A GRIPE ESPANHOLA NO BRASIL
Gripe espanhola revela meandros da República Velha
Edmilson Silva
Agência Fiocruz de Notícias
A forma como os políticos, os médicos, os farmacêuticos e a população locais se posicionaram frente à doença desconhecida que matou cerca de 30 milhões de pessoas, nos anos de 1918 e 1919, estrutura o livro A gripe espanhola na Bahia – saúde, política e medicina em tempos de epidemia, de Christiane Maria Cruz de Souza, lançado, em conjunto, pelas editoras Fiocruz e da Universidade Federal da Bahia (Edufba). Ao analisar os diversos aspectos relacionados à gripe que matou o presidente Rodrigues Alves, em janeiro de 1919, antes mesmo de tomar posse, a autora produziu “um belo e inédito mosaico”, a partir das fontes documentais mais diversificadas para fundamentar a pesquisa sobre o enfrentamento do vírus influenza, segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, Gilberto Hochman.
Orientador da tese e autor do prefácio do livro que dela resultou, Hochman exalta “o delicado artesanato” na produção da narrativa que, para ele, é capaz de provocar o interesse, a surpresa e até mesmo a compaixão pelos que sofrem nos tempos de epidemia. “Se nos mostra com brilhantismo e angústia as cores e dores da chegada, da passagem e do término da gripe espanhola em terras baianas, Christiane também nos revela, de modo arguto, inúmeras facetas da sociedade, da política e da saúde na Bahia por meio da dança mortal”, diz Hochman. Segundo o historiador, além de permitir compreender as especificidades locais da chamada República Velha naquele estado brasileiro, o livro faz comparações e possibilita compreender a epidemia na Bahia em perspectiva global. Ainda mais em meados de 2009, quando a pandemia pelo vírus da influenza A (H1N1) começa a perder força no Hemisfério Sul, de acordo com especialistas, mas fala-se também sobre a possibilidade de futura ocorrência de novo repique da pandemia.
A complexidade e a desigualdade da sociedade baiana, reveladas pela crise epidêmica, servem de mola-mestra ao trabalho de Christiane, que se volta não apenas para a Salvador daquele período tumultuado por disputas políticas, crise financeira do estado, greves de professores e de operários, mas também para o Recôncavo e os sertões baianos. Tempo em que a carestia, a corrosão salarial, o desemprego e a crise de moradia contribuíam para alargar o espectro da pobreza, favorecendo a ação de doenças como a tuberculose, a gripe, a varíola, a febre amarela, a malária e a peste bubônica. Período em que as elites nacionais estavam mobilizadas em torno do saneamento das áreas urbanas e rurais do Brasil e em que se procurava formar uma rede de assistência pública à saúde. Ações que, segundo a autora, a irrupção da gripe espanhola veio evidenciar o caráter incipiente.
Devido às condições de moradia dos mais pobres na Salvador dos porões, sobrelojas, casas de cômodo e cortiços, além do quase desconhecimento do agente etiológico da doença, a gripe espanhola, mesmo não fazendo o mesmo número de vítimas que em São Paulo e no Rio de Janeiro, atingiu, em três meses, aproximadamente um terço dos moradores da capital baiana. As autoridades, que, a princípio procuraram negar a gravidade da doença, passaram a aconselhar, pela imprensa, a adoção de medidas de prevenção, tais como evitar o convívio em locais de aglomeração.
Conhecido por sua religiosidade, o povo baiano, por sua vez, recorria aos vários espectros do sagrado. “A tensão desencadeada pela crise epidêmica aumentou as expressões de religiosidade – as pessoas buscavam na religião explicação e consolo para o castigo da doença. As missas, romarias, adoração de imagens e os ‘beija-pés’ dos santos, entre outros ritos católicos, eram realizados no intuito de suplicar a misericórdia divina. Os rituais reuniam muitos fiéis, ainda que tal confluência de indivíduos nos espaços confinados das igrejas fosse desaconselhada pelas autoridades sanitárias. Os fiéis estavam tão seguros da proteção divina no espaço sagrado das igrejas que não temiam o risco de contaminação”, conta Christiane no livro.
Mesmo tendo sua prática proibida, na década em que o Catolicismo era tido como manifestação religiosa superior, os candomblés de Salvador “atraíam pessoas de diversas camadas da sociedade, em busca do auxílio das forças sobrenaturais para vencer aquele período de dificuldades”, de acordo com a autora. O fervor religioso, entretanto, não impediu o adiamento, sem data prevista, da festa de Nossa Senhora de Sant’Anna, padroeira de Feira de Santana, em virtude do mau estado sanitário dos feirenses.
O relato de Christiane contempla desde as disputas políticas acirradas sobre as mazelas da “peste da guerra” – nominação que a gripe espanhola recebeu por conta da proximidade do final da Primeira Guerra Mundial – até a incorporação que o comércio passou a fazer, a fim de melhorar as vendas de alguns produtos, tais como uma marca de conhaque e uma emulsão feita a partir do fígado de bacalhau. A autora também não deixa de lado aspectos pitorescos relacionados ao enfrentamento da epidemia, como o alerta, em forma de nota, da ocorrência de uma “influenzafobia”, que o médico Plácido Barbosa publicou no jornal O Imparcial, logo no começo da epidemia, em 24 de outubro de 1918, e as estratégias utilizadas pelas autoridades sanitárias, o que incluía a obrigatoriedade de os “hespanholados” não procurarem pessoalmente os médicos, mas solicitarem a visita destes ao domicílio. A forma como esse trâmite, de finalidade preventiva, se deu e outras mudanças introduzidas na vida baiana por conta da influenza também estão no livro.
Serviço:
A gripe espanhola na Bahia – saúde, política e medicina em tempos de epidemia
Christiane Maria Cruz de Souza
372 p.
R$ 48,00
Coleção História e Saúde
Editora Fiocruz
Edmilson Silva
Agência Fiocruz de Notícias
A forma como os políticos, os médicos, os farmacêuticos e a população locais se posicionaram frente à doença desconhecida que matou cerca de 30 milhões de pessoas, nos anos de 1918 e 1919, estrutura o livro A gripe espanhola na Bahia – saúde, política e medicina em tempos de epidemia, de Christiane Maria Cruz de Souza, lançado, em conjunto, pelas editoras Fiocruz e da Universidade Federal da Bahia (Edufba). Ao analisar os diversos aspectos relacionados à gripe que matou o presidente Rodrigues Alves, em janeiro de 1919, antes mesmo de tomar posse, a autora produziu “um belo e inédito mosaico”, a partir das fontes documentais mais diversificadas para fundamentar a pesquisa sobre o enfrentamento do vírus influenza, segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, Gilberto Hochman.
Orientador da tese e autor do prefácio do livro que dela resultou, Hochman exalta “o delicado artesanato” na produção da narrativa que, para ele, é capaz de provocar o interesse, a surpresa e até mesmo a compaixão pelos que sofrem nos tempos de epidemia. “Se nos mostra com brilhantismo e angústia as cores e dores da chegada, da passagem e do término da gripe espanhola em terras baianas, Christiane também nos revela, de modo arguto, inúmeras facetas da sociedade, da política e da saúde na Bahia por meio da dança mortal”, diz Hochman. Segundo o historiador, além de permitir compreender as especificidades locais da chamada República Velha naquele estado brasileiro, o livro faz comparações e possibilita compreender a epidemia na Bahia em perspectiva global. Ainda mais em meados de 2009, quando a pandemia pelo vírus da influenza A (H1N1) começa a perder força no Hemisfério Sul, de acordo com especialistas, mas fala-se também sobre a possibilidade de futura ocorrência de novo repique da pandemia.
A complexidade e a desigualdade da sociedade baiana, reveladas pela crise epidêmica, servem de mola-mestra ao trabalho de Christiane, que se volta não apenas para a Salvador daquele período tumultuado por disputas políticas, crise financeira do estado, greves de professores e de operários, mas também para o Recôncavo e os sertões baianos. Tempo em que a carestia, a corrosão salarial, o desemprego e a crise de moradia contribuíam para alargar o espectro da pobreza, favorecendo a ação de doenças como a tuberculose, a gripe, a varíola, a febre amarela, a malária e a peste bubônica. Período em que as elites nacionais estavam mobilizadas em torno do saneamento das áreas urbanas e rurais do Brasil e em que se procurava formar uma rede de assistência pública à saúde. Ações que, segundo a autora, a irrupção da gripe espanhola veio evidenciar o caráter incipiente.
Devido às condições de moradia dos mais pobres na Salvador dos porões, sobrelojas, casas de cômodo e cortiços, além do quase desconhecimento do agente etiológico da doença, a gripe espanhola, mesmo não fazendo o mesmo número de vítimas que em São Paulo e no Rio de Janeiro, atingiu, em três meses, aproximadamente um terço dos moradores da capital baiana. As autoridades, que, a princípio procuraram negar a gravidade da doença, passaram a aconselhar, pela imprensa, a adoção de medidas de prevenção, tais como evitar o convívio em locais de aglomeração.
Conhecido por sua religiosidade, o povo baiano, por sua vez, recorria aos vários espectros do sagrado. “A tensão desencadeada pela crise epidêmica aumentou as expressões de religiosidade – as pessoas buscavam na religião explicação e consolo para o castigo da doença. As missas, romarias, adoração de imagens e os ‘beija-pés’ dos santos, entre outros ritos católicos, eram realizados no intuito de suplicar a misericórdia divina. Os rituais reuniam muitos fiéis, ainda que tal confluência de indivíduos nos espaços confinados das igrejas fosse desaconselhada pelas autoridades sanitárias. Os fiéis estavam tão seguros da proteção divina no espaço sagrado das igrejas que não temiam o risco de contaminação”, conta Christiane no livro.
Mesmo tendo sua prática proibida, na década em que o Catolicismo era tido como manifestação religiosa superior, os candomblés de Salvador “atraíam pessoas de diversas camadas da sociedade, em busca do auxílio das forças sobrenaturais para vencer aquele período de dificuldades”, de acordo com a autora. O fervor religioso, entretanto, não impediu o adiamento, sem data prevista, da festa de Nossa Senhora de Sant’Anna, padroeira de Feira de Santana, em virtude do mau estado sanitário dos feirenses.
O relato de Christiane contempla desde as disputas políticas acirradas sobre as mazelas da “peste da guerra” – nominação que a gripe espanhola recebeu por conta da proximidade do final da Primeira Guerra Mundial – até a incorporação que o comércio passou a fazer, a fim de melhorar as vendas de alguns produtos, tais como uma marca de conhaque e uma emulsão feita a partir do fígado de bacalhau. A autora também não deixa de lado aspectos pitorescos relacionados ao enfrentamento da epidemia, como o alerta, em forma de nota, da ocorrência de uma “influenzafobia”, que o médico Plácido Barbosa publicou no jornal O Imparcial, logo no começo da epidemia, em 24 de outubro de 1918, e as estratégias utilizadas pelas autoridades sanitárias, o que incluía a obrigatoriedade de os “hespanholados” não procurarem pessoalmente os médicos, mas solicitarem a visita destes ao domicílio. A forma como esse trâmite, de finalidade preventiva, se deu e outras mudanças introduzidas na vida baiana por conta da influenza também estão no livro.
Serviço:
A gripe espanhola na Bahia – saúde, política e medicina em tempos de epidemia
Christiane Maria Cruz de Souza
372 p.
R$ 48,00
Coleção História e Saúde
Editora Fiocruz
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