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15 outubro 2008

A AIDS DEIXOU DE AMEDRONTAR O MUNDO DESENVOLVIDO

A pesquisadora do Instituto Pasteur que descobriu o HIV em 1983 vive o trabalho no laboratório com paixão e viaja com freqüência aos países mais afetados pela Aids para ver de perto a face amarga da doença.

A entrevista foi realizada por Lola Galán, e publicada no jornal espanhol El País em 12-10-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Uma fotografia de Françoise Barré-Sinoussi, rodeada de guirlandas natalinas e uns quantos balões, junto a um cartaz de felicitação pelo Nobel recém conquistado, adorna o corredor de entrada da Unidade de Regulação de Doenças Retrovirais que ela dirige, no Instituto Pasteur de Paris. 

Para a instituição, que no mês passado completou 120 anos, a homenagem a uma de suas pesquisadoras mais destacadas foi o melhor presente de aniversário. Uma demonstração, talvez, de que o velho edifício, com seu aspecto um pouco caótico e descuidado, abriga dentro de si a fina flor e a nata da investigação francesa, por mais que o Nobel premie um achado de 25 anos atrás.

Barré-Sinoussi (Paris, 30 de julho 1947) parece desfrutar seu êxito com a mesma discrição com que viveu até agora o seu anonimato de pesquisadora apaixonada por seu trabalho, mas com escassa projeção pública e praticamente desconhecida fora dos ambientes científicos. Seu marido, falecido há poucos meses, não chegou a saborear um triunfo que tem um pouco de sabor de revanche, porque ela foi a investigadora que descobriu o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, na sigla em inglês), no começo de 1983. Vírus que, mais tarde, seria identificado como o causador da Aids. Vestida com um tailleur em tons de creme e ocre, e meticulosamente maquilada, Barré-Sinoussi se apresenta à jornalista com um cigarro na mão e pede um minuto para sair ao pátio dos fundos do instituto para ir fumar.

Você é a primeira mulher francesa que recebe o Nobel de Medicina. Como se sente?
Muito bem. A verdade é que a presença da mulher na pesquisa científica tem sido muito minoritária durante séculos, de forma que era normal essa falta de prêmios. Tampouco acho que se tenha que enfocar isso de uma maneira estritamente feminista. Mas estou encantada e, para ser sincera, muitos colegas homens me felicitaram efusivamente.

Ser mulher foi um obstáculo em sua carreira?
Sim, desde sempre. Sobretudo nos anos 80. Eu era mais jovem, e as dificuldades, muito maiores. Com os anos, a porcentagem de mulheres cientistas aumentou muito. Nesse trabalho se ganha pouco, por isso há cada vez mais mulheres. Ainda que, nos níveis de responsabilidade, siga havendo poucas.

Os homens têm mais exigências econômicas.
Historicamente, era o homem quem mantinha a família, quemlevava o sustento para casa. Por isso, sempre ficou mais atento à questão econômica.

Nesta ocasião, ao contrário, o Nobel preferiu-a em vez de outros membros homens da equipe que descobriu o vírus da Aids, por exemplo, o professor Jean Claude Chermann, com quem você começou na pesquisa, no começo dos anos 70.
Foi um pouco triste, porque comecei trabalhando com ele e eu o considero como um pai profissional. Além do mais, ele formava parte da equipe que conseguiu essa descoberta. São coisas da vida. Falei com ele, e ele está chateado, é normal. Mas, ao mesmo tempo, está muito contente por mim. A descoberta do vírus da Aids foi um trabalho de equipe em que participaram muitas pessoas do Instituto Pasteur e de vários hospitais.

Você também esperou 25 anos para receber esse reconhecimento que, até agora, era atribuído exclusivamente ao professor Luc Montagnier. Como você encarou tantos anos de anonimato?
Bem. Não me preocupava, absolutamente. O que mais se adapta à minha personalidade é trabalhar no meu laboratório, ou viajar aos países mais afetados pela Aids para ver qual é a situação sobre o campo.

Você diz que a descoberta mudou totalmente a sua vida. Em que sentido?
Fez me dar conta do alcance prático do meu trabalho. A partir desse momento, tive mais clara a responsabilidade da minha tarefa, até o ponto em que me levou a esquecer a minha vida pessoal. Vi-me empurrada pela urgência de buscar fórmulas para melhorar a vida dos pacientes.

Vejo que você pertence a vários comitês do Instituto Pasteur, além de trabalhar para a Agência de Prevenção da Aids, que publica trabalhos e participa de simpósios, conferências etc. De onde tira tanto tempo?
Durmo poucas horas, não mais do que quatro, e trabalho 12 ou 13 horas diárias. Nunca considerei a pesquisa como uma atividade profissional. Para mim, é uma paixão.

É verdade que estamos baixando a guarda contra a Aids?
Há setores da população com mais risco que estão se esquecendo da prevenção. E o mesmo acontece com os jovens. Fala-se muito menos da Aids do que antes, e isso dá medo, porque a infecção segue presente. Muitos jovens pensam que o tratamento é efetivo e que não tem com que se preocupar, mas, na realidade, o tratamento não só é caro, como também é complicado e para toda a vida. Além disso, com o tempo, tem efeitos secundários sérios, produz alterações do metabolismo. Por isso, deve-se prevenir.

O fenômeno se produz, além disso, no mundo desenvolvido.
Sim, em países ocidentais, como a França ou Espanha, e é muito preocupante. Porque, além disso, a pessoa infectada pelo vírus demora muito tempo para ficar consciente disso, e isso pode dar lugar a uma seqüência de contágios. Por isso, o diagnóstico precoce, as provas, são fundamentais para prevenir a transmissão do vírus.

As instituições internacionais têm se comprometido muito na luta contra a Aids ultimamente.
Sim. O objetivo do fundo mundial de luta contra a Aids é de que haja um tratamento universal para todos os afetados pela doença em 2010. É um objetivo ambicioso, por meio do qual é possível sonhar sempre que a ajuda financeira dos países ricos siga chegando. Se o fundo de luta contra a Aids, a tuberculose e a malária seguir recebendo esse dinheiro, é possível alcançar esse objetivo. O mau disso é que não sabemos o que vai acontecer com esses fundos com a atual crise financeira no mundo. Se as contribuições diminuem, como é o nosso temor, sobretudo as do Governo dos Estados Unidos, a coisa se complica.

Em que situação está a pesquisa sobre a Aids neste momento?
Tem-se feito muitos avanços, mas há muitas coisas que não conhecemos. Por exemplo, se o vírus é capaz de provocar a imunodeficiência, por que em certos sujeitos isso não se produz? Sobre os modelos animais, também não sabemos por que o macaco-verde não desenvolve a doença, apesar de estar infectado por um vírus muito semelhante ao do HIV. Desconhecemos quais são os mecanismos precisos de proteção contra a infecção. E enquanto não se conheçam, será difícil encontrar uma vacina contra a Aids.

(Fonte da imagem: WITI - Women in Technology International)

(www.EcoDebate.com.br, 15/10/2008. Entrevista publicada pelo IHU On-line, 13/10/2008. O IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS).