Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

22 maio 2008

EXTINÇÃO CULTURA É IGUAL A EXTINÇÃO NATURAL

Não podemos remar contra a modernidade, mas podemos aproveitar suas ferramentas para resgatar o tesouro das culturas e os ecossistemas que se extinguem

Por Mark Sommer*
19/05/2008

Arcata, Califórnia, Estados Unidos, 19 de maio (Terramérica) - Os humanos têm vários milhares de idiomas, a grande maioria nas bocas de pequenas populações de selvas e montanhas isoladas, e apenas um punhado nas milhares de milhões de pessoas. As línguas, e seus correspondentes culturais, desaparecem em ritmo alarmante: a metade poderia se extinguir na próxima geração. O mesmo acontece com as plantas e os animais. As duas tendências estão estreitamente vinculadas.

Em abril, cientistas de primeira linha se reuniram em uma conferência pioneira, no Museu de História Natural de Nova York, para analisar essas extinções gêmeas. Em mapas multicoloridos do planeta, os etnobiólogos desenharam a correlação entre a diversidade biológica e a cultural, às quais chamam de “diversidade biocultural”, em uma resplandecente faixa que margeia as zonas tropicais da Terra. Em selvas e terras altas, o isolamento ajudou as pessoas a desenvolverem suas próprias formas de dizer e fazer, suas maneiras únicas de ver e interpretar o mundo. De modo semelhante, plantas e animais em isolamento se adaptam às peculiaridades de seus ambientes.

Pensemos na remota ilha equatoriana de Galápagos e suas raras tartarugas gigantes. Em um mundo de progressivo desaparecimento das fronteiras, inclusive essas tartarugas correm perigo. Contudo, temos muitas outras, verdade? Por que importa a diversidade? Os antropólogos e biólogos confirmam que a diversidade de vida vegetal e animal é crucial para a riqueza da cultura humana e para sua sobrevivência. As monoculturas, como os monocultivos, podem ser muito eficientes em boas épocas, mas são mais vulneráveis aos ataques de enfermidades e pestes. Na diversidade descansa a resiliência, essa capacidade de um organismo ou sistema se manter vital e viável, mesmo quando perde alguns de seus componentes.

Assim como o investidor esperto diversifica sua carteira, a natureza é pródiga em diferentes espécies de flora e fauna, de modo que se umas se perdem outras tomem seu lugar. Como espécie, somos notavelmente desatentos a este axioma. “A natureza já não confia em nós”, disse Vyacheslav Shadrin, cabeça do Conselho de Anciões dos Yukaghir, no extremo norte da Rússia. É um comentário fascinante sobre como a modernidade traiu as antigas formas. Como milhares de povos isolados, o seu pode ser tragado pelo enorme império que o cerca.

Entretanto, as técnicas modernas também podem oferecer uma das poucas vias para preservar culturas e ecossistemas moribundos e para divulgar seu conhecimento e sabedoria a um mundo que precisa deles. Vyacheslav se comunica com seu par Tero Mustonen, do norte da Finlândia, por e-mail, Internet e telefone celular. E viajam de avião para Nova York a fim de estabelecer estratégias comuns com outros povos isolados na defesa de seus ambientes e culturas ameaçados. Goste-se, ou não, não existe isolamento possível, nem das pragas nem das bênçãos da modernidade.

A maioria dos adolescentes, em Manhattan ou Mumbai, deseja ter ou tem um iPod ou um MP4 e enviam mensagens de texto aos amigos por meio de telefones celulares. É um único mundo, diz Eleanor Sterling, diretora do Centro para a Biodiversidade e a Conservação do Museu de História Natural de Nova York. Ela se move facilmente entre culturas antigas e modernas, e mais do que a pureza, lhe interessa a vitalidade, esse intenso intercâmbio que ocorre quando as culturas se encontram, se mesclam e geram algo novo e vivo por direito próprio.

“Não me interessam as culturas como peças de museus”, disse Sterling enquanto passeávamos pela ala dedicada à América Central, povoada de antigas estátuas astecas e maias. “As culturas são coisas vivas. Não desaparecem. Evoluem”. Cheguei à conferência pensando que iríamos documentar o duplo desaparecimento de culturas e ecossistemas frágeis e isolados em uma espécie de ação de retaguarda para deter a avalanche do moderno. Mas, parti com uma impressão muito diferente.

É certo e trágico que culturas e ecossistemas de grande riqueza e diversidade são enterradas e assimiladas a um ritmo assombroso. É certo que levam com elas soluções para um futuro mais viável que não deveríamos perder, como ervas medicinais e costumes sábios que poderiam nos ajudar a suportar mudanças imprevisíveis. Também é igualmente certo que não podemos evitar a mudança do mesmo modo que não podemos alterar o curso do Rio Amazonas. Não podemos impedir que nossos jovens nem os de etnia tradicionais desejem os muitos bens, e os males, da vida moderna.

Talvez, o melhor seja podermos aspirar ser uma astuta mescla de tradições e do moderno, que apele às técnicas mais avançadas para proteger, promover e disseminar os melhores valores de todas as diferentes culturas humanas. Nosso tempo nos oferece ferramentas que, usadas corretamente, podem nos ajudar a “rediversificar” culturas e ecossistemas. Voltemos à diversidade dentro e entre nós, para que cada um possa mesclar e combinar a irrefreável riqueza da variedade biológica e cultural.

* Mark Sommer é colunista e diretor do premiado programa de rádio A World of Possibilities. Direitos reservados IPS.

Crédito de imagem: Fabrício Vanden Broeck