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25 junho 2009

EXTRATIVISMO DAS FOLHAS DA PALMEIRA UBIM (Geonoma deversa (Poit.) Kunth) NA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES, ACRE, BRASIL.(*)(**)

Evandro José Linhares Ferreira
Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA/Núcleo de Pesquisas no Acre (E-mail: evandro@inpa.gov.br)

Francisco Chagas Bezerra dos Santos
Pesquisador associado do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre/Cooperazione Italiana-CESVI.

Resumo – Foi realizado um estudo sobre o extrativismo das folhas da palmeira ubim (Geonoma deversa (Poit.) Kunth) em uma área da Reserva Extrativista Chico Mendes, no estado do Acre, Brasil. O estudo incluiu um levantamento sobre a estrutura populacional e a dinâmica de produção das folhas da espécie para avaliar o impacto da extração e o potencial extrativista da área. O ubim é uma palmeira cespitosa de pequeno porte que ocupa o sub-bosque de florestas primárias, cujas folhas são usadas para a cobertura de habitações dos extrativistas locais. Os resultados obtidos indicam que o extrativismo das folhas é realizado de maneira predatória e sem a observação de critérios de sustentabilidade. Apesar disso, a estrutura populacional da espécie está em equilíbrio, fato que pode ser creditado à baixa intensidade de exploração no local. O potencial produtivo da espécie é muito alto e a renda obtida com a exploração das folhas pode chegar a R$ 492,00/hectare. A espécie tem, em teoria, potencial de ser incluída em modelos de sistemas agroflorestais que estão sendo introduzidos na Reserva pois é nativa e tem potencial de uso comercial e doméstico reconhecido.

Palavras-chave – Ubim, extrativismo, folhas, Reserva Extrativista, Acre.

1. Introdução


O extrativismo de folhas de palmeiras para a cobertura de habitações rurais é uma prática muito comum em toda a região amazônica. No Acre as espécies mais frequentemente exploradas com esse fim são o jaci (Attalea butyracea), uricuri (Attalea phalerata), jarina (Phytelephas macrocarpa), caranaí (Lepidocaryum tenue) e o ubim (Geonoma deversa) (Ferreira, 2005). Estas duas últimas são espécies de pequeno porte e hábito cespitoso que habitam o sub-bosque de florestas primárias. Estas características as tornam ideais para a exploração de folhas, pois a extração é facilidade pelo baixo porte das plantas e a exploração continuada tende a causar menos danos em função do hábito multicaule das referidas espécies. Segundo Zuidema & Werger (2000), o hábito cespitoso permite, em teoria, uma extração continuada de folhas por longos períodos, pois as touceiras produzem continuadamente novos estipes em substituição aos que são retirados. Esta condição só é alterada se ocorrer uma extração excessiva e deletéria que afete negativamente o crescimento e desenvolvimento normal das plantas.

O ubim é uma palmeira com ampla distribuição geográfica, que pode ser encontrada desde a América Central até o sul da Bolívia, incluindo toda a Amazônia brasileira até o Mato Grosso, geralmente em florestas tropicais primárias. Na maioria dos lugares onde a espécie forma grandes populações naturais, os habitantes locais costumam extrair suas folhas para cobrir edificações rurais e, em alguns casos, vendem as folhas para a cobertura de edificações urbanas de estilo rústico (Henderson, 1995). No Acre, as maiores concentrações da espécie ocorrem na parte leste do Estado, em áreas florestais integrantes da Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, onde suas folhas têm sido exploradas em baixa escala pelos habitantes locais (Ferreira, 2005).

Flores & Ashton (2000), estudaram o impacto de dois sistemas de extração de folhas de ubim na Amazônia peruana. No primeiro, a extração consistia na retirada das folhas sem danificar o meristema apical das palmeiras. No segundo, o mais praticado pelos habitantes locais, a retirada consistia no corte de um dos estipes da touceira. Eles concluíram que ambos os métodos produzem efeitos negativos graves para a espécie, mas o segundo causava mais problemas do que o primeiro. Segundo estes autores, coletas realizadas a cada 3 anos minimizam os efeitos negativos da extração e podem render aos extratores até U$ 191.00/hectare/ano.

No Acre, a exploração de folhas de ubim é uma prática antiga, realizada de forma não comercial em algumas localidades da RESEX Chico Mendes. Nesta Reserva, que possui uma área de 970.570 hectares, a ocorrência do ubim é mais significativa nos seringais Filipinas e Porongaba, localizados a cerca de 30 km a noroeste da cidade de Brasiléia (11º00'58''S; 68º44'53''W; 172 m). Um aspecto positivo relacionado com a conservação destas populações naturais de ubim é a crença dos extrativistas de que a presença da espécie dominando o sub-bosque da floresta é um indicador de solos "fracos" para a agricultura.

A pressão para a extração das folhas de ubim na RESEX Chico Mendes tem aumentado nestes últimos anos em razão da estabilidade sócio-econômica das populações extrativistas, que têm se aproveitado da disponibilidade a custo zero do recurso para cobrir novas edificações que estão sendo erguidas dentro da Reserva. Outro aspecto que contribui para a manutenção da pressão de extração das folhas é a necessidade de substituir a cobertura a cada 5-10 anos.

Além dos fatores citados acima, o conhecimento das práticas extrativistas empregadas na exploração das folhas de ubim na RESEX Chico Mendes se justifica pela necessidade de estabelecer um plano de manejo dos recursos florestais não madeireiros da Reserva que considere o uso múltiplo destes recursos, aliando conservação, desenvolvimento e bem-estar social.

Outro aspecto a ser considerado é a recente tendência de implantação de sistemas agroflorestais (SAFs) em áreas extrativistas acreanas (Oliveira et al., 2007; Rodrigues, 2005). Existem possibilidades concretas de modelos de SAFs em implantação no local incorporarem, no futuro, espécies nativas como o ubim, com reconhecido potencial de uso local e comercial.

O objetivo deste trabalho foi conhecer as práticas extrativistas empregadas na extração das folhas de ubim na RESEX Chico Mendes, estudar a estrutura populacional de uma população nativa da espécie no seringal Filipinas (11º01'03''S; 68º44'59''W; 172 m) para inferir o impacto da extração de folhas na estabilidade populacional e determinar a densidade natural da espécie para estimar o potencial de produção de folhas/ha/ano.

2. Metodologia

O estudo foi realizado no Seringal Filipinas, em uma área de floresta primária com uma grande população natural de ubim. As informações sobre as práticas extrativistas adotadas foram obtidas mediante a realização de entrevista com extrativistas envolvidos na atividade a observação detalhada no campo de todo o processo de extração e beneficiamento das folhas. Para o estudo da estrutura populacional (quantificação dos indivíduos de acordo com sua classe de tamanho) e dinâmica das folhas (tempo que as folhas levam desde o seu surgimento até a queda), foi instalada uma parcela de 8.000 m², subdividida em 20 parcelas de 20 m X 20 m. Para o estudo da estrutura populacional, os indivíduos de ubim foram divididos em quatro estágios do desenvolvimento, definidos da seguinte forma: plântulas – indivíduos recém germinados, com apenas uma folha; jovem I – indivíduos que ainda não perfilharam e possuem mais de uma folha; jovem II – indivíduos que já perfilharam, mas ainda não atingiram o estágio reprodutivo; adultos – indivíduos que atingiram o estágio reprodutivo (figura acima). A sistematização e análise dos dados foram feitas no programa Microsoft Excel 2003.

3. Resultados

3.1. Sistema de extração e preparo das folhas para coberturas em geral (Figura 1)

[Figura 1 - Detalhes da extração e preparo das folhas para elaboração de panos para cobertura de edificações]

3.1.1. As folhas são selecionadas dando-se preferência àquelas que não estejam danificadas e que apresentam 3 pares de pinas. Para a coleta, corta-se o pecíolo logo acima da bainha de forma que o mesmo fique com um comprimento superior a 10 cm. Um homem consegue colher até 4 mil folhas em um dia. Na RESEX Chico Mendes os extrativistas costumam cortar o estipe para a retirada das folhas, não existindo ainda uma orientação para que a atividade seja feita observando critérios mínimos de sustentabilidade.

3.1.2. As folhas retiradas são tecidas para a formação do “pano”, que consiste em uma tala, ou eixo, onde os pecíolos das folhas são trançados. Pode-se usar como tala colmos de “canarana” (Gynerium sagitatum. Poaceae), ou a raque da folha da palmeira “jarina” (Phytelephas macrocarpa). O ideal é que a tala meça pelo menos 3 m de comprimento. As folhas são trançados o mais próximo possível umas das outras ao longo da tala. Quando o pano é feito com tala dupla, estas são amarradas a uma distância de 2 cm uma da outra.

3.1.3. O pano possui um tamanho aproximado de 3 m de comprimento por 40 cm de largura e cada um requer entre 360 e 400 folhas. Considerando que cada estipe em uma touceira de ubim apresenta em média 13 folhas passíveis de serem usadas na confecção de panos, estima-se que um pano requer o uso de aproximadamente 30 estipes de ubim.

3.1.4. Em média, um bom “tecedor” de folhas consegue preparar até 6 panos por dia. Em meados de 2007 um pano estava sendo vendido por cerca de R$ 3,00.

3.1.5. Para a montagem dos "panos" na cobertura das edificações, utilizam-se pregos ou cordas. Quanto maior a quantidade de "panos" mais duráveis e impermeáveis serão as coberturas.

3.2. Estrutura populacional

De uma maneira geral, a curva da estrutura populacional da população estudada correspondeu ao “J” invertido, indicando que a mesma apresenta bom potencial de regeneração caso venha a ser submetida à exploração mais intensa das folhas. Isto significa que o número de indivíduos adultos e seu potencial de produção de folhas é bastante promissor, podendo transformar a atividade em mais uma fonte de renda para os extrativistas (Figura 2).


[Figura 2. Estrutura populacional do ubim (Geonoma deversa)]


3.3. Potencial de produção, comercialização e viabilidade econômica da exploração

O levantamento da densidade populacional da espécie no seringal Filipinas encontrou uma média de 1.375 touceiras por hectare. Cada touceira possui entre 4 e 10 estipes, dos quais 50% podem ser aproveitados para a elaboração dos panos usado na cobertura de edificações. Considerando-se que cada estipe possui em média 13 folhas passíveis de coleta, chega-se à conclusão que uma exploração inicial de todos os estipes “comerciais” de ubim da população do Seringal Filipinas resultaria em uma extração aproximada de 62.500 folhas, suficientes para a confecção de 164 panos. Considerando que cada pano pode ser vendido por até R$ 3,00, a renda dos extrativistas que explorassem o ubim no local poderia chegar a R$ 492,00 por hectare.

Mesmo considerando que a extração das folhas requer cerca de 15 dias de trabalho e o preparo dos 164 panos outros 13 dias e meio, ainda assim, a exploração do ubim renderia aproximadamente R$ 17,00/dia de trabalho dos extrativistas, um valor cerca de 50% maior do que o praticado entre os moradores locais que costumam contratar mão-de-obra em base diária.

4. Relação do trabalho com a sustentabilidade

As informações geradas por esse trabalho poderão auxiliar na definição de práticas de exploração extrativistas mais sustentáveis. Além disso, o fato do ubim ser uma espécie nativa do local, ter porte pequeno e habitar o sub-bosque da floresta sugere que a mesma deveria ser objeto de pesquisas para viabilizar a sua inclusão nos desenhos de SAFs planejados para implantação na área da RESEX Chico Mendes pois o potencial econômico da mesma ficou demonstrado neste estudo.

5. Conclusões

A extração das folhas de ubim na RESEX Chico Mendes é feita, na atualidade, de forma aparentemente predatória. Ao contrário do Peru, onde se retiram apenas as folhas, no Acre os extrativistas cortam por completo um ou mais estipes das touceiras, causando efeito negativo na recuperação e desenvolvimento normal das plantas. Apesar disso, o resultado do estudo mostrou que a estabilidade populacional da espécie parece estar assegurada porque as plantas produzem perfilhos com muita rapidez em razão da baixa intensidade de exploração. Vale ressaltar que um aspecto que torna difícil estimar a dimensão dos efeitos negativos ou positivos do atual sistema de exploração é o grande tamanho da população natural da espécie. Aparentemente, a quantidade de moradores na região onde a palmeira ocorre não é numerosa o suficiente para causar maiores danos à mesma enquanto prevalecer o atual nível de exploração, que atende basicamente o consumo doméstico das famílias.

6. Referências Bibliográficas

Ferreira, E. J. L. Manual das palmeiras do Acre, Brasil. 2005. Disponível em:
http://www.nybg.org/bsci/acre/www1/manual_palmeiras.html. Acesso em: 14 abril de 2009.

Flores, C. F. and Ashton, P. M. S. Harvesting impact and economic value of Geonoma deversa, Arecaceae, an understory palm used for roof thatching in the Peruvian Amazon. Economic Botany 54: 267-277. 2000.

Henderson, A. J. The palms of the amazon. New York: Oxford University Press, 1995. 362p.

Oliveira, T. K.; Bezerra, F. C. S.; Luz, S. A.; Marinho, J. T. S. Composição de espécies arbóreas da regeneração natural em sistemas agroflorestais com cafeeiro e seringueira em área de reserva extrativista. Revista Brasileira de Agroecologia 2(2): 681-685. 2007

Rodrigues, F. Q. Composição florística, estrutura e manejo de sistemas agroflorestais no vale do rio Acre, Amazônia, Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre. 2005. 81p.

Zuidema, P. A. & Marinus, J.A.W. Impact of artificial defoliation on ramet and genet demography in a Neotropical understorey palm. In: Zuidema, P. A.: Demography of exploited tree species in the Bolivian Amazon. Ph.D. Dissertation, Universidade de Utrecht, Holanda, 2000. 238p.

(*) Trabalho realizado com apoio financeiro do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA e do Herbário do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre;
(**) Este resumo expandido foi originalmente publicado nos Anais do VII Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais realizado em Luziânia-GO, 22-26 de junho de 2009.