30 ANOS DO ASSASSINATO DE SANTOS DIAS DA SILVA
Entrevista com Anízio Batista
IHU Online
Anízio Batista fez parte da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, onde foi companheiro de Santo Dias da Silva, um operário que militava com os trabalhadores desde a década de 1960. Mas Santo não se ateve apenas ao movimento sindical. Como católico, era membro ativo das CEBs e dos movimentos de bairro, onde lutava por transportes, escolas, melhorias nas vilas. Em outubro de 1979, os metalúrgicos iniciaram uma campanha salarial, onde reivindicavam aumento de 83%. Como os patrões não aceitaram, uma assembleia com seis mil trabalhadores foi feita e, então, uma nova greve começou. A Polícia Militar invadiu, nos primeiros dias da paralisação, diversas subsedes de sindicatos, e mais de 150 pessoas foram presas. Ao tentar negociar com trabalhadores e policiais em frente a uma fábrica, um PM atira pelas costas de Santo que morreu a caminho do hospital, no dia 30 de outubro de 1979. “No dia do enterro de Santo Dias, havia mais de 30 mil metalúrgicos participando do ato fúnebre para reconhecer sua importância e a força da oposição sindical metalúrgica”, contou-nos Anízio ao relembrar a morte do companheiro 30 anos depois. A entrevista foi concedida por telefone.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor conheceu Santo Dias e que impressão ele causou em você?
Anízio Batista – Conheci o Santo Dias dentro do movimento da Igreja ligado à Pastoral Operária, às comunidades de base e ao movimento sindical. Foram estas referências que tive ao conviver com o Santo Dias. Nós viemos do interior, somos filhos de lavradores e tivemos uma convivência muito importante, inclusive familiar. Costumávamos nos visitar muito, além das nossas grandes reuniões quase todos os dias e nos finais de semana.
IHU On-Line – Vocês eram militantes da Pastoral Operária. Como o senhor conheceu a Pastoral Operária?
Anízio Batista – Na época da repressão, tínhamos o movimento dentro da Igreja. Com os cristãos socialistas fundamos a Pastoral Operária. Quem deu uma grande força nesta caminhada da formação da Pastoral Operária em São Paulo foi Dom Paulo Evaristo Arns. Aí conheci mais de perto a vida de Santo Dias, mas já tinha conhecimento dele na área sindical, nas comissões de fábrica, nas reuniões da oposição sindical metalúrgica.
IHU On-Line – Vocês eram militantes da oposição sindical metalúrgica. Como faziam o trabalho de base na época, que métodos utilizavam?
Anízio Batista – Éramos militantes da oposição sindical. Como eu, que fui metalúrgico por mais de 30 anos, o Santo também era. Em 1978, ocorreu o primeiro trabalho mais importante do Santo Dias. Dentro do movimento sindical tínhamos um trabalho para derrubar os pelegos de nível nacional, e, em São Paulo, queríamos derrubar o Joaquinzão do comando dos metalúrgicos. Foi aí que encabecei uma chapa dentro de toda nossa discussão fabril, fui presidente, e Santo Dias, o vice. Isso foi decidido em uma convenção bem democrática, muito aberta com as lideranças sindicais. Enfrentamos uma máquina poderosa, a do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, e ganhamos as eleições naquele ano, só que as eleições foram fraudadas. O procurador chegou a anular as eleições, mas, depois, o Ministro do Trabalho, que, naquele tempo, era o Arnaldo Prieto, empossou o Joaquinzão novamente e disse: “Meus amigos, o que passou, passou”. Não conseguimos ganhar e não houve uma nova eleição. Isso foi um trabalho de vários anos que vínhamos desenvolvendo e chegou a esse patamar em 1978. O trabalho de base era feito dentro das
Manifestação da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo
empresas e das fábricas. Formamos comissões de fábrica clandestinas, onde discutíamos os problemas da empresa, como a questão salarial, a melhora na refeição e uma série de mudanças que queríamos fazer na época. Assim como as nossas ações, organizamos comissões para discutir com a empresa, e, na maioria das vezes, fazíamos greve.
Era essa a nossa luta de mudança no movimento sindical. Dentro da Pastoral Operária, requisitávamos a participar da oposição sindical o pessoal que trabalhava conosco nas empresas e todos os operários que participavam dos movimentos da Igreja, nas comunidades de base. Fazíamos muita sindicalização do pessoal que trabalhava nas fábricas e também convidávamos o pessoal quando tínhamos as assembleias do sindicato, onde formávamos as propostas de reivindicação junto ao sindicato e, na maioria das vezes, ganhávamos as propostas contras os pelegos. Essa era uma luta árdua da época que não era tão fácil. Desenvolvemos o trabalho das comissões de fábrica que eram clandestinas, não se podia dizer que havia uma comissão aberta.
IHU On-Line – No dia da morte de Santo, onde o senhor estava? Como ficou sabendo de sua morte e qual foi a sua reação?
Anízio Batista – Na morte de Santo Dias, tínhamos decretado uma greve geral do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, por reivindicação salarial e algumas melhorias de refeição, de CIPAS, reconhecimento de comissões de fábrica. O Santo estava coordenando um bloco fabril na Zona Sul, e eu na Zona Oeste. Tínhamos uma assembleia à noite, estávamos nas greves pela manhã, e tínhamos assembleias por regiões. Dentro delas, decidíamos se íamos continuar a greve ou não. Quando liguei para o pessoal no local que ia acontecer a assembleia na Zona Sul, onde iria me encontrar com eles, fiquei sabendo da morte de Santo Dias. Logo que soube, não acreditei realmente no que tinha acontecido, fiquei duvidoso. Depois veio a confirmação que Santo tinha morrido, e Dom Paulo Evaristo Arns já estava no hospital. A morte dele foi no piquete de uma empresa eletrônica na Zona Sul. Fiquei muito decepcionado e triste por um companheiro morrer em uma luta por direitos do trabalhador.
IHU On-Line – Santo na época já era uma liderança reconhecida pela categoria?
Anízio Batista – Sim. O Santo era reconhecido pela categoria desde 1978, quando encabeçamos a chapa da oposição sindical e tínhamos todo um coletivo sindical dos partidos, então clandestinos. Era reconhecido, assim como outras lideranças, porque em todas as empresas onde trabalhamos, nós fazíamos as comissões de fábrica, as reuniões interfábricas etc. O Santo tinha uma capacidade organizativa muito grande.
IHU On-Line – É verdade que Santo mais ouvia do que falava e que cativava as pessoas pela clareza de sua argumentação?
Anízio Batista – O Santo tinha um dom de falar com os trabalhadores e entender a discussão do lado de lá. Muitas vezes, quem é mais instruído quer avançar numa luta muito mais do que é necessário. O Santo tinha uma capacidade de mostrar aos trabalhadores a importância daquele momento, a importância da reivindicação, da luta, o motivo da greve, porque tínhamos que assumir isso. Ele tinha uma capacidade de convencer realmente os trabalhadores.
IHU On-Line – Em 1978, o senhor foi cabeça de chapa nas eleições para o Sindicato dos Metalúrgicos, e Santo Dias foi indicado como vice. O que aconteceu nessas eleições?
Anízio Batista – Nessas eleições, foi uma guerra basicamente, uma batalha ferrenha, pois a oposição sindical, na época, tinha um trabalho muito enraizado dentro das empresas metalúrgicas de São Paulo, tínhamos um trabalho de coordenação muito planificado. Nessas eleições, por exemplo, não tínhamos o direito de ter um fiscal que acompanhasse as urnas e forçamos a barra. Fomos para o sindicato pela manhã e não deixamos as urnas saírem de lá enquanto não tivéssemos o direito de ter um fiscal junto, e aí foi uma batalha muito grande, briga para lá e para cá, polícia intervindo junto ao sindicato. Foi uma conquista dos trabalhadores, pois quebramos o tabu das fraudes nas eleições, foi muito importante esse trabalho que organizamos em 1978. Talvez a direita do país tinha que eliminar alguém para colocar medo nos trabalhadores. E o Santo, na greve de 1979, era muito reconhecido pela categoria. Podia ter sido o Santo, podia ter sido eu ou qualquer outra liderança, mas Santo Dias acabou sendo baleado na porta da fábrica. Ele não era de fazer enfrentamento com a polícia, ele era um cara de diálogo fosse com quem fosse. Sabendo da movimentação das lideranças, a direita quis eliminar alguém para amedrontar. Mas não foi isso que aconteceu, porque, no dia do enterro de Santo Dias, havia mais de 30 mil metalúrgicos participando do ato fúnebre reconhecendo sua importância e a força da oposição sindical metalúrgica.
IHU On-Line – Em que contexto vocês conheceram Lula que presidia o sindicato dos metalúrgicos do ABC?
Anízio Batista – Eu conheci o Lula antes do Santo, porque trabalhei em São Bernardo do Campo, na mesma empresa que o Lula trabalhava. Nessa época, eu já frequentava o sindicato, e o Lula nem era presidente do sindicato, não tinha uma liderança grande, embora fosse diretor. Ele se projetou a partir de 1975. Eu tive a oportunidade de conhecer o Lula nessa época, trocar muitas ideias e, mesmo quando encabeçamos a chapa em São Paulo, ele veio para as portas de fábrica conosco, dando apoio. Fiz muitas reuniões com ele, na casa dele ou na porta da fábrica. Nós tínhamos um entrosamento muito grande tanto com o Lula quanto com a direção do sindicato de São Bernardo que era muito combativo na época.
IHU On-Line – Os militantes da oposição sindical metalúrgica de São Paulo viam Lula como alguém despolitizado nos anos que antecederam a greve dos metalúrgicos do ABC?
Anízio Batista – Não, não é despolitizado. A questão era partidária. O Lula se projetou mais na área sindical e, na época, o pessoal achava que ele não tinha uma bagagem política partidária. Depois sim, o Lula se despertou para a área política. Na época do movimento sindical combativo, o Lula foi a ponta de lança, não podemos negar isso. Agora, politicamente, ele só se projetou depois de 1980, e aí começou uma outra fase da vida sindical e política do país, com o lançamento do Partido dos Trabalhadores. A partir daí, o Lula teve uma nova projeção. Tudo isso levou os trabalhadores, por exemplo, a chegar a formar um partido que fosse da classe trabalhadora.
IHU On-Line – Como o senhor avalia hoje a pessoa de Lula tendo presente a história de lutas no campo sindical e o seu governo?
Anízio Batista – Antes, tínhamos a visão de que Lula era uma liderança combativa do movimento sindical, como foi dentro do PT. Só que os movimentos sindical, popular e CEBs tiveram uma grande decepção, porque Lula não cumpriu as determinações dos trabalhadores e do próprio partido. Não quer dizer também que o governo foi péssimo. Mas deixou muito a desejar em relação à situação que vivem os trabalhadores.
IHU On-Line – De que maneira a prática de Santo Dias pode iluminar a prática sindical de hoje?
Anízio Batista – Precisamos compreender que a prática sindical de hoje é diferente, pois vivemos num mundo globalizado que levou milhões de trabalhadores a perderem seus empregos em função da modernização das indústrias. O quadro mudou muito. Dentro desse cenário, acho que os sindicatos, mesmo aqueles que estão nas mãos da CUT e outras centrais, deveriam ter os cursos sindicais que tínhamos no passado para preparar os trabalhadores para desenvolver essa prática dentro das empresas. Hoje, não temos, em nenhum sindicato aqui em São Paulo, não sei no sul, cursos para preparar o militante para que ele tenha uma presença para organizar a empresa. A CUT, que já foi uma das pioneiras mais combativas, hoje, para mim, está um lixo, não se formam lideranças. As lideranças do passado se encastelaram no poder. Estão lá há 20, 15 anos, e não querem deixar o poder. Todas as propostas que tínhamos em relação a isto foram derrubadas. A nossa prática do passado, de preparar o trabalhador acabou. Precisamos retomar esse trabalho.
IHU On-Line – Qual é o grande legado de Santo Dias?
Anízio Batista – O grande legado de Santo Dias é o fato de ele ter tido paciência para trabalhar com o ser humano. Além disso, a confiança no operário, as comunidades de base. O grande legado dele é esse.
IHU Online
Anízio Batista fez parte da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, onde foi companheiro de Santo Dias da Silva, um operário que militava com os trabalhadores desde a década de 1960. Mas Santo não se ateve apenas ao movimento sindical. Como católico, era membro ativo das CEBs e dos movimentos de bairro, onde lutava por transportes, escolas, melhorias nas vilas. Em outubro de 1979, os metalúrgicos iniciaram uma campanha salarial, onde reivindicavam aumento de 83%. Como os patrões não aceitaram, uma assembleia com seis mil trabalhadores foi feita e, então, uma nova greve começou. A Polícia Militar invadiu, nos primeiros dias da paralisação, diversas subsedes de sindicatos, e mais de 150 pessoas foram presas. Ao tentar negociar com trabalhadores e policiais em frente a uma fábrica, um PM atira pelas costas de Santo que morreu a caminho do hospital, no dia 30 de outubro de 1979. “No dia do enterro de Santo Dias, havia mais de 30 mil metalúrgicos participando do ato fúnebre para reconhecer sua importância e a força da oposição sindical metalúrgica”, contou-nos Anízio ao relembrar a morte do companheiro 30 anos depois. A entrevista foi concedida por telefone.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor conheceu Santo Dias e que impressão ele causou em você?
Anízio Batista – Conheci o Santo Dias dentro do movimento da Igreja ligado à Pastoral Operária, às comunidades de base e ao movimento sindical. Foram estas referências que tive ao conviver com o Santo Dias. Nós viemos do interior, somos filhos de lavradores e tivemos uma convivência muito importante, inclusive familiar. Costumávamos nos visitar muito, além das nossas grandes reuniões quase todos os dias e nos finais de semana.
IHU On-Line – Vocês eram militantes da Pastoral Operária. Como o senhor conheceu a Pastoral Operária?
Anízio Batista – Na época da repressão, tínhamos o movimento dentro da Igreja. Com os cristãos socialistas fundamos a Pastoral Operária. Quem deu uma grande força nesta caminhada da formação da Pastoral Operária em São Paulo foi Dom Paulo Evaristo Arns. Aí conheci mais de perto a vida de Santo Dias, mas já tinha conhecimento dele na área sindical, nas comissões de fábrica, nas reuniões da oposição sindical metalúrgica.
IHU On-Line – Vocês eram militantes da oposição sindical metalúrgica. Como faziam o trabalho de base na época, que métodos utilizavam?
Anízio Batista – Éramos militantes da oposição sindical. Como eu, que fui metalúrgico por mais de 30 anos, o Santo também era. Em 1978, ocorreu o primeiro trabalho mais importante do Santo Dias. Dentro do movimento sindical tínhamos um trabalho para derrubar os pelegos de nível nacional, e, em São Paulo, queríamos derrubar o Joaquinzão do comando dos metalúrgicos. Foi aí que encabecei uma chapa dentro de toda nossa discussão fabril, fui presidente, e Santo Dias, o vice. Isso foi decidido em uma convenção bem democrática, muito aberta com as lideranças sindicais. Enfrentamos uma máquina poderosa, a do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, e ganhamos as eleições naquele ano, só que as eleições foram fraudadas. O procurador chegou a anular as eleições, mas, depois, o Ministro do Trabalho, que, naquele tempo, era o Arnaldo Prieto, empossou o Joaquinzão novamente e disse: “Meus amigos, o que passou, passou”. Não conseguimos ganhar e não houve uma nova eleição. Isso foi um trabalho de vários anos que vínhamos desenvolvendo e chegou a esse patamar em 1978. O trabalho de base era feito dentro das
Manifestação da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo
empresas e das fábricas. Formamos comissões de fábrica clandestinas, onde discutíamos os problemas da empresa, como a questão salarial, a melhora na refeição e uma série de mudanças que queríamos fazer na época. Assim como as nossas ações, organizamos comissões para discutir com a empresa, e, na maioria das vezes, fazíamos greve.
Era essa a nossa luta de mudança no movimento sindical. Dentro da Pastoral Operária, requisitávamos a participar da oposição sindical o pessoal que trabalhava conosco nas empresas e todos os operários que participavam dos movimentos da Igreja, nas comunidades de base. Fazíamos muita sindicalização do pessoal que trabalhava nas fábricas e também convidávamos o pessoal quando tínhamos as assembleias do sindicato, onde formávamos as propostas de reivindicação junto ao sindicato e, na maioria das vezes, ganhávamos as propostas contras os pelegos. Essa era uma luta árdua da época que não era tão fácil. Desenvolvemos o trabalho das comissões de fábrica que eram clandestinas, não se podia dizer que havia uma comissão aberta.
IHU On-Line – No dia da morte de Santo, onde o senhor estava? Como ficou sabendo de sua morte e qual foi a sua reação?
Anízio Batista – Na morte de Santo Dias, tínhamos decretado uma greve geral do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, por reivindicação salarial e algumas melhorias de refeição, de CIPAS, reconhecimento de comissões de fábrica. O Santo estava coordenando um bloco fabril na Zona Sul, e eu na Zona Oeste. Tínhamos uma assembleia à noite, estávamos nas greves pela manhã, e tínhamos assembleias por regiões. Dentro delas, decidíamos se íamos continuar a greve ou não. Quando liguei para o pessoal no local que ia acontecer a assembleia na Zona Sul, onde iria me encontrar com eles, fiquei sabendo da morte de Santo Dias. Logo que soube, não acreditei realmente no que tinha acontecido, fiquei duvidoso. Depois veio a confirmação que Santo tinha morrido, e Dom Paulo Evaristo Arns já estava no hospital. A morte dele foi no piquete de uma empresa eletrônica na Zona Sul. Fiquei muito decepcionado e triste por um companheiro morrer em uma luta por direitos do trabalhador.
IHU On-Line – Santo na época já era uma liderança reconhecida pela categoria?
Anízio Batista – Sim. O Santo era reconhecido pela categoria desde 1978, quando encabeçamos a chapa da oposição sindical e tínhamos todo um coletivo sindical dos partidos, então clandestinos. Era reconhecido, assim como outras lideranças, porque em todas as empresas onde trabalhamos, nós fazíamos as comissões de fábrica, as reuniões interfábricas etc. O Santo tinha uma capacidade organizativa muito grande.
IHU On-Line – É verdade que Santo mais ouvia do que falava e que cativava as pessoas pela clareza de sua argumentação?
Anízio Batista – O Santo tinha um dom de falar com os trabalhadores e entender a discussão do lado de lá. Muitas vezes, quem é mais instruído quer avançar numa luta muito mais do que é necessário. O Santo tinha uma capacidade de mostrar aos trabalhadores a importância daquele momento, a importância da reivindicação, da luta, o motivo da greve, porque tínhamos que assumir isso. Ele tinha uma capacidade de convencer realmente os trabalhadores.
IHU On-Line – Em 1978, o senhor foi cabeça de chapa nas eleições para o Sindicato dos Metalúrgicos, e Santo Dias foi indicado como vice. O que aconteceu nessas eleições?
Anízio Batista – Nessas eleições, foi uma guerra basicamente, uma batalha ferrenha, pois a oposição sindical, na época, tinha um trabalho muito enraizado dentro das empresas metalúrgicas de São Paulo, tínhamos um trabalho de coordenação muito planificado. Nessas eleições, por exemplo, não tínhamos o direito de ter um fiscal que acompanhasse as urnas e forçamos a barra. Fomos para o sindicato pela manhã e não deixamos as urnas saírem de lá enquanto não tivéssemos o direito de ter um fiscal junto, e aí foi uma batalha muito grande, briga para lá e para cá, polícia intervindo junto ao sindicato. Foi uma conquista dos trabalhadores, pois quebramos o tabu das fraudes nas eleições, foi muito importante esse trabalho que organizamos em 1978. Talvez a direita do país tinha que eliminar alguém para colocar medo nos trabalhadores. E o Santo, na greve de 1979, era muito reconhecido pela categoria. Podia ter sido o Santo, podia ter sido eu ou qualquer outra liderança, mas Santo Dias acabou sendo baleado na porta da fábrica. Ele não era de fazer enfrentamento com a polícia, ele era um cara de diálogo fosse com quem fosse. Sabendo da movimentação das lideranças, a direita quis eliminar alguém para amedrontar. Mas não foi isso que aconteceu, porque, no dia do enterro de Santo Dias, havia mais de 30 mil metalúrgicos participando do ato fúnebre reconhecendo sua importância e a força da oposição sindical metalúrgica.
IHU On-Line – Em que contexto vocês conheceram Lula que presidia o sindicato dos metalúrgicos do ABC?
Anízio Batista – Eu conheci o Lula antes do Santo, porque trabalhei em São Bernardo do Campo, na mesma empresa que o Lula trabalhava. Nessa época, eu já frequentava o sindicato, e o Lula nem era presidente do sindicato, não tinha uma liderança grande, embora fosse diretor. Ele se projetou a partir de 1975. Eu tive a oportunidade de conhecer o Lula nessa época, trocar muitas ideias e, mesmo quando encabeçamos a chapa em São Paulo, ele veio para as portas de fábrica conosco, dando apoio. Fiz muitas reuniões com ele, na casa dele ou na porta da fábrica. Nós tínhamos um entrosamento muito grande tanto com o Lula quanto com a direção do sindicato de São Bernardo que era muito combativo na época.
IHU On-Line – Os militantes da oposição sindical metalúrgica de São Paulo viam Lula como alguém despolitizado nos anos que antecederam a greve dos metalúrgicos do ABC?
Anízio Batista – Não, não é despolitizado. A questão era partidária. O Lula se projetou mais na área sindical e, na época, o pessoal achava que ele não tinha uma bagagem política partidária. Depois sim, o Lula se despertou para a área política. Na época do movimento sindical combativo, o Lula foi a ponta de lança, não podemos negar isso. Agora, politicamente, ele só se projetou depois de 1980, e aí começou uma outra fase da vida sindical e política do país, com o lançamento do Partido dos Trabalhadores. A partir daí, o Lula teve uma nova projeção. Tudo isso levou os trabalhadores, por exemplo, a chegar a formar um partido que fosse da classe trabalhadora.
IHU On-Line – Como o senhor avalia hoje a pessoa de Lula tendo presente a história de lutas no campo sindical e o seu governo?
Anízio Batista – Antes, tínhamos a visão de que Lula era uma liderança combativa do movimento sindical, como foi dentro do PT. Só que os movimentos sindical, popular e CEBs tiveram uma grande decepção, porque Lula não cumpriu as determinações dos trabalhadores e do próprio partido. Não quer dizer também que o governo foi péssimo. Mas deixou muito a desejar em relação à situação que vivem os trabalhadores.
IHU On-Line – De que maneira a prática de Santo Dias pode iluminar a prática sindical de hoje?
Anízio Batista – Precisamos compreender que a prática sindical de hoje é diferente, pois vivemos num mundo globalizado que levou milhões de trabalhadores a perderem seus empregos em função da modernização das indústrias. O quadro mudou muito. Dentro desse cenário, acho que os sindicatos, mesmo aqueles que estão nas mãos da CUT e outras centrais, deveriam ter os cursos sindicais que tínhamos no passado para preparar os trabalhadores para desenvolver essa prática dentro das empresas. Hoje, não temos, em nenhum sindicato aqui em São Paulo, não sei no sul, cursos para preparar o militante para que ele tenha uma presença para organizar a empresa. A CUT, que já foi uma das pioneiras mais combativas, hoje, para mim, está um lixo, não se formam lideranças. As lideranças do passado se encastelaram no poder. Estão lá há 20, 15 anos, e não querem deixar o poder. Todas as propostas que tínhamos em relação a isto foram derrubadas. A nossa prática do passado, de preparar o trabalhador acabou. Precisamos retomar esse trabalho.
IHU On-Line – Qual é o grande legado de Santo Dias?
Anízio Batista – O grande legado de Santo Dias é o fato de ele ter tido paciência para trabalhar com o ser humano. Além disso, a confiança no operário, as comunidades de base. O grande legado dele é esse.
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