolvidos, temos muito a evoluir. O programa de formação de pessoal no Brasil é considerado bem sucedido. Porém, quantos (ou que porcentagem) dos pós-graduandos formados vão de fato ter oportunidade de desenvolver projetos de pesquisa em condições razoáveis? Se você andar por nossas universidades, encontrará alguns laboratórios ou departamentos bem equipados. Porém a infra-estrutura de prédios e a maior parte dos laboratórios está em condições deploráveis, muito aquém do nosso corpo docente capacitado para fazer ciência. Os nossos salários também estão bem defasados. O que isto tem a ver com padrão internacional? Acho que para atrair pessoas altamente capacitadas, precisamos ser competitivos no que oferecemos, e o que os pesquisadores querem são oportunidade de financiamento e boas condições de trabalho. Isto evitaria que pesquisadores brasileiros, hoje competitivos no mercado internacional, sejam continuamente absorvidos por instituições estrangeiras.

Em um plano mais imediato, a comunidade cientifíca brasileira tem que participar mais ativamente do debate da comunidade cientifíca internacional. Por exemplo, a participação de pesquisadores brasileiros em eventos internacionais ainda é muito pequena. Hoje, costuma-se dizer, que quando um artigo cientifíco sai publicado, a história já é antiga. Ou seja, todo mundo já sabia, pois a informação de fronteira é obtida na conversa com colegas e nos congressos científicos. Considero que a participação de pesquisadores (principalmente os jovens pesquisadores e alunos de pós-graduação) em congressos internacionais ainda é muito pequena. São nestes congressos que se estabelecem as colaborações e cooperação entre grupos científicos, surgem novas ideais para os trabalhos científicos futuros, que serão eventualmente citados pela comunidade internacional. Alem de ter uma participação pequena, na grande maioria das áreas do conhecimento, o Brasil participa do debate acadêmico, como um aluno ouvinte em uma sala de aula, e não como parte que influencia o desenvolvimento da área.

Em suma, a comunidade cientifica brasileira já mostrou por várias vezes que, quando apoiada financeiramente, responde rapidamente na aquisição de novas tecnologias e estabelecendo programas tecnológicos de grande envergadura. Como exemplo podemos citar o desenvolvimento dos projetos genomas, Embraer, do Laboratório Nacional de Luz Sincontron, a manipulação genética de plantas e animais pela Embrapa, a produção de insumos de saúde pela Fiocruz.

Assim, aquisição de tecnologia avançada, quando apoiada financeiramente, parece não ser um problema. Por outro lado a historia da ciência nos mostra que o estabelecimento e manutenção de área acadêmica requer investimento continuo e duradouro. A interrupção do financiamento por poucos anos pode levar a danos irreversíveis. Assim, temos fortalecer as cadeiras básicas, de onde muitas vezes saem descobertas que são ao mesmo tempo abrangentes e levam ao desenvolvimento das tão desejadas inovações tecnológicas.

Na avaliação do senhor quais são os caminhos para transformar dissertações e teses em políticas públicas para o desenvolvimento do país?

A pergunta é um pouco ampla e talvez um pouco fora da minha área. Vou tentar reformulá-la em “quais são os caminhos para transformar dissertações e teses em políticas públicas para o desenvolvimento da ciência no país?"

Existem aqueles que estudam a ciência e aqueles que fazem ciência. Me incluo no segundo grupo, ou seja, aqueles que fazem ciência, e talvez esta pergunta seja respondida mais apropriadamente por alguém que se inclua no primeiro grupo. De qualquer forma, tentarei relatar uma questão que considero polêmica e vivida no momento pela comunidade cientifica brasileira. Hoje, o Brasil é responsável por aproximadamente 1-2% da produção científica mundial (em várias áreas do conhecimento) em revistas indexadas. Esta nos parece uma colocação honrosa, considerando o crescimento da nossa produção cientifica nas ultimas décadas, e por sermos um país em desenvolvimento, que ainda tem um potencial enorme de crescimento até atingirmos as condições ideais de desenvolvimento. Entretanto, este crescimento da produção científica não foi acompanhado pelo crescimento na geração de patentes e inovações tecnológicas. Isto leva a uma percepção de "fracasso da ciência brasileira" pelos atuais dirigentes de nossa política científica. A solução dada para este problema, talvez um pouco simplista, foi o de redirecionar grande parte dos recursos financeiros de fomento a pesquisa para projetos imediadistas que almejam a geração de produtos. Hoje se você for aos portais de nossas principais agencias de fomento, verá que a grande maioria dos editais tem cunho aplicado. Será que esta é a melhor solução?

Muitos grupos de pesquisas, que foram criados e estruturados a duras penas, se sentem agora ameaçados, pois a disponibilidade de recursos para pesquisa básica é cada vez menor, a despeito do crescente volume de financiamento da pesquisa no país. Desta forma alguns colegas sentem que a pesquisa básica no Brasil esta sendo desmantelada, com intuito de transformar nossos laboratórios de pesquisa, em laboratórios de desenvolvimento. Será esta a melhor a solução?

Sabe-se que o custo da estrutura de um laboratório de desenvolvimento é muito mais caro que um laboratório de ciência básica. Diz-se que daqui a alguns anos não estaremos fazendo desenvolvimento e nossa nascente ciência básica estará estagnada. Deveríamos ser mais cautelosos, valorizar e fortalecer o que se construiu nestas ultimas décadas em pesquisa básica, e a partir daí ter uma política elaborada mais cautelosamente, que almeje a inovação tecnológica.

Na minha opinião, o desenvolvimento deveria ser em grande parte financiado pela indústria.
Temos vários exemplos, inclusive alguns próximos, de que grandes mudanças na política de financiamento da pesquisa básica destruíram de forma irreversível o trabalho de várias gerações. Assim todo o cuidado é pouco, quando se pretende reestruturar o programa de financiamento de pesquisa de um país. É claro que precisamos achar soluções para esse problema, entretanto, desviar recursos de áreas que estão indo bem, para áreas muito incipientes, não me parece a solução mais inteligente.

Não faltam exemplos, na historia da ciência, de que a pesquisa básica é a "galinha dos ovos de ouros" para a inovação tecnológica, não só por gerar as mais novas e revolucionarias idéias, mas também por ter um papel fundamental na formação das novas gerações de cientistas de um país. Valorizar e fortalecer o que já foi construído, e ao mesmo tempo capacitar o parque tecnológico para a geração de inovação tecnológica, é fundamental. Assim, espero que os responsáveis por traçar as nossas políticas de desenvolvimento científico e tecnológico acertem em suas ações, pois elas terão grande impacto na ciência e tecnologia brasileiras nas próximas décadas.