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26 julho 2007

GEOGLIFOS NO ACRE

Geoglifos revelam civilização marcada pela disciplina, organização e busca pela estabilidade à terra



Pesquisas atuais sugerem outros paradigmas para a ocupação da Amazônia, que teria ocorrido também longe dos rios
Paradigmas envolvendo a ocupação da Amazônia podem ganhar uma nova avaliação a partir das recentes incursões científicas nos sítios arqueológicos em estrutura de terra, os geoglifos. Localizados ao longo de cerca de 270 quilômetros entre Xapuri e Boca do Acre, no sul do Amazonas, os geoglifos estão sendo estudados por pesquisadores do Museu Emílio Goeldi (PA) e das universidades de Helsinque, na Finlândia, e Federal do Acre (Ufac), em pesquisas que apesar de iniciais já sugerem mais fortemente que a Amazônia pode não ter sido ocupada somente na proximidade de rios, como também a partir de terras mais altas e firmes, longe dos eixos hidrográficos.

Além disso, a tese da ocorrência de um período de alterações climáticas na região - “algo como um grande El Nino”, segundo o paleontólogo Alceu Ranzi, da Ufac - aponta para a possibilidade de a selva como é hoje não ter existido naquele tempo, entre 800 e 2.000 anos antes do presente, conforme datação de material de cerâmica e carvão vegetal com Carbono 14. Aquele período seria de savanização do ambiente.

Por isso, espécies como a castanheira (muito prevalecente no Vale do Acre, com árvores de dimensões parecidas umas com as outras) e mesmo os bambus podem ter sido cultivados por essa civilização, que seria marcada por fatores como disciplina, organização e tendência a fixar-se à terra. De modo geral, os povos indígenas do passado demonstraram tendência ao nomadismo, o que, segundo os pesquisadores, parece não ter sido a característica dos construtores dos geoglifos, que preferiram, ainda de acordo com os cientistas, estabelecer-se por longo período num único lugar e invariavelmente distante dos rios. “O que sempre disseram é que as terras firmes não sustentavam pessoas”, observou Ranzi.

Para a arqueóloga Sanna Saunaluoma, finlandesa que atua no “Projeto Geoglifos, Natureza e Sociedade na História da Amazônia Ocidental”, a disciplina e a organização daquele povo são traços que chamam muito a atenção nessa fase das pesquisas. “Não eram grupos pequenos”, sugere Sanna. No entanto, os pesquisadores lembram que somente com o avanço e variação dos estudos é que as teses serão confirmadas ou não. Ranzi quer um grupo para ampliar as áreas de pesquisas, entre elas a botânica.

De acordo com as datações, essas estruturas podem ter sido construídas antes da chegada dos europeus às américas. A medição com teodolito computadorizado pelo especialista Wesa Pertola, da Universidade de Helsinque, trouxe medidas corretas dos geoglifos. Alguns têm duzentos metros quadrados, levando a crer que se ocupou grande mão-de-obra para sua construção, além de criterioso planejamento.

Formas geométricas - Geoglifos são vestígios arqueológicos representados por desenhos geométricos (linhas, quadrados, círculos, octógonos, hexágonos, zoomorfos (animais) ou antropomorfos (formas humanas), de grandes dimensões e elaborados sobre o solo, que podem ser totalmente e melhor observados se vistos do alto, em especial através de sobrevôo.

O site www.geoglifos.com.br traz várias informações sobre esses fenômenos. Segundo ele, “geoglifos podem ser encontrados em várias partes do mundo. Os mais conhecidos e estudados estão na América do Sul, principalmente na região andina do Chile, Peru e Bolívia. As linhas e geoglifos de Nazca, no Peru, são os exemplos mais conhecidos desses desenhos”.

“No Acre, as primeiras ocorrências foram percebidas em 1977, quando Ondemar Dias, do Instituto de Arqueologia Brasileira do Rio de Janeiro, esteve na região localizando e estudando sítios arqueológicos, como parte do inventário nacional que estava sendo realizado pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas da Bacia Amazônia”, informa a publicação.

Estrutura de defesa, produção de alimentos ou culto ao cosmo?

Há várias hipóteses sobre os geoglifos - defesa, microambientes para criação de pescado, agricultura e, ainda entre outros, celebração religiosa. Arqueólogo baseado na região do Xingu, o professor Michael Heckenberger visitou os geoglifos em 2000 e declarou tratar-se de pontos de culto. Essa teoria é alimentada pelo fato de só se conseguir compreender o formato observando-os do alto. “Pode ser algo ligado à cosmologia”, complementou a finlandesa Hanna.

Os geoglifos chamam a atenção não só de cientistas, mas de estudiosos da ufologia, cujos sites reproduzem notícias desses fenômenos. Ranzi luta para que as pessoas se sensibilizem quanto à preservação dos sítios (alguns estão em fase de destruição) e considera a destinação turística complementar ao trabalho de conservação e pesquisa, como ocorre em Nazca, no Peru.

Laboratório de arqueologia da Ufac abre com estudo dos geoglifos

Os vestígios encontrados nos geoglifos serão os primeiros materiais a serem analisados no Laboratório de Arqueologia do Departamento de Comunicação, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Acre (Ufac). A unidade será inaugurada em cerca de vinte dias, informou nesta quarta-feira o professor Jacó Piccoli, coordenador do laboratório que funcionará através de uma parceria com a Universidade Federal do Pará e o Museu Emílio Goeldi, de Belém.

A Ufac fez investimentos iniciais de R$ 25 mil com recursos de emenda parlamentar do deputado Nilson Mourão. O laboratório possui, inicialmente, bancadas de lavagem e de secagem, lupas e equipamentos de informática.

Estudantes de diferentes áreas já começaram a ser treinados no laboratório. Alguns, como Ivandra Pampanelli, estudante de História, cooperam com o trabalho de campo dos pesquisadores da Universidade de Helsinque. “Os geoglifos são uma maravilha”, disse Ivandra.

Charles Mann, que derrubou mitos sobre antigas civilizações, vem no Acre para ver sítios arqueológicos

Autor de “1491 - Novas Revelações da América Antes de Colombo”, o historiador Charles Mann estará no Acre no próximo dia 3 de agosto, possivelmente para sobrevoar os geoglifos e coletar informações para artigos nos periódicos em que escreve. Na edição em português de “1491...”, Mann, que já escreveu para a revista National Geografic, publica uma foto dos geoglifos.

Em sinopse do livro publicado no Brasil pela Editora Objetiva, Mann conta que em 1491 havia provavelmente mais pessoas vivendo nas Américas do que na Europa. Os primeiros americanos, segundo ele, eram muito desenvolvidos. “(...) estudos indicam que, na Amazônia, eram capazes de cultivar a floresta tropical sem destruí-la, processo que hoje os cientistas tentam recuperar”, diz a sinopse.



(*)Artigo originalmente publicado no jornal Página 20 em 26/7/2007.