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13 agosto 2007

DESMATAMENTO E POBREZA NA AMAZÔNIA




Desmatamento perpetua a pobreza na Amazônia, diz estudo

No primeiro momento, comercialização predatória da floresta atrai recurso, mas depois piora a qualidade de vida. Saldo é alto custo social e resultados econômicos inexpressivos

Herton Escobar, O Estado de S.Paulo, 12/8/2007


O desmatamento não compensa. O que já era considerado um mau negócio para o meio ambiente está se revelando também um péssimo negócio do ponto de vista socioeconômico para a Amazônia. Um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostra que os indicadores de qualidade de vida nas regiões desmatadas não são melhores do que nas áreas em que a floresta foi preservada - em muitos casos, chegam a ser piores. Ou seja: sai a floresta, fica a pobreza.


'Esse discurso de que o desmatamento gera emprego e renda é furado', diz a engenheira florestal Danielle Celentano, do Imazon. O estudo confirma um modelo de desenvolvimento batizado como 'boom-colapso'. Num primeiro momento, o desmatamento produz, de fato, um enriquecimento localizado, com forte influxo de capital e recursos humanos, centrado na exploração predatória da madeira. Árvores viram toras e carvão, enquanto florestas dão lugar a pastos e plantações. A longo prazo, porém, o cenário se inverte. A madeira acaba, os trabalhadores vão embora, o solo perde a fertilidade e a economia local despenca, sem nenhuma árvore para se apoiar ou se proteger do sol.


'Você acaba com o pior de dois mundos: exaustão dos recursos naturais e empobrecimento da população', diz o pesquisador Adalberto Veríssimo, que assina o estudo ao lado de Danielle. Um dos melhores indicadores disso é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), parâmetro internacional que mede a qualidade de vida da população. Segundo o estudo, o IDH das regiões 'sob pressão' (que estão sendo desmatadas agora) é o mais alto da Amazônia: 0,713. Nas áreas em que o desmatamento já se esgotou, porém, o IDH é apenas ligeiramente superior ao de áreas em que a floresta continua de pé: 0,659 e 0,648, respectivamente.


Mesmo essa pequena vantagem pode ser uma estatística enganosa, ressaltam os pesquisadores. Na prática, a qualidade de vida de uma família que mora em um município ambientalmente depredado pode ser muito inferior à de uma que vive na floresta intacta. 'A pobreza é semelhante, mas a qualidade de vida certamente não é', diz Danielle. 'São diferenças que não aparecem nas estatísticas, mas podem ser vistas claramente na vida real.'


Quem vive junto à floresta pode não ter dinheiro no bolso, mas pode sempre contar com um peixe na rede para se alimentar e com uma planta da mata para se curar, aponta Veríssimo. Sem a floresta, ocorre um processo de favelização. Os serviços gratuitos que eram prestados pela biodiversidade desaparecem e as comunidades passam a depender de serviços públicos precários ou inexistentes. 'A sensação de pobreza é muito mais grave', diz Veríssimo. 'Quem paga o custo é a sociedade brasileira, que fica obrigada a sustentar esses municípios falidos.'


Para o diretor da organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, Roberto Smeraldi, o estudo desbanca definitivamente o conceito de que a conservação ambiental é um empecilho ao desenvolvimento e de que a criação de áreas protegidas precisa ser 'compensada' com incentivos econômicos pelo Estado. 'Normalmente, assume-se que o desmatamento é um preço a pagar por algum avanço social ou econômico', diz. 'Quando o que estamos vendo, na verdade, é um aumento dos custos sociais e resultados econômicos no mínimo inexpressivos.'


Na região como um todo, a qualidade de vida melhorou no período 1991-2000, com aumento do IDH de 0,624 para 0,705. Apesar disso, o IDH da Amazônia ainda é inferior à média brasileira (0,766). E o IDH dos 43 municípios com mais de 90% de seu território desmatado é menor do que a média regional: 0,674. 'O desmatamento não trouxe alto desenvolvimento humano para nenhum desses municípios, nem mesmo representou melhores IDHs quando comparados aos municípios florestados', aponta o estudo. 'Nossos resultados indicam que a conversão dos recursos naturais não resultou no desenvolvimento econômico nem em melhores condições de vida para a população.'


As exceções ficam por conta das regiões mais secas da Amazônia (em geral, áreas de cerrado), como no centro-norte de Mato Grosso, onde as condições mais propícias à agricultura permitem um desenvolvimento econômico mais sustentável. Alguns municípios beneficiados pela mineração também conseguem escapar do colapso graças aos pesados royalties provenientes da atividade.


QUATRO AMAZÔNIAS


O estudo, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade, avaliou 11 indicadores relacionados a violência, economia e IDH, além de indicadores demográficos. Para fazer as comparações, os pesquisadores dividiram a Amazônia em quatro regiões: florestal, não florestal, desmatada e sob pressão. 'Cada uma necessita de políticas e planejamentos distintos', afirma Danielle. 'Não dá para pensar na Amazônia como uma coisa só.'


A zona sob pressão demarca o avanço da fronteira, onde os índices de desmatamento, especulação, assassinatos e disputas de terra se apresentam de forma mais expressiva. O motor de tudo, segundo Veríssimo, é a exploração da madeira - em grande parte, feita de forma ilegal. Serrarias e carvoarias brotam da terra por todos os lados. Trabalhadores migrantes desembarcam de todas as regiões em busca de emprego. 'Todo mundo chega achando que vai conseguir uma fatia do bolo.'


A riqueza produzida por esse modelo, segundo os pesquisadores, é imediatista e mal distribuída. Enquanto alguns poucos enriquecem, a maioria é deixada para trás, tão pobre quanto ou pior do que começou. A solução é seguir para onde há mais madeira, empurrando a fronteira cada vez mais floresta adentro.