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04 abril 2007

BIODIVERSIDADE: BIOPIRATAS ATACAM NO PACÍFICO

Células T (responsáveis pela resposta imunológica do organismo) da tribo Hagahai, de Papua-Nova Guiné, podem ser comprados hoje via Internet por US$ 216

Por Stephen Leahy, da IPS

Toronto, 04/04/2007 – As ilhas do Pacífico são há muito tempo alvo favorito de “caçadores de genes”, pesquisadores inescrupulosos e biopiratas, que tiram proveito não só de suas ricas flora e fauna, mas também de seus moradores. Empresas de biotecnologia patentearam genes dos habitantes da região sem que estes dessem seu consentimento. Por exemplo, as células T (principais responsáveis pela resposta imunológica do organismo) da tribo Hagahai, de Papua-Nova Guiné, podem ser comprados hoje via Internet por US$ 216. Em 2002, os moradores das Ilhas Cook quase se converteram em cobaias de uma experiência para transplantar células de porcos em seres humanos.

Se essa experiência tivesse se concretizado, vírus que afetam os porcos teriam se espalhado às pessoas, segundo o livro “Pacific Genes and Life Patents” (Genes do Pacífico e patentes da vida), editado em conjunto pelo projeto indígena Chamado da Terra (Call of the Earth) e a Universidade das Nações Unidas. Chamado da Terra é uma iniciativa independente indígena em defesa dos direitos de propriedade intelectual e do conhecimento tradicional.

“O livro é um catálogo de atividades antiéticas na região do Pacífico”, disse Aroha Mead, professora da neozelandesa Universidade de Victoria e co-editora do trabalho, apresentado no mês passado. “Houve um mau comportamento. Muitos pesquisadores estrangeiros têm uma atitude colonialista”, disse Mead à IPS.

A falta de regulamentações e a ignorância sobre as últimas tecnologias em genética e leis de patentes converteram a região em um dos principais focos de interesse dos caçadores de genes que, como os barcos de pesca em grande escala, arrasam com tudo o que encontram, e depois reclamam direitos de propriedade intelectual sobre o que imaginam possa ter algum valor comercial, explicou Mead.

“Os genes são recursos-chave no novo mundo da bioeconomia, e o isolamento e a diversidade das nações do Pacífico as tornam particularmente atraentes”, escreveu no livro Te Tika Mataiap - Dorice Reid, chefe tradicional das Ilhas Cook. A moderna bioeconomia choca-se com os valores culturais, tradicionais e espirituais do Pacífico Sul, acrescentou.

Um dos primeiros destes enfrentamentos ocorreu em 1990. Sem informar as comunidades nem as autoridades locais, o governo dos Estados Unidos tentou patentear amostras de DNA (ácido desoxirribonucléico) retiradas de integrantes da tribo Hagahai em Papua-Nova Guiné e Ilhas Salomão. Embora no final não tenham sido patenteadas, as amostras continuam sendo usadas e vendidas.

“Nas culturas do Pacífico Sul, uma planta é um ancestral vivente, e até mesmo uma gota de sangue mantém o espírito de vida depois de ter sido extraída por um pesquisador ou sintetizada para isolar o DNA”, explicou A. H. Zakri, diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade das Nações Unidas, com sede na cidade japonesa de Yokohama. “Esperamos que este livro ajude a melhorar a compreensão internacional” sobre estes valores profundamente enraizados, acrescentou. Para Steven Ratuva, co-editor, da Universidade do Pacífico Sul, em Fiji, “as plantas e os animais não são vistos como meras entidades físicas e biológicas, mas como a encarnação de espíritos ancestrais”. Na cosmogonia dos povos originários de Fiji, os materiais genéticos que compõem a flora e a fauna são partes do círculo de vida e, portanto, sagrados. As plantas medicinais são consideradas propriedades comuns e disponíveis para todos.

Também foram patenteados extratos de muitas plantas que os ilhéus usam há milhares de anos, entre elas a malanga. “As patentes não são ferramentas para a pesquisa humanitária, sendo úteis para o comércio e os direitos de propriedade exclusiva, e servem para indicar aos demais que se afastem porque isto é meu, eu o adquiri”, escreveu Mead. “Estas ações violam valores tradicionais dos ilhéus, graças aos quais todos se beneficiam do uso de uma planta, tanto pessoas quanto famílias e comunidades”, acrescentou.

Os habitantes das ilhas do Pacífico sofrem taxas muito altas de diabetes tipo 2, e em 2002 alguns pesquisadores garantiram que transplantar células de pâncreas de porco para os doentes poderia curá-los. Sem possibilidades de avaliar apropriadamente a proposta dessa experiência, o governo aceitou. A comunidade médica internacional objetou a idéia e depois líderes indígenas nativos protestaram, escreve Reid. Os Estados insulares do Pacífico, em geral, não estão a par dos desenvolvimentos da biotecnologia e das regras internacionais para controlar o impacto social, legal e ético dessas novas tecnologias, acrescentou.

“É muito difícil para as comunidades pobres rejeitar as propostas de pesquisa que chegam acompanhadas de promessas de serviços de saúde gratuitos e outras coisas como contrapartida das amostras de sangue ou de DNA”, disse Mead. Uma solução seria criar um escritório de propriedade intelectual para o Pacífico que estude os pedidos de patentes e marcas comerciais, e que esteja bem informado, de maneira a poder avaliar as solicitações de forma mais crítica e respeitando os valores culturais tradicionais da região. As Ilhas Cook acabam de inaugurar um escritório que revisará as propostas de pesquisas, disse Mead. “Isto é um bom passo adiante. Espero que mais governos façam o mesmo”, acrescentou. (IPS/Envolverde)