DIREITOS AUTORAIS E O CONSUMIDOR NA ERA DIGITAL
Artigo propõe debate sobre as causas da pirataria, o interesse da população e a propriedade intelectual
Ronaldo Lemos
Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
Ciência Hoje Online
Quase sempre o debate sobre a pirataria acaba batendo na mesma tecla – a necessidade de maior repressão para inibir sua disseminação. No entanto, só uma discussão séria sobre as causas econômicas, o interesse dos consumidores e a propriedade intelectual poderá reverter essa situação.
Ao final da década de 1950, Fritz Machlup, economista austríaco radicado nos Estados Unidos, afirmava que certas dimensões da propriedade intelectual representavam “a vitória dos advogados contra os economistas”. Tal opinião ilustra a dificuldade de comunicação entre o direito e outras ciências sociais no sentido de se fazer necessário um debate mais amplo sobre o papel da propriedade intelectual em relação ao desenvolvimento econômico e, em consequência, à questão da pirataria.
O debate sobre pirataria no Brasil concentra-se, sobretudo, nos aspectos punitivos e repressivos, incluindo demandas por maior atuação policial e mudanças na lei para aumento de penas, enquanto praticamente ignora aspectos econômicos diretamente ligados à questão. Mesmo que o aparato repressivo seja ampliado significativamente, o que pressupõe investimento público vultoso, o problema da pirataria vai persistir se os modelos de negócio tradicionais não forem revistos e as causas econômicas mitigadas.
Um sintoma de que a discussão começa a se ampliar é a cada vez maior interlocução de entidades representando os interesses dos consumidores em todo o mundo. No Brasil, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) tem se manifestado sobre temas envolvendo modelos de negócio e propriedade intelectual, a partir da constatação de que estes afetam diretamente o interesse dos consumidores, grupo que se achava alijado da discussão no país.
Ao constatar que a visão do consumidor é fundamental, é preciso entender quais são os interesses desse grupo, especialmente em face da tecnologia digital e da internet. Sem a compreensão da visão do consumidor, o debate sobre a pirataria corre o risco de permanecer estacionado no binômio repressão e ineficácia. É preciso que pelo menos cinco aspectos sejam contemplados para se obter uma visão mais clara e eficiente sobre a economia dos bens intelectuais, aspectos que enfocaremos a seguir.
Preço
O preço de bens intelectuais, não só no Brasil, mas na maior parte dos países em desenvolvimento, mostra-se incompatível com os níveis de renda locais. Fatores como a pouca escala de produção aliados a uma carga tributária alta ajudam a agravar a situação. Vários bens culturais, como CDs e DVDs foram por muito tempo vendidos no Brasil a preços idênticos aos praticados nos Estados Unidos, apesar da disparidade de poder aquisitivo entre os dois países. Ainda hoje, a maioria das lojas digitais de música no Brasil apresenta preços similares aos do iTunes, loja da Apple, líder de mercado, cobrando os mesmos 99 centavos de dólar por faixa ou até mais.
Em caso de vendas on-line, a falta de escala não justifica o preço elevado, e mesmo parte significativa da carga tributária acaba não incidindo, o que leva a crer que outros fatores contribuam para uma formação de preços equivocada. Essa falha de preço pode ser atribuída aos altos custos de transação derivados da complexidade do sistema de propriedade intelectual no Brasil, que encarece o custo de licenciamentos, bem como às exigências dos rentistas (aqueles que vivem do mercado financeiro) presentes ao longo da cadeia, incluindo os intermediários, como gravadoras e editoras, e os operadores das lojas virtuais.
Ronaldo Lemos
Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro
Ciência Hoje Online
Quase sempre o debate sobre a pirataria acaba batendo na mesma tecla – a necessidade de maior repressão para inibir sua disseminação. No entanto, só uma discussão séria sobre as causas econômicas, o interesse dos consumidores e a propriedade intelectual poderá reverter essa situação.
Ao final da década de 1950, Fritz Machlup, economista austríaco radicado nos Estados Unidos, afirmava que certas dimensões da propriedade intelectual representavam “a vitória dos advogados contra os economistas”. Tal opinião ilustra a dificuldade de comunicação entre o direito e outras ciências sociais no sentido de se fazer necessário um debate mais amplo sobre o papel da propriedade intelectual em relação ao desenvolvimento econômico e, em consequência, à questão da pirataria.
O debate sobre pirataria no Brasil concentra-se, sobretudo, nos aspectos punitivos e repressivos, incluindo demandas por maior atuação policial e mudanças na lei para aumento de penas, enquanto praticamente ignora aspectos econômicos diretamente ligados à questão. Mesmo que o aparato repressivo seja ampliado significativamente, o que pressupõe investimento público vultoso, o problema da pirataria vai persistir se os modelos de negócio tradicionais não forem revistos e as causas econômicas mitigadas.
Um sintoma de que a discussão começa a se ampliar é a cada vez maior interlocução de entidades representando os interesses dos consumidores em todo o mundo. No Brasil, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) tem se manifestado sobre temas envolvendo modelos de negócio e propriedade intelectual, a partir da constatação de que estes afetam diretamente o interesse dos consumidores, grupo que se achava alijado da discussão no país.
Ao constatar que a visão do consumidor é fundamental, é preciso entender quais são os interesses desse grupo, especialmente em face da tecnologia digital e da internet. Sem a compreensão da visão do consumidor, o debate sobre a pirataria corre o risco de permanecer estacionado no binômio repressão e ineficácia. É preciso que pelo menos cinco aspectos sejam contemplados para se obter uma visão mais clara e eficiente sobre a economia dos bens intelectuais, aspectos que enfocaremos a seguir.
Preço
O preço de bens intelectuais, não só no Brasil, mas na maior parte dos países em desenvolvimento, mostra-se incompatível com os níveis de renda locais. Fatores como a pouca escala de produção aliados a uma carga tributária alta ajudam a agravar a situação. Vários bens culturais, como CDs e DVDs foram por muito tempo vendidos no Brasil a preços idênticos aos praticados nos Estados Unidos, apesar da disparidade de poder aquisitivo entre os dois países. Ainda hoje, a maioria das lojas digitais de música no Brasil apresenta preços similares aos do iTunes, loja da Apple, líder de mercado, cobrando os mesmos 99 centavos de dólar por faixa ou até mais.
Em caso de vendas on-line, a falta de escala não justifica o preço elevado, e mesmo parte significativa da carga tributária acaba não incidindo, o que leva a crer que outros fatores contribuam para uma formação de preços equivocada. Essa falha de preço pode ser atribuída aos altos custos de transação derivados da complexidade do sistema de propriedade intelectual no Brasil, que encarece o custo de licenciamentos, bem como às exigências dos rentistas (aqueles que vivem do mercado financeiro) presentes ao longo da cadeia, incluindo os intermediários, como gravadoras e editoras, e os operadores das lojas virtuais.
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