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04 abril 2009

O JEITINHO BRASILEIRO É UMA FORMA DE CORRUPÇÃO?

Entrevista com Lourenço Stelio*

Meu livro faz uma abordagem dentro da perspectiva da Ética. Existem outros que abordam sob o aspecto sociológico, mas minha análise é fenomenológica. Não discuto as raízes. O livro é recheado de situações, algumas bem pitorescas. Por exemplo, quando Reinaldo de Barros, prefeito de São Paulo, foi na feira para uma visita de rotina e uma vendedora japonesa o perguntou se ele não poderia descontar a parte dele da taxa que ela pagava semanalmente ao fiscal. Disse que o marido estava doente e o fiscal era mal, mas o prefeito poderia conseguir o desconto. Um jornalista estava lá e registrou tudo. Há também situações mais complexas, como a medicina mercantilizada, etc.

Desenvolvo uma hipótese, procurando explicar o ciclo vicioso do jeitinho na relação do poder público com o cidadão e vice-versa. Existe um diálogo secreto. São quatro estágios. O primeiro é um descaso generalizado frente ao cidadão. Se você quiser receber saúde, embora pague imposto, ela é privada. Você paga impostos para a estrada, mas também deve pagar o pedágio. Assim, o cidadão não se sente motivado a pagar os impostos. O segundo estágio é a sonegação. Não se sentindo mobilizado, ele sonega. Aí entra a fiscalização. Se o fiscal for corrupto, chega-se no terceiro estágio, que é a corrupção. Pode-se pagar multas menores. Mas para a corrupção se manter ela é alimentada pelo quarto estágio deste ciclo: a impunidade. A corrupção não gera recursos para o Estado. O eixo que gira este ciclo é o jeitinho.

Mas o jeitinho é um fenômeno mundial, ele está presente na natureza humana. Trato o jeito ou jeitinho como sinônimos, é a busca de uma saída diante de uma situação que não se quer enfrentar. Ele é internacional. O ser humano quer procurar o caminho mais fácil. Quando você compra uma mercadoria, quer obter maiores recompensas por menores custos. Nos EUA, as questões ligadas aos golpes e fraudes econômicas estão muito ligadas à corrupção. Mas lá a punição acontece. Já no Brasil, impera o ditado “para os amigos, tudo. Para os inimigos, o rigor da lei”.

O jeito negativo envolve a transgressão legal, a busca de uma saída ilícita. O lado positivo do jeito é a criatividade do brasileiro, especificamente. O jeito é um foco etnográfico no Brasil. Ele faz parte da cultura e comportamento do Brasil. Na primeira carta escrita no Brasil, Pero Vaz já pede emprego ao rei para um parente dele. Os negros escravos, quando perseguidos pela Igreja, fizeram alterações na nomenclatura de suas divindades. São Jorge vira Ogum e assim por diante. Neste sentido, ele tem um caráter positivo. A busca por combustíveis por fontes renováveis, por exemplo, é um avanço perceptível mundialmente. O brasileiro encontra saídas quando geralmente não se vê. Também o espírito vicário faz parte do lado positivo, algo difícil no primeiro mundo.

É possíveis termos duas ações: uma maior, com novas políticas públicas contra a corrupção. Mas é preciso outra, na formação do sujeito desde a infância. Temos que fazer um aperfeiçoamento dos órgãos de controle e ter um controle deles também. Fiscalizar os fiscais. Falta credibilidade, ela só virá de uma ação de dentro do sistema. Acredito muito nas novas gerações de promotores e juízes. Não que as antigas não estejam fazendo, mas não dão conta o suficiente.

Desde o berço, temos que investir em cidadania e respeito à população e à legislação. Eu também diria um desenvolvimento de um espírito nacional, que perdermos. Não digo certos evangélicos e algumas igrejas que agem de forma ilícita, mas a ética cristã é centralizada no amor e no respeito à convivência humana. Mas ela não é garantia de nada. Nós, teólogos, vemos a natureza humana com uma parcela perversa.

Não acreditamos na idéia de Rousseau, do homem completamente bom. Ele não é todo mal, mas tem uma natureza corrompida. Isso é uma constatação na teologia bíblica. Na realidade, acreditamos que é preiciso transformar o sujeito na sua espiritualidade. O jeito precisa de conversão, redenção. No campo da teologia, acreditamos na transformação do indivíduo de dentro pra fora.

*Lourenço Stelio é teólogo e autor do livro "Dando um jeito no jeitinho". Artigo originalmente publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional.

Ilustração: capa da edição 42, março de 2009 da revista

Mais sobre corrupção na na Revista de História da Biblioteca Nacional:
- Entrevista com Roberto DaMatta
- Entrevista com Leonardo Avritzer