RODOVIAS, FERROVIAS OU HIDROVIAS NA AMAZÔNIA?
"O prazo de retorno do investimento em rodovia na Amazônia é de 14 anos; em ferrovia, de nove anos; e em hidrovia, de três anos. A emissão de carbono em rodovia é oito vezes maior do que em hidrovia. É preciso 200 carretas para transportar a carga de seis barcaças..."
Novos caminhos
Miriam Leitão
Jornal O Globo
O prazo de retorno do investimento em rodovia na Amazônia é de 14 anos; em ferrovia, de nove anos; e em hidrovia, de três anos. A emissão de carbono em rodovia é oito vezes maior do que em hidrovia. É preciso 200 carretas para transportar a carga de seis barcaças. Por um estudo do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain), do ponto de vista econômico e ambiental, o rodoviarismo do PAC não faz sentido.
É preciso pensar em outros modais, e incluir a conta ambiental antes das decisões, explica o professor Paulo Fernando Fleury, da equipe que preparou o estudo para um seminário do instituto, em setembro. Na Amazônia, em vez de pensar sempre em rodovias, o governo deveria comparar outros meios de transporte.
O estudo compara as possibilidades de se chegar ao Porto de Santarém, que de acordo com a projeção sobre o escoamento futuro da soja é bastante competitivo. Uma possibilidade seria uma ferrovia de 1.650 quilômetros, ligando Sinop, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Outra possibilidade seria viabilizar a movimentação da soja pela hidrovia Teles Pires-Tapajós. A hipótese rodoviária seria a BR-163, cuja pavimentação é prevista no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O Porto de Santarém tem um terminal com capacidade de armazenamento de 60 mil toneladas e sua ampliação está temporariamente suspensa por razões ambientais.
O mais interessante do estudo é que quando ele simula os outros modais é possível ter uma noção do que o governo deveria fazer, e não faz, nas obras que impõe ao país: não compara alternativas numa avaliação mais ampla de custo e retorno. Normalmente, se vê apenas o investimento inicial. Ele, de fato, é menor na hipótese rodoviária. Seria de R$ 1,55 bilhão o investimento necessário para acabar de pavimentar a BR-163; na ferrovia projetada, o custo seria de R$ 4,15 bilhões; na hidrovia, R$ 2,9 bilhões.
Num primeiro olhar, parece que o custo da rodovia é mais baixo, mas o estudo do Ilos foi adiante. Viu a manutenção, por exemplo. Numa rodovia, ela teria que ser feita a cada nove anos; numa ferrovia, após 20 anos; e numa hidrovia, a cada 30 anos. O prazo para retorno do investimento seria de 14 anos na rodovia, nove anos na ferrovia e três anos na hidrovia. O custo do transporte seria de R$ 94,7 por tonelada a cada 1.000 quilômetros na rodovia; R$ 56,9, na ferrovia; R$ 42, na hidrovia. O que, na rodovia, exigiria 200 carretas para transportar pode ser levado em um trem de 77 vagões ou um comboio de seis barcaças.
O estudo mostra que, apesar de uma rodovia na Amazônia exigir um investimento menor inicial, ela tem um custo maior de manutenção, um frete mais caro, transporta menos e polui muito mais. Isso, sem considerar outros custos ambientais, como o incentivo ao desmatamento que uma rodovia na Amazônia produz. O estudo calcula que só no combustível queimado no transporte, a emissão de carbono numa rodovia é oito vezes maior do que numa hidrovia, e numa ferrovia é 1,7 vezes maior do que na hidrovia.
— O consumo de diesel da ferrovia seria quase duas vezes o da hidrovia, o consumo de diesel da rodovia seria cerca de 17 vezes o da hidrovia — diz Fleury.
O objetivo do estudo é imaginar o futuro do escoamento da soja, levando-se em conta que haverá maior adensamento da produção da soja no interior do país, que precisará chegar aos portos. Em 2007, foram produzidas 29 milhões de toneladas de soja para exportação; em 2020, a projeção indica que o país estará produzindo 59 milhões de toneladas: duas vezes mais. Em todos os cenários, os portos de Santarém e Paranaguá “apresentam elevado potencial de crescimento na movimentação da soja”. Pelo estudo, “com infraestrutura adequada e otimização logística de exportação de soja é possível reduzir em até 9,5% os custos atuais”.
Fleury diz que como o aumento da produção será grande — 30 milhões de toneladas — todos os portos podem ter aumento de volume, mas alguns são bem mais competitivos do que outros. As obras têm que ser previstas dentro dessa visão integrada que busca o mais eficiente do ponto de vista logístico. Do contrário, o governo acaba dispersando recursos.
A falta de avaliação mais ampla do que seja custo faz o governo optar preferencialmente por rodovias na Amazônia, que são mais caras quando se avalia outros itens de custo; incentivam o desmatamento; e aumentam as emissões de gases de efeito estufa que serão cada vez mais uma restrição para as empresas e para os países.
Dias atrás, grandes empresas e entidades do país assinaram uma carta se comprometendo a medir anualmente tudo o que emitem de gases de efeito estufa, na sua atividade produtiva; o inventário de emissões. E se comprometem a reduzir essas emissões. Isso seria mais fácil se, num programa como o PAC, fosse considerada a variável ambiental. Com ela, aumentaria a competitividade de obras que viabilizassem modais menos poluentes. As empresas não assumem esse compromisso apenas para ficar bem na foto do ambientalmente correto, mas porque no futuro o carbono será taxado, e as exportadoras serão cobradas pelos seus clientes no mundo desenvolvido sobre o grau de emissão das suas atividades produtivas.
O governo reage às cobranças dos órgãos ambientais às obras do PAC na Amazônia como se fossem barreiras ao crescimento. Se tivesse uma visão mais abrangente poderia concluir que o meio ambiente é o indispensável aliado do novo desenvolvimento, e a variável que falta nas suas equações.
Novos caminhos
Miriam Leitão
Jornal O Globo
O prazo de retorno do investimento em rodovia na Amazônia é de 14 anos; em ferrovia, de nove anos; e em hidrovia, de três anos. A emissão de carbono em rodovia é oito vezes maior do que em hidrovia. É preciso 200 carretas para transportar a carga de seis barcaças. Por um estudo do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain), do ponto de vista econômico e ambiental, o rodoviarismo do PAC não faz sentido.
É preciso pensar em outros modais, e incluir a conta ambiental antes das decisões, explica o professor Paulo Fernando Fleury, da equipe que preparou o estudo para um seminário do instituto, em setembro. Na Amazônia, em vez de pensar sempre em rodovias, o governo deveria comparar outros meios de transporte.
O estudo compara as possibilidades de se chegar ao Porto de Santarém, que de acordo com a projeção sobre o escoamento futuro da soja é bastante competitivo. Uma possibilidade seria uma ferrovia de 1.650 quilômetros, ligando Sinop, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Outra possibilidade seria viabilizar a movimentação da soja pela hidrovia Teles Pires-Tapajós. A hipótese rodoviária seria a BR-163, cuja pavimentação é prevista no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O Porto de Santarém tem um terminal com capacidade de armazenamento de 60 mil toneladas e sua ampliação está temporariamente suspensa por razões ambientais.
O mais interessante do estudo é que quando ele simula os outros modais é possível ter uma noção do que o governo deveria fazer, e não faz, nas obras que impõe ao país: não compara alternativas numa avaliação mais ampla de custo e retorno. Normalmente, se vê apenas o investimento inicial. Ele, de fato, é menor na hipótese rodoviária. Seria de R$ 1,55 bilhão o investimento necessário para acabar de pavimentar a BR-163; na ferrovia projetada, o custo seria de R$ 4,15 bilhões; na hidrovia, R$ 2,9 bilhões.
Num primeiro olhar, parece que o custo da rodovia é mais baixo, mas o estudo do Ilos foi adiante. Viu a manutenção, por exemplo. Numa rodovia, ela teria que ser feita a cada nove anos; numa ferrovia, após 20 anos; e numa hidrovia, a cada 30 anos. O prazo para retorno do investimento seria de 14 anos na rodovia, nove anos na ferrovia e três anos na hidrovia. O custo do transporte seria de R$ 94,7 por tonelada a cada 1.000 quilômetros na rodovia; R$ 56,9, na ferrovia; R$ 42, na hidrovia. O que, na rodovia, exigiria 200 carretas para transportar pode ser levado em um trem de 77 vagões ou um comboio de seis barcaças.
O estudo mostra que, apesar de uma rodovia na Amazônia exigir um investimento menor inicial, ela tem um custo maior de manutenção, um frete mais caro, transporta menos e polui muito mais. Isso, sem considerar outros custos ambientais, como o incentivo ao desmatamento que uma rodovia na Amazônia produz. O estudo calcula que só no combustível queimado no transporte, a emissão de carbono numa rodovia é oito vezes maior do que numa hidrovia, e numa ferrovia é 1,7 vezes maior do que na hidrovia.
— O consumo de diesel da ferrovia seria quase duas vezes o da hidrovia, o consumo de diesel da rodovia seria cerca de 17 vezes o da hidrovia — diz Fleury.
O objetivo do estudo é imaginar o futuro do escoamento da soja, levando-se em conta que haverá maior adensamento da produção da soja no interior do país, que precisará chegar aos portos. Em 2007, foram produzidas 29 milhões de toneladas de soja para exportação; em 2020, a projeção indica que o país estará produzindo 59 milhões de toneladas: duas vezes mais. Em todos os cenários, os portos de Santarém e Paranaguá “apresentam elevado potencial de crescimento na movimentação da soja”. Pelo estudo, “com infraestrutura adequada e otimização logística de exportação de soja é possível reduzir em até 9,5% os custos atuais”.
Fleury diz que como o aumento da produção será grande — 30 milhões de toneladas — todos os portos podem ter aumento de volume, mas alguns são bem mais competitivos do que outros. As obras têm que ser previstas dentro dessa visão integrada que busca o mais eficiente do ponto de vista logístico. Do contrário, o governo acaba dispersando recursos.
A falta de avaliação mais ampla do que seja custo faz o governo optar preferencialmente por rodovias na Amazônia, que são mais caras quando se avalia outros itens de custo; incentivam o desmatamento; e aumentam as emissões de gases de efeito estufa que serão cada vez mais uma restrição para as empresas e para os países.
Dias atrás, grandes empresas e entidades do país assinaram uma carta se comprometendo a medir anualmente tudo o que emitem de gases de efeito estufa, na sua atividade produtiva; o inventário de emissões. E se comprometem a reduzir essas emissões. Isso seria mais fácil se, num programa como o PAC, fosse considerada a variável ambiental. Com ela, aumentaria a competitividade de obras que viabilizassem modais menos poluentes. As empresas não assumem esse compromisso apenas para ficar bem na foto do ambientalmente correto, mas porque no futuro o carbono será taxado, e as exportadoras serão cobradas pelos seus clientes no mundo desenvolvido sobre o grau de emissão das suas atividades produtivas.
O governo reage às cobranças dos órgãos ambientais às obras do PAC na Amazônia como se fossem barreiras ao crescimento. Se tivesse uma visão mais abrangente poderia concluir que o meio ambiente é o indispensável aliado do novo desenvolvimento, e a variável que falta nas suas equações.
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