AS DOENÇAS NEGLIGENCIADAS
Agência Fapesp
Segundo Carlos Morel, diretor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com uma política mais robusta de inovação, o Brasil poderia transformar as doenças negligenciadas numa oportunidade para estimular sua indústria e beneficiar a população carente. Ele afirma que o Brasil, ao contrário da maioria dos países que sofrem com essas doenças, tem capacidade técnica para suprir a necessidade de gerar novos medicamentos de combate a elas.
Morel, que publicou na revista Nature, em setembro, um artigo sobre o assunto, concedeu à Agência FAPESP a seguinte entrevista:
Agência FAPESP – A falta de retorno financeiro é a principal causa para que não se desenvolvam fármacos voltados ao combate das chamadas doenças negligenciadas, típicas de países pobres?
Carlos Morel – Essa é a principal dificuldade para a pesquisa. Mas a questão envolve diferentes tipos de problemas. Temos, por exemplo uma vacina contra a poliomielite que é quase gratuita. Mas há dificuldade para fazer com que ela chegue à população: é uma falha de saúde pública. Em outros casos, há uma falha de mercado: o medicamento existe, mas é muito caro, como os anti-retrovirais. Outras vezes, há uma falha da ciência, isto é, o medicamento não existe porque ninguém conseguiu desenvolver. É o caso da malária.
Agência FAPESP – Em que proporção essas doenças são negligenciadas?
Carlos Morel – Para se ter uma idéia, cerca de 90% dos recursos são aplicados em doenças que atingem 10% da população mundial, como hipertensão e diabetes. São doenças que atingem quem pode pagar. A indústria investe praticamente todos os esforços nelas, porque o retorno é rápido. É preciso criar mecanismos e sistemas capazes de desenvolver medicamentos voltados aos que não podem pagar. Para isso, é necessário que haja ações do setor público e do setor filantrópico.
Agência FAPESP – A solução desse impasse está nas parcerias entre governo e iniciativa privada?
Carlos Morel – Não se pode esperar que as empresas privadas façam caridade, já que elas precisam dar satisfação aos acionistas. Mas há uma série de tentativas para tentar compensar a falta de interesse da indústria atraindo recursos públicos e de filantropia. O problema é que muito da tecnologia de desenvolvimento de drogas está no setor privado. Além disso, embora sejam ótimas, essas iniciativas ficam muito aquém do que deveria ser feito.
Agência FAPESP – É possível avaliar o tamanho dessa lacuna?
Carlos Morel – Algumas análises atuais mostram que uma nova droga, desenvolvida pelo setor privado, custa em torno de US$ 1 bilhão. Essa cifra é discutida, mas na literatura mundial a maior parte dos estudos aponta para isso. Além disso, os testes clínicos são muito demorados. Perto disso, o orçamento para doenças negligenciadas é muito baixo. Todas as parcerias existentes atingem apenas a casa dos milhões.
Agência FAPESP – Pode-se dizer também que, além da questão econômica, essas doenças são negligenciadas por falta de vontade política, já que as populações atingidas têm pouco poder de pressão?
Carlos Morel – Sem dúvida. Uma prova disso é o caso da Aids. Antes de a doença aparecer, o Brasil nunca teve controle para doenças transmissíveis por sangue. Mas a Aids atacou todas as classes e logo o controle foi feito nos bancos de sangue. Rapidamente se conseguiu também uma lei que garantisse a distribuição gratuita do medicamento para a Aids. A doença de Chagas, há 20 anos, também era um exemplo disso: o mapa da distribuição da doença coincidia exatamente com o mapa das pessoas que não votavam e eram analfabetas.
Agência FAPESP – Por que é importante para o Brasil investir na pesquisa sobre fármacos para essas doenças?
Carlos Morel – O Brasil tem uma posição singular: é um país em desenvolvimento que é afetado tanto pelas doenças de países pobres como pelas de países ricos. A indústria tem a oportunidade de lucrar com medicamentos feitos para os que podem pagar, como na Europa e nos Estados Unidos. Mas também precisamos de fármacos para a população que sofre com doenças tropicais e infecciosas. Só que, ao contrário dos países africanos e asiáticos, que também têm essas doenças, temos capacidade técnica para desenvolvimento desses fármacos. O fornecimento para os outros países que necessitam poderia impulsionar nossa indústria e resolver os problemas da população. Na verdade, vemos uma oportunidade única para o país nessa área.
Agência FAPESP – E essa oportunidade está sendo aproveitada?
Carlos Morel – Sentimos falta de uma política robusta de ciência e tenologia que estimule a inovação. Mas há uma série de iniciativas importantes
Agência FAPESP – Os problemas de infra-estrutura também são limitantes no Brasil?
Carlos Morel – Historicamente, no Brasil, trata-se de um problema de falta de uma política industrial capaz de acoplar a ciência e a produção. A infra-estrutura, de fato, não é suficiente, porque a indústria farmacêutica, depois de um longo período de reserva de mercado, foi muito atingida pelo sistema de patentes. Mas o ponto central é que não há incentivo financeiro para combater as doenças negligenciadas.
Crédito de imagem: Ana Limp
(Envolverde/Agência Fapesp)
1 Comments:
bem adorei as respostas me ajudou muito no meu trabalho escolar sobre as doeças negligenciadas adorei mesmo viu
beijos
camilla stefane
15 anos
São Luis-MA
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