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03 abril 2008

O ALTO CUSTO SOCIAL DO FUMO

Segundo pesquisa da Fiocruz, o custo anual atribuível ao tabagismo no Brasil ultrapassa os R$ 330 milhões apenas para os pacientes com 35 anos ou mais

Pesquisa calcula o custo econômico de doenças relacionadas ao tabagismo

Fernanda Marques
Agência Fiocruz de Notícias

Todo mundo sabe que fumar é prejudicial à saúde. No entanto, poucos já devem ter parado para pensar no impacto econômico do tabagismo. Embora as cifras bilionárias movimentadas pela indústria do cigarro já não sejam novidade, outros números chamam a atenção: os custos que as doenças relacionadas ao tabaco representam para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Pesquisa inédita feita pela Fiocruz analisou 32 doenças, entre diferentes tipos de câncer e problemas dos aparelhos circulatório e respiratório. Em relação a essas doenças, sob a perspectiva do SUS, os custos totais atribuíveis ao tabagismo no Brasil, em um ano, ultrapassaram os R$ 330 milhões para pacientes com 35 anos ou mais.

E esse valor pode estar subestimado, pois só foram considerados os gastos com hospitalização e quimioterapia, embora o tratamento para esses pacientes, em geral, exija diversos outros procedimentos de alta complexidade, como cirurgias e exames caros. Além disso, o universo de doenças relacionadas ao tabaco é maior que as 32 analisadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o fumo pode acarretar também enfermidades ósseas, dermatológicas, reprodutivas e dentárias, além dos danos provocados aos fumantes passivos. Os custos para o SUS de mais de R$ 330 milhões, contudo, não representam nem a metade do lucro operacional em 2005 de apenas uma empresa que opera no mercado nacional de cigarros.

O objetivo da pesquisa, que foi a tese de doutorado da economista Márcia Pinto, era estimar os custos do tratamento de doenças relacionadas ao tabaco sob duas perspectivas: a do SUS e a hospitalar. “O trabalho se justifica pela ausência de estudos que meçam o impacto dessas doenças no país e pela carga econômica que o tabagismo impõe ao SUS”, explica Márcia, que analisou dados referentes ao ano de 2005 e concluiu a pesquisa no final de 2007. A tese, que contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), incluiu consultas a prontuários médicos e a bancos de dados do governo. Os resultados mostram que, em 2005, 7,72% dos custos totais de hospitalizações e quimioterapia do SUS para indivíduos acima dos 35 anos foram atribuíveis ao tabagismo.

Estima-se que quase 30% da população mundial sejam fumantes e, em 2005, o tabagismo foi responsável por 5,4 milhões de mortes, o que equivale a uma morte a cada seis segundos. A grande maioria dos fumantes vive em países de média e baixa renda. “O Brasil é um dos países onde o maço de cigarros é mais barato. Existe uma relação entre tabagismo e pobreza que não pode ser ignorada”, diz Márcia, que defendeu a tese na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz.

Sob a perspectiva hospitalar, a economista calculou os custos do tratamento completo de 310 pacientes fumantes ou ex-fumantes matriculados em 2000 no Instituto Nacional do Câncer (Inca) e em 2001 no Instituto Nacional de Cardiologia (INC), ambos no Rio de Janeiro. No Inca, foram estudados os casos de câncer de pulmão, laringe e esôfago, enquanto no INC foram analisados os dados de pacientes com duas doenças cardíacas (angina pectoris e isquemia crônica do coração). Nas duas instituições, os pacientes eram, em sua maioria, de baixa renda e fumantes pesados, pois haviam fumado de 25 a 35 cigarros por dia ao longo de 30 a 40 anos.

Para calcular os custos do tratamento completo, Márcia somou os gastos com todos os procedimentos médicos realizados desde o diagnóstico até o desfecho (morte, alta ou abandono do tratamento). Os resultados mostram que cada paciente com câncer de pulmão custa em média quase R$ 29 mil. A carga econômica de um paciente com câncer de esôfago ou laringe é ainda maior: R$ 33,2 mil e R$ 37,5 mil, respectivamente.

Considerando-se o número de novos casos desses três tipos de câncer por ano e a parcela desses casos atribuível ao tabagismo, chega-se a uma demanda potencial de cerca de R$ 1,12 bilhão para os cofres públicos por causa do cigarro (no caso de o atendimento ser via SUS). “É importante considerar que o tabagismo está associado a outros tipos de câncer, como oral, de estômago e pâncreas, por exemplo”, lembra Márcia.

Já em relação às doenças cardíacas, a economista verificou que o tratamento de um paciente com isquemia crônica do coração sai, em média, por R$ 29,7 mil, enquanto o tratamento individual da angina pectoris fica em torno de R$ 33,1 mil. Para efeito de comparação, o processo de doação, retirada e captação de órgãos para transplantes tem um custo médio inferior a R$ 3 mil, segundo a Organização de Procura de Órgãos do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo.

A pesquisadora observou, ainda, que, muitas vezes, o fumante ou ex-fumante, além de câncer ou doença cardíaca, apresentava outro problema de saúde, como hipertensão, diabetes ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Por um lado, a associação de várias doenças tende a aumentar o custo, mas, por outro, reduz a expectativa de vida do paciente e as opções terapêuticas disponíveis. “Soma-se a isso que, em relação ao câncer, a grande maioria dos pacientes chega ao hospital com a doença avançada e, para muitos, só resta como opção o cuidado paliativo. No caso do câncer de esôfago, mais de 94% dos indivíduos da pesquisa foram diagnosticados já em estado grave”, sublinha Márcia.

Como conclusões do trabalho, a economista destaca a necessidade de se realizarem estudos de custos que mensurem a carga econômica do tabagismo no Brasil. “É preciso responsabilizar a indústria do tabaco pela carga econômica imposta ao SUS. É fundamental, também, intensificar as ações anti-tabagismo, porque, na medida em que as pessoas parem de fumar, haverá redução da morbidade e da mortalidade, e o SUS poderá destinar os recursos que seriam empregados na assistência às doenças tabaco-relacionadas para outras ações, como as de prevenção”, avalia a economista, que trabalhou durante sete anos no Inca e hoje é analista de gestão em saúde da Fiocruz.

Imagem:Óleo sobre tela com auto-retrato de Edvard Munch fumando cigarro, de 1895 (Foto: Galeria Nacional/Oslo)