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23 fevereiro 2007

BOLSA CONTRA A CRIMINALIDAE (2)

Programas sociais contra a criminalidade

Naércio Menezes Filho, Valor Econômico, 24/2/2007

A sociedade brasileira tem ficado chocada com os episódios cada vez mais violentos de criminalidade, como o ocorrido há duas semanas com o garoto João Hélio. A ansiedade é grande para tentar entender porque a criminalidade é tão mais alta no Brasil do que em outros países com mesmo nível de desenvolvimento, e que medidas poderiam ser tomadas para reduzi-la a níveis toleráveis.

Quanto aos determinantes da criminalidade, as evidências empíricas disponíveis na literatura econômica são bastantes claras. Os países com maiores índices de criminalidade são aqueles com maior desigualdade de renda, com menor nível educacional de sua população e com menores taxas de crescimento econômico recente. Além disto, quanto maior for a probabilidade de captura e mais rigorosa for a punição que o criminoso capturado sofrer, menores tenderão a ser as taxas de criminalidade.

O que fazer então para reduzir a criminalidade? A longo prazo, teremos que diminuir a desigualdade de renda e aumentar o nível educacional da nossa população. No curto prazo, é obvio que aumentar o policiamento para aumentar a probabilidade de captura e ampliar as penas para crimes mais graves tenderão a reduzir a criminalidade. Mas quantos policiais teremos que ter nas ruas e quantas prisões terão que ser construídas até que todos os potenciais criminosos sejam dissuadidos de cometer crimes?

Já sabemos que as taxas de reincidência são muito elevadas para os jovens que passam pelas nossas cadeias e pelos sistemas de assistência e reintegração de menores infratores. Não seria mais efetivo agir antes do jovem cometer o primeiro crime, ou seja, evitar que o jovem que está na iminência de entrar na vida criminal efetivamente o faça? Se sim, como fazê-lo?

Se acreditarmos na racionalidade individual, o jovem que está na iminência de se engajar na carreira criminosa pesa os custos e benefícios desta alternativa com relação a continuar na situação legal. Vários estudos empíricos mostram que os jovens realmente comportam-se dessa forma. Assim, para impedir que esses jovens ingressem na criminalidade, o Estado teria que não somente aumentar os custos associados à carreira criminal, como também aumentar a atratividade da "carreira legal".

Uma das alternativas para aumentar a atratividade da carreira legal é oferecer uma bolsa para o jovem que permanecer na escola até o final do ensino médio e que não se envolva em atividades ilegais. Atualmente, o programa Bolsa Família só concede recursos para as famílias com crianças até 14 anos. Depois desta idade, não há nenhum incentivo para que os jovens permaneçam na escola. Mas é justamente a partir dessa idade que a evasão escolar começa a aumentar, assim como as tentações de ingresso na carreira criminal.

O Estado de São Paulo tem um programa social, batizado de Ação Jovem, que recentemente foi objeto de uma avaliação econômica quantitativa. Esse programa consiste na transferência de uma bolsa-auxílio, no valor de sessenta reais mensais, para jovens entre 15 a 24 anos de idade, provenientes de famílias de baixa renda (renda familiar até dois salários-mínimos) e que possuam o ensino fundamental e/ou médio incompletos. O objetivo do programa é promover o retorno destes jovens à escola ou a cursos profissionalizantes.

O jovem pobre tem que sentir que, ao continuar freqüentando a escola para depois ingressar no mercado de trabalho, o seu padrão de vida irá melhorar

O programa dá prioridade ao atendimento de jovens que moram em bairros de alta vulnerabilidade e concentração de pobreza. Esses jovens têm suas famílias cadastradas e recebem o subsídio mensal durante o prazo de um ano, podendo ser prorrogado por mais um ano. Os resultados da avaliação deste programa, conduzida pela Fundação Itaú Social, são bastante animadores.

Entre os jovens que receberam a bolsa e que não estavam freqüentando a escola antes do programa (possivelmente na iminência de ingressar na carreira criminal), a probabilidade de estar estudando um ano depois era 30,7% maior do que entre os jovens do grupo de controle que não participaram do programa. Além disto, a taxa de aprovação escolar entre os jovens que recebiam a bolsa era 27% maior para os que já freqüentavam a escola no período inicial e 14,5% maior entre os que não freqüentavam do que entre os jovens do grupo de controle. Isto significa que os recipientes da bolsa estavam efetivamente aumentando seu aprendizado.

Com base nessas estimativas de impacto, é possível calcular o retorno econômico desse programa, pois sabemos que no Brasil um ano a mais de escolaridade aumenta o salário de mercado, em média, em 12%. A taxa interna de retorno para a sociedade desse programa, comparando seus custos e benefícios, é de aproximadamente 15% ao ano.

É importante notar que essa taxa de retorno foi computada sem levar em conta os benefícios do programa em termos de redução da criminalidade. Apesar de não dispormos de dados sobre o envolvimento dos beneficiários em atividades criminosas, parece óbvio que a maioria desses jovens, ao voltarem para a escola, tenha abandonado, ao menos temporariamente, a idéia de se engajar em atividades ilícitas.

O mais impressionante é que esses resultados foram atingidos com uma bolsa de apenas sessenta reais por mês. Para efeito de comparação, de acordo com estimativas do Departamento Penitenciário Nacional, cada presidiário custa em média de mil a dois mil reais por mês.

Este exemplo deixa bastante claro que é muito mais eficiente investir na prevenção do crime do que na sua reparação. Assim, os governos estaduais deveriam investir em programas de transferência de renda para os jovens em idade escolar e cobrar a freqüência escolar destes jovens. Além disto, o envolvimento em atividades ilícitas deveria obviamente resultar em imediato cancelamento da bolsa.

Claro que, além de incentivos monetários diretos, existem outras formas de aumentar a atratividade da carreira legal. O jovem pobre tem que sentir que, ao continuar freqüentando a escola para depois ingressar no mercado de trabalho, ele terá perspectivas de melhora efetiva no seu padrão de vida. Para isto, os Estados deveriam também cuidar de melhorar a qualidade do ensino nas escolas públicas, pois isto aumentaria significativamente a atratividade da escola e a probabilidade de inserção do jovem pobre em uma profissão melhor remunerada.

Naércio Menezes Filho é professor de economia do IBMEC-SP e da FEA-USP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil, escreve mensalmente às sextas-feiras.

Imagem: Ana Carolina/Folha Imagem


(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Valor Econômico - 23/02/2007