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12 maio 2007

ESTUDO REVELA DEFICIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE ENFERMEIRAS QUE ATUAM NA ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL NO ACRE

Artigo das pesquisadoras Leila Maria Geromel Dotto (UFAC), Nelly de Mendonça Moulin (Universidade Salgado de Oliveira) e Marli Villela Mamede (USP) indica que as enfermeiras que acompanhavam o pré-natal, na rede básica de saúde do município de Rio Branco-AC, revelaram dificuldades em atividades que exigem conhecimentos (saber) e habilidades (saber-fazer). O estudo apontou ainda falhas na graduação, com relação à atenção ao pré-natal, tanto para aspectos teóricos como para atividades exclusivamente práticas.

Leia abaixo um resumo expandido do trabalho, ou clique aqui para ler o artigo na íntegra.

Assistência pré-natal: dificuldades vivenciadas pelas enfermeiras

Rev. Latino-Am. Enfermagem vol.14 no.5 Ribeirão Preto Sept./Oct. 2006

Introdução

A atenção pré-natal eficiente exerce um papel fundamental no desfecho do processo do parto e nascimento e nos índices de morbimortalidade materna e perinatal. Uma assistência pré-natal de qualidade envolve a capacitação técnica continuada das equipes de saúde na resolução de problemas mais prevalentes, além do seu comprometimento com as necessidades das parcelas mais vulneráveis da população. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o risco de uma mulher morrer, na América Latina, de causas ligadas à gravidez ou nascimento durante o seu ciclo de vida é de 1/160 gestações. Na Europa, esse risco é de 1/2.400, e, na América do Norte, o risco é de 1/5.600 gestações.

Na busca pela maternidade segura, uma das estratégias adotadas tem sido a presença de profissional qualificado no atendimento a todas as mulheres durante a gravidez e o pós-parto. O profissional em questão geralmente recebeu uma formação, treinou e atingiu proficiência nas habilidades necessárias para manejar a gestação normal, e na identificação e referência de complicações, devendo exercê-las de forma competente. Entretanto, ser competente em uma determinada profissão não implica apenas possuir um vasto e numeroso conhecimento. É preciso saber utilizar, integrar ou mobilizar esses conhecimentos diante de uma situação real de ação.

A Lei do Exercício Profissional da Enfermagem no Brasil permite que uma enfermeira possa acompanhar integralmente o pré-natal de uma gestante de baixo risco. Para tanto, o enfermeiro, no seu processo de formação, deve receber treinamento das habilidades necessárias para atingir a proficiência e competência no atendimento à gestante durante o pré-natal. Para isso, o profissional tem que ser qualificado para desempenhar suas atividades, tendo por base não somente o desenvolvimento de habilidades, mas também na aquisição de competências para o desempenho de padrões prescritos para a prática profissional.

Nesse contexto, as pesquisadoras questionam se enfermeiros recém-graduados estão aptos a realizar integralmente a assistência ao pré-natal de baixo risco. Objetivamente, elas querem saber se a formação que vem sendo oferecida nos programas de graduação possibilita o treinamento de habilidades para que a proficiência no atendimento ao pré-natal seja atingida?

Responder esta pergunta foi o objetivo principal do estudo. Ao mesmo tempo, se tentou identificar o tipo de dificuldades que as enfermeiras que prestam assistência pré-natal vivenciam quando iniciaram o exercício profissional nessa área e os motivos alegados pelas enfermeiras sobre as dificuldades vivenciadas.

Metodologia
O estudo foi realizado na cidade de Rio Branco (Acre), cuja rede básica de saúde, em 2002, era composta por 13 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e 23 Módulos de Saúde da Família, distribuídas nos diversos bairros do município. Nestas unidades existem enfermeiras que acompanham integralmente, da primeira à última consulta, o pré-natal das gestantes. Quando é detectada alguma anormalidade, a grávida é encaminhada para o médico. Após a avaliação médica e estabelecimento do diagnóstico e tratamento adequados, na grande maioria das vezes as grávidas são reencaminhadas para a continuidade do acompanhamento pré-natal com a enfermeira.

Em 2002, a rede básica do município contava com 49 enfermeiras que realizavam pré-natal. Fizeram parte deste estudo 25 enfermeiras que realizavam assistência pré-natal, sendo que 12 trabalhavam nos Módulos de Saúde da Família, e 13 nas Unidades Básicas de Saúde, de forma a contemplar pelo menos 50% da população do estudo.

A coleta de dados foi realizada utilizando-se um roteiro de entrevista, com perguntas abertas e fechadas. Os dados coletados foram analisados por meio de freqüências e percentuais. Os dados referentes aos motivos das dificuldades foram codificados, para facilitar o processo de análise. O estudo foi orientado pelos preceitos éticos da pesquisa, garantindo a autonomia, beneficência, a não-maleficência e a justiça social. Foram garantidos aos sujeitos da pesquisa, de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a garantia de seu anonimato, o sigilo das informações prestadas e a segurança de que essas informações somente serão utilizadas para fins de pesquisa.

Resultados

Caracterização das Enfermeiras

As enfermeiras entrevistadas possuíam de um a 19 anos de experiência em pré-natal, apresentando em média 6,4 anos de experiência, sendo que 17 (68%) delas possuíam até seis anos de serviço na área (Tabela 1).

Quanto ao número de consultas de pré-natal realizadas por mês, as enfermeiras que trabalhavam nos Módulos de Saúde da Família desenvolviam uma média de 10 a 80 consultas/mês. Essas enfermeiras eram responsáveis por outras atividades além do pré-natal. Seis enfermeiras relataram que realizavam de 10 a 20 consultas de pré-natal, quatro disseram que realizavam de 30 a 40, e duas realizavam, em média, 80 por mês.

As enfermeiras das Unidades Básicas de Saúde trabalhavam quase que exclusivamente no atendimento pré-natal. O número de consultas realizadas era variável, de 50 a 250 consultas por mês, de acordo com a área de abrangência da unidade, sendo que duas informaram realizar 50, três, entre 60 e 80, duas, 100 consultas, quatro disseram realizar 160, e duas enfermeiras relataram que realizaram 250 consultas de pré-natal por mês.

Dificuldades encontradas na assistência pré-natal

O conjunto de atividades a serem desenvolvidas durante o acompanhamento pré-natal varia em complexidade. Dentre as atividades e procedimentos enumerados, observa-se que a grande maioria das enfermeiras afirmou não ter tido dificuldades em "auscultar batimentos cardiofetais com Sonar Doppler (92%), realizar visita domiciliar (92%), mensurar a altura uterina (84%) e calcular a data provável do parto (84%)". A Tabela 2 mostra a distribuição das atividades relatadas por, pelo menos, 50% das enfermeiras, como de nenhuma dificuldade para a sua realização, no início do exercício profissional.

As atividades identificadas como aquelas que foram de moderada dificuldade por, pelo menos, 50% das enfermeiras estão relacionadas na Tabela 3. Observa-se que a "identificação de fatores de risco" foi relatada como dificuldade moderada, no início de sua prática profissional, por 72% das entrevistadas.

A Tabela 4 traz todas as atividades, referidas pelas enfermeiras, que foram classificadas como tendo muita dificuldade na sua realização, durante o início de seu exercício profissional. Dentre elas, destacam-se aquelas relacionadas à "solicitação e avaliação de exames laboratoriais - 7 (28%), realização de colpocitologia oncótica - 6 (24%), exame físico específico gineco-obstétrico - 5 (20%) e as medicações que a enfermeira pode prescrever - 5 (20%)".

Motivos das dificuldades enfrentadas pelas enfermeiras

Após a codificação dos motivos das dificuldades iniciais vivenciadas pelas enfermeiras, foi possível verificar que eles referem-se a: falhas na graduação, ausência de protocolo no serviço, inexperiência do recém-graduado e falta de interesse do aluno durante a graduação (Tabela 5). As "falhas na graduação" foram o motivo mais relatado pelas enfermeiras (80%).

As enfermeiras entrevistadas informaram, ainda, algumas estratégias que utilizaram para superação das dificuldades. Voltar a estudar foi relatado por 68% delas, justificando que sentiram necessidade de estudar e buscar, nos livros e nos manuais técnicos da área, a solução para as dificuldades vivenciadas.

Outra estratégia relatada foi procurar por ajuda de outro profissional com mais experiência, sendo que 48% das enfermeiras entrevistadas procuraram a ajuda de outra enfermeira, e 20%, ajuda do médico.
Outras enfermeiras (32%) informaram que acabaram por superar as dificuldades vivenciadas, no exercício das atividades realizadas no dia-a-dia.

Discussão

Na rede básica de saúde, as enfermeiras são responsáveis pela assistência pré-natal de toda a clientela que utiliza aquele serviço, o que significa a necessidade de uma formação em atenção pré-natal de qualidade. A partir da implantação do Programa de Saúde da Família em Rio Branco, em 1995, ocorreu um aumento do número de enfermeiras responsáveis pela assistência pré-natal, esse fato pode explicar os 68% das enfermeiras com tempo de experiência na área em até seis anos. Nos Módulos de Saúde da Família, as enfermeiras realizavam um número menor de consultas, pois a área de abrangência é menor que a da Unidade Básica.

A grande maioria das enfermeiras indicou não ter dificuldades em "auscultar batimentos cardiofetais com Sonar Doppler, realizar visita domiciliar, mensurar a altura uterina e calcular data provável do parto", revelando que importantes atividades de acompanhamento pré-natal foram asseguradas no seu processo de formação. As atividades de ausculta e de mensuração são habilidades (saber-fazer) que exigem treinamento para atingir a proficiência.

Em relação à visita domiciliar, 92% das enfermeiras informaram que não sentiram dificuldades em realizar essa atividade, no início do exercício profissional. Esse fato pôde indicar que a formação está possibilitando esse aprendizado.

As atividades relacionadas às demandas de orientação e educação em saúde não se mostraram difíceis nos relatos das enfermeiras estudadas. Também relataram não foram observadas dificuldades em atividades de anotações, como "registrar as informações dadas pela gestante e anamnese, preencher a ficha perinatal e o cartão da gestante". Tais resultados mostram que o desenvolvimento das habilidades do profissional para levar a gestante/família a cuidar de sua própria saúde foi incorporado, durante a graduação das enfermeiras estudadas, revelando que o órgão formador vem atendendo a uma das finalidades do pré-natal.

Entre as atividades relatadas como de moderada dificuldade em executar no início da prática profissional, encontram-se a "identificação de fatores de risco e fazer referência, exame físico geral e específico gineco obstétrico". Dezoito (72%) das enfermeiras relataram que tiveram moderada dificuldade em identificar fatores de risco. Isso reforça aos órgãos formadores a necessidade de revisão de estratégias de ensino para o desenvolvimento de habilidades essenciais para o exercício em obstetrícia.

A maioria das enfermeiras também relatou dificuldade moderada com relação prescrição de medicamentos na assistência pré-natal. Os currículos dos Cursos de Graduação em Enfermagem devem preparar o acadêmico para essa realidade, já que essa ação é rotina na atualidade. Por outro lado, as instituições de saúde devem elaborar protocolos de assistência, em especial na prescrição de medicamentos relacionados a programas previamente definidos, para que os profissionais possam atuar com segurança.

Na atividade "orientar e preparar para o parto", 56% das enfermeiras disseram ter apresentado moderada dificuldade para realizar essa atividade.

Embora exista um grande número de atividades cuja realização as enfermeiras indicaram possuir muita dificuldade no início do exercício profissional, o percentual de enfermeiras para cada atividade identificada foi pequeno, sendo que o maior foi para "solicitar e avaliar exames laboratoriais, 28%". Essa dificuldade reflete a ausência de protocolos assistenciais nas instituições estudadas. Observando os dados da Tabela 4, verifica-se que várias atividades que exigem habilidades (saber-fazer) como "realizar colpocitologia oncótica, exame físico geral e específico, ausculta dos batimentos cardiofetais com Pinard, e manobras de palpação" foram indicadas pelas enfermeiras como tendo grande dificuldade.

A deficiência da graduação

Entre os motivos alegados pelas entrevistadas para as dificuldades enfrentadas no início do exercício profissional, as "falhas na graduação" foram indicadas por 80% delas. As enfermeiras informaram que existem alguns conhecimentos que não foram discutidos ou foram pouco discutidos, durante a graduação. Ressaltaram que a disciplina "enfermagem na atenção à saúde da mulher" possui muito conteúdo para ser discutido num período de tempo muito reduzido. Elas justificaram, ainda, que o grande número de alunos para um único supervisor na prática, a falta de estímulos para reflexão sobre o conhecimento fornecido em sala de aula e o tempo reduzido de prática, resultando em pouca ou nenhuma repetição de atividades que exigem habilidades, explicavam as dificuldades encontradas no início das suas práticas profissionais.

As justificativas das enfermeiras sobre as dificuldades enfrentadas no início do exercício profissional chamam a atenção para a necessidade de revisão do processo ensino/aprendizagem, nas disciplinas responsáveis pela formação em atenção pré-natal, em especial, no oferecimento de ferramentas que o graduado possa utilizar nas atividades profissionais, possibilitando-lhe construir a competência esperada.

Considerações finais

Os resultados do estudo reafirmam a convicção de que, embora a competência seja considerada um importante marco no desenvolvimento profissional, ela não é um ponto final. De acordo com estudiosos, ela vem com a proficiência, e o status de expert vem depois de muitos anos de experiência e crescimento profissional.

As enfermeiras entrevistadas revelaram que possuem uma grande experiência em pré-natal em razão do número de consultas que realizam, ressaltando, assim, a importância do desenvolvimento das habilidades por meio da repetição no exercício profissional. A esse respeito, chama-se a atenção de que, enquanto os conhecimentos sobre várias competências são adquiridos durante a formação educacional dos profissionais de saúde, as habilidades relacionadas às competências essenciais ou críticas para a qualidade do cuidado são aprimoradas e avançadas durante a prática profissional.

As enfermeiras apontaram dificuldades em atividades que exigem conhecimentos (saber), como também para atividades que necessitam de habilidades (saber-fazer), revelando falhas na graduação com relação ao pré-natal, tanto para aspectos teóricos como para atividades exclusivamente práticas.

As dificuldades identificadas possibilitam uma reflexão sobre o papel da instituição de ensino na formação dessas enfermeiras, de forma a contribuir para um melhor desempenho no início da vida profissional e para uma satisfação no saber e no fazer.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Enfim um blog interessante.Parabéns
Posso voltar?

13/05/2007, 20:09  
Blogger Evandro Ferreira said...

Prezado Geraldo, você será sempre bem vindo. Estamos abertos também a contribuições científicas ou texto inéditos de caráter técnico.

Evandro

14/05/2007, 11:03  

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