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25 setembro 2008

USO DE COCAINA E CRACK NO BRASIL

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) analisaram a produção científica sobre o tema desde meados dos anos 80 e mostram que pelo menos 2,3% da população brasileira consomem ou já consumiram cocaína, sendo o percentual inferior a 1% para crack

Compilação poderá subsidiar políticas voltadas ao tratamento de usuários de cocaína e crack

Fernanda Marques
Agência Fiocruz de Notícias

Com o objetivo de conhecer o perfil dos usuários de cocaína e crack no Brasil, uma equipe da Unidade de Pesquisa em Álcool e outras Drogas (Uniad), vinculada à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), localizou e analisou a produção científica sobre o tema desde meados dos anos 80, o que inclui artigos, teses, dissertações e capítulos de livros. Esse trabalho de revisão bibliográfica mostra que 2,3% da população brasileira consomem ou já consumiram cocaína, sendo o percentual inferior a 1% para crack. Embora essas drogas sejam utilizadas por uma parcela relativamente pequena dos brasileiros, elas representam um importante fator de risco para a transmissão da Aids e de outras doenças: os usuários, em geral, apresentam grande número de parceiros sexuais, praticam sexo sem proteção e mantêm relações sexuais em troca de drogas ou de dinheiro para adquiri-las. Os resultados dessa revisão estão em um artigo publicado recentemente na revista Cadernos de Saúde Pública, periódico científico da Fiocruz.

Um dos trabalhos comentados no artigo foi desenvolvido com cerca de 700 indivíduos que utilizavam cocaína na forma injetável e viviam em Santos, Salvador, Rio de Janeiro, Itajaí (SC), Corumbá (MS), Cuiabá e Goiânia. Os participantes consumiam a droga, em média, sete vezes por dia e 71% deles compartilhavam seringas. Nas cidades de Santos e Itajaí, a taxa de infecção pelo HIV chegou a 70% entre os indivíduos estudados. “Usuários de drogas injetáveis também estão expostos a outras doenças além da Aids, como tuberculose e hepatite C”, lembram a terapeuta ocupacional Lígia Bonacim Duailibi e co-autores no artigo de revisão, onde destacam, ainda, que os usuários de cocaína e crack são especialmente vulneráveis às mortes por causas externas (acidentes e violências).

A produção científica sobre o tema revela, ainda, que os usuários de cocaína são, em sua maioria, adolescentes e jovens do sexo masculino das regiões Sul e Sudeste. No entanto, segundo levantamentos realizados entre 1987 e 2004 com estudantes de diferentes capitais brasileiras, o percentual de usuários de cocaína se manteve mais ou menos constante ao longo do tempo em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, enquanto se observou aumento significativo em capitais do Nordeste, como Salvador, Recife e Fortaleza. Outros levantamentos mostram um crescimento progressivo do consumo de cocaína e crack entre crianças e adolescentes moradores de rua, sobretudo nos estados do Sul e do Sudeste, embora o consumo por essa população tenha começado a se acentuar também no Nordeste.

Segundo o artigo da revista Cadernos de Saúde Pública, uma pesquisa com estudantes universitários de São Paulo constatou que os usuários de cocaína, geralmente, tinham dificuldades de relacionamento na família. Lares desestruturados também são uma característica comum entre os usuários de crack, que, majoritariamente, são homens pobres, com menos de 30 anos de idade, desempregados e com baixa escolaridade. “Nos últimos anos, usuários de crack começaram a aparecer entre os grupos de maior renda, embora a droga ainda seja mais prevalente entre as classes de menos favorecidas”, dizem Lígia e co-autores. Há indícios de que o tabaco e o álcool, seguidos pela maconha, são as primeiras substâncias psicoativas consumidas por um adolescente que se tornará um usuário de crack.

Quanto ao tratamento, pesquisas apontam que os usuários de cocaíca e crack, já em meados da década de 90, representavam mais da metade dos atendimentos relacionados ao uso de drogas ilícitas nos ambulatórios especializados. “Entre as drogas ilícitas, o crack é talvez a substância cuja demanda por tratamento mais aumentou nos últimos anos. Porém, o perfil dos usuários de crack torna difícil para esses indivíduos aderirem ao tratamento, o que exige propostas mais intensivas e adequadas para cada fase do tratamento”, sugerem no artigo os pesquisadores. Em seu trabalho de revisão, eles concluem que, embora as informações sobre o consumo de cocaína e crack no Brasil ainda sejam incipientes, já existe um material de qualidade suficiente para subsidiar a atualização das políticas públicas referentes ao tema.