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05 abril 2007

SIDERÚRGICAS FORA DA LEI NO PARÁ NÃO RECEBERÃO MAIS MINÉRIO DA VALE DO RIO DOCE

Observatório Social, 05/04/2007

A empresa não vai mais esperar que o governo casse as licenças das siderúrgicas e assume o risco do rompimento unilateral dos contratos. Decisão pode ter impacto sobre desmatamento e trabalho escravo.

Carvoeiro. Foto: Sérgio Vignes/IOSA Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) anunciou que vai suspender unilateralmente o fornecimento de minério de ferro às siderúrgicas de ferro gusa que descumprirem a legislação ambiental e trabalhista. Essa decisão deve representar um impacto significativo no combate ao desmatamento e ao trabalho escravo na Amazônia.

"Mesmo com o risco de penalidades que possamos sofrer pelo rompimento de contratos, tomamos a decisão de ser pró-ativos", disse o diretor executivo de ferrosos da Vale, José Carlos Martins, em entrevista à Agência de Notícias Bloomberg no dia 4.4. "Nossa visão é que não dá para ser ator passivo nesse processo. Esperamos que os órgãos do governo estadual e federal também atuem com as medidas necessárias".

O diretor explicou que o contrato com empresas guseiras estabelece a suspensão do fornecimento de minério de ferro em caso de descumprimento das leis trabalhistas e ambientais. Mas a Vale não fazia isso, pois antes de agir esperava que o Estado cassasse as licenças de funcionamento das empresas - o que não ocorria.

"Chegamos à conclusão de que não dá para ficar esperando que venha uma solução da área da fiscalização municipal, estadual e federal. Temos um grande projeto de reflorestamento na região. Não faz sentido por um lado investir tanto e, por outro, algumas empresas para as quais fornecemos minério trabalharem no sentido oposto", disse Martins.

Quanto aos critérios para o rompimento dos contratos, ele afirmou que serão observadas as evidências que a Vale possa coletar de descumprimento da legislação pelos compradores do minério, bem como a própria ação da fiscalização dos órgãos públicos.

Impacto social

O diretor da CVRD lembrou do aspecto social envolvido, pois na Amazônia há milhares de pessoas associadas à atividade carvoeira e de fabricação de ferro gusa:

"No momento em que essas empresas param de funcionar, há um impacto social que precisa ser administrado. Não é uma situação fácil nem para a Vale nem para o governo, mas o fato é esse: construiu-se uma atividade enorme, que emprega um monte de gente, cujos pilares são frágeis. Grande parte dela é baseada em floresta nativa derrubada ilegalmente e também grandes contingentes de mão-de-obra em condições não adequadas em termos sociais e trabalhistas".

Criado nos anos 70 durante o governo militar, o parque guseiro visava aproveitar a madeira gerada pelo deslocamento da fronteira agrícola, com reaproveitamento das aparas (sobras), equivalentes a 20% a 30% do produto processado nas serrarias. A iniciativa fazia sentido na época, explicou Martins, pois gerava renda e era bastante produtiva para todas as partes. Mas o parque guseiro se desvirtuou.

O diretor da Vale frisou que existem no setor empresários sérios - citou a iniciativa do Instituto Carvão Cidadão. "Por outro lado, o preço do gusa é extremamente atrativo e o investimento é relativamente pequeno, pois trabalhar com floresta nativa é muito conveniente. Por mais que a gente procure conscientizar, a toda hora estão construindo novos fornos". Martins destacou que a CVRD não tem função fiscalizadora e defendeu que os órgãos do governo sejam mais seletivos para aprovar novos empreendimentos siderúrgicos na região.

Trabalho escravo

Uma reportagem publicada em novembro de 2006 pela agência de notícias Bloomberg denunciou que o aço utilizado na indústria automobilística e em outras indústrias norte-americanas era feito com trabalho escravo de brasileiros.

Escrita pelos jornalistas Michael Smith e David Voreacos, a reportagem informou que o trabalho escravo para produção de ferro gusa - insumo do aço - termina em produtos de empresas como a Ford, General Motors, Nissan e Toyota, entre outras. O caso está provocando grande repercussão, pois envolve uma cadeia produtiva complexa e estratégica. Em dezembro o Congresso dos Estados Unidos abriu investigação para apurar a denúncia.

Dois anos e meio antes, em julho de 2004, uma reportagem do Observatório Social ("Escravos do Aço") fez esta mesma denúncia. A repercussão levou à assinatura, no dia 13 de agosto do mesmo ano, de um Pacto do setor siderúrgico contra o trabalho escravo.

Mas os fiscais do governo verificaram que algumas empresas não estão obedecendo ao pacto. Diversas carvoarias que fornecem carvão vegetal para exportadores de ferro gusa foram flagradas empregando mão-de-obra escrava.

"A escravidão é endêmica nas carvoarias que fornecem para a indústria de ferro gusa", disse à reportagem da Bloomberg o coordenador do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, Marcelo Campos. O Grupo Móvel já libertou mais de 20 mil escravos nos últimos dez anos.

Campos afirmou que a demanda mundial por ferro gusa leva ao uso de escravos: "Essas pessoas não tem absolutamente nenhum valor econômico exceto como mão-de-obra barata sob as mais desumanas condições imagináveis". Para ele, nada disso existiria sem a demanda das multinacionais, parte-chave da economia globalizada e orientada às exportações da qual o Brasil participa.