DILMA ROUSSEFF CANDIDATA A PRESIDENTE
Filha de pai búlgaro e mãe mineira, Dilma faz o estilo "gerentona": é implacável com os subordinados, cobra prazos e resultados e quer tudo pronto "para ontem". "O presidente não dá bronca em ninguém. Ele fala para a Dilminha. Aí ela vai lá e resolve"
'Cristã nova' no PT, Dilma fura fila no partido
Vera Rosa
O Estado de S.Paulo, 21/02/2010
A mulher escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como sua herdeira política atravessou o caminho do PMDB, que hoje tenta conquistar, na transição de governo, em 2002. Foi no fim daquele ano que Lula, então presidente eleito, desfez um acordo para dar ao PMDB o Ministério de Minas e Energia, entre outros cargos, e anunciou que o comando da pasta ficaria com Dilma Vana Rousseff.
Estava selado ali o destino da ex-guerrilheira que encantou Lula, furou a fila do PT na disputa pela cadeira do chefe e, anos depois, viu personagens da mesma história se cruzarem na cena política. Em 2005, Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil e, na cerimônia de transmissão do cargo, foi chamada por ele de "companheira de armas e de lutas".
Abatido pelo escândalo do mensalão, Dirceu foi o homem que, na direção do PT, fechou o acordo com o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), para entregar ministérios ao partido em troca do apoio ao novo governo. Temer é o deputado que estranhou a entrada de Dilma na vaga prometida ao PMDB e hoje é cotado para dividir com ela, na condição de vice, a chapa abençoada por Lula ao Palácio do Planalto.
Cristã nova no PT, desconhecida no próprio partido e sem nunca ter enfrentado uma eleição nem quando estava no PDT de Leonel Brizola, a mineira Dilma desbancou petistas históricos dizimados por uma sucessão de escândalos, como Dirceu e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Nunca teve jogo de cintura política - tanto que ganhou um "bambolê" do PMDB -, mas não fez sombra para Lula. Com essa credencial, ela hoje se prepara para representar o PT na primeira eleição disputada pelo partido sem Lula na cédula justamente com a ajuda de Dirceu e de Palocci, o ministro com quem teve ruidosos embates no governo por causa do superávit primário.
Mesmo sem força para se contrapor à vontade de Lula, o PT chegou a esboçar resistência a uma candidatura que não passou pelo crivo do partido, mas acabou se rendendo. Dilma se aproximou do PT em meados do ano passado, após enfrentar um câncer no sistema linfático. "Muita gente diz que ela é dura, mas, numa negociação, tem de ser assim mesmo", ameniza Lula. "Logo que eu ganhei a primeira eleição, em 2002, avisei aos companheiros que Minas e Energia não ia entrar na negociação partidária com o PMDB porque eu tinha encontrado a ministra ideal. Daí para a Dilma passar à Casa Civil foi uma coisa natural."
Filha de pai búlgaro e mãe mineira, Dilma faz o estilo "gerentona": é implacável com os subordinados, cobra prazos e resultados e quer tudo pronto "para ontem". "O presidente não dá bronca em ninguém. Ele fala para a Dilminha. Aí ela vai lá e resolve", conta o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que chama a chefe da Casa Civil pelo apelido de infância.
Aos 62 anos, Dilma está acostumada a cuidar de um cardápio variado de assuntos, da banda larga aos temas econômicos, passando por licenças ambientais. Há poucos dias chegou à sua mesa um relatório com "sinais de alerta" do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dizia que a "implementação" do plano está "problemática", pois recursos disponibilizados têm sobrado. Desembarcam em seu gabinete, ainda, pedidos de governadores, ávidos por resolver pendências com a União.
"O Serra me liga e me dá tarefas", confidencia Dilma, rindo, numa referência ao governador de São Paulo, José Serra (PSDB), provável adversário do PT na corrida ao Planalto. "Eu o conheço há 30 anos e temos a melhor relação." Quando Dilma era militante de uma organização de extrema-esquerda chamada Colina (Comando de Libertação Nacional), em Belo Horizonte, o hoje deputado José Aníbal (PSDB-SP) também conviveu com a garota que amava os Beatles, a música clássica, os livros e os filmes de Glauber Rocha. "Ela sempre foi inteligente, mas está contaminada pelo PT", avalia o tucano.
Lula quebrou o protocolo político na divisão de seu espólio, jogou o PT para escanteio e ignorou o mosaico ideológico das tendências abrigadas no partido fundado por ele há 30 anos. Além disso, convencido de que é possível eleger a primeira mulher presidente do Brasil, escalou um time de sua confiança para cuidar da campanha e moldá-la como candidata.
"O presidente acha que carisma e contato com o povo se constroem e ouso dizer que ele a escolheria mesmo que Dirceu e Palocci estivessem no governo. Para ele, é muito importante o fato de Dilma não ter projeto político pessoal, porque percebeu o quanto as ambições criam problemas", constata Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula.
Em março de 2008, a ministra sofreu seu primeiro revés na Casa Civil: foi acusada de montar um dossiê sobre gastos sigilosos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e da ex-primeira-dama Ruth Cardoso com cartões corporativos. Ela negou e disse que se tratava de um "banco de dados" com informações a serem enviadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à CPI dos Cartões.
A crise só terminou depois que um funcionário posto na Casa Civil por Dirceu caiu, apontado como autor do vazamento para o PSDB. No ano passado, novo problema: embora Dilma não tenha concluído nem mestrado nem doutorado em economia, o site da Casa Civil informava que ela é "mestre em teoria econômica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e doutoranda em economia monetária e financeira". A Casa Civil foi obrigada a mudar o texto e a ministra, furiosa, responsabilizou assessores pelo erro.
Quem convive com Dilma sabe que há coisas que ela não suporta. Uma delas é o erro dos encarregados por determinadas tarefas. Além disso, odeia ser rotulada como "estatizante" - apesar de pregar o maior papel do Estado na economia - e "dama de ferro". Perdeu a conta, porém, de quantas vezes a compararam com Margareth Thatcher, a ex-primeira-ministra da Inglaterra. "Mulheres em posição de mando sempre ficam com essa pecha", reclama. "Ronald Reagan, nos Estados Unidos, era duríssimo, e ninguém fala nada."
Conhecida por ler tudo o que cai em suas mãos, a chefe da Casa Civil se interessou por um artigo no The New York Times, de Thomas Friedman, enviado a ela no penúltimo dia de janeiro. Diz o texto que a equipe do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deixou morrer o trabalho de mobilização de jovens - construído a duras penas durante a campanha de 2008, com a ocupação de espaços na internet - e pagou alto preço por isso.
"Se você pensa que a resposta correta (para enfrentar a crise) é dar uma chibatada populista nos bancos, está errado", escreve Friedman no artigo, numa espécie de conselho a Obama. "Por favor, regule os bancos de forma inteligente. Mas lembre-se: no longo prazo, os americanos não se congregam em torno de políticos raivosos, que não deixam aflorar o melhor de nós. Eles se congregam em torno dos que inspiram, dos que são esperançosos (...)"
A cúpula do PT quer fazer da esperança a marca da campanha de Dilma - assim como foi a de Lula, em 2002 -, mas sabe que, desta vez, terá de recorrer a nova embalagem para o apelo emocional. O mote não será mais a "esperança contra o medo". Agora, o desafio consiste em convencer o eleitor de que a melhoria das condições de vida dos brasileiros está na continuidade do PT no Planalto.
Da mesma forma que Obama, a equipe de Dilma está de olho nos "guerrilheiros da blogosfera" e pretende dedicar um capítulo do programa de governo aos jovens. "Mas não vai ser uma paginazinha só para cumprir tabela", promete o novo presidente do PT, José Eduardo Dutra.
Estrategista da campanha online de Obama, Ben Self tem sido consultado pelo marqueteiro João Santana, que assinará a propaganda eleitoral da ministra. O maior esforço do staff petista é para suavizar a imagem de Dilma. De um ano e meio para cá ela já fez curso de dicção, substituiu os pesados óculos por lentes de contato, recorreu a uma plástica no rosto, mudou o guarda-roupa e tenta cada vez mais ser simpática.
Nos anos 60, Dilma usava os codinomes "Stela" e "Marina", para fugir da repressão. Agora, na versão Dilminha paz e amor, "virou palanqueira", como definiu Lula. Tudo para subir a rampa do Planalto.
Foto: Site do PT
'Cristã nova' no PT, Dilma fura fila no partido
Vera Rosa
O Estado de S.Paulo, 21/02/2010
A mulher escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como sua herdeira política atravessou o caminho do PMDB, que hoje tenta conquistar, na transição de governo, em 2002. Foi no fim daquele ano que Lula, então presidente eleito, desfez um acordo para dar ao PMDB o Ministério de Minas e Energia, entre outros cargos, e anunciou que o comando da pasta ficaria com Dilma Vana Rousseff.
Estava selado ali o destino da ex-guerrilheira que encantou Lula, furou a fila do PT na disputa pela cadeira do chefe e, anos depois, viu personagens da mesma história se cruzarem na cena política. Em 2005, Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil e, na cerimônia de transmissão do cargo, foi chamada por ele de "companheira de armas e de lutas".
Abatido pelo escândalo do mensalão, Dirceu foi o homem que, na direção do PT, fechou o acordo com o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), para entregar ministérios ao partido em troca do apoio ao novo governo. Temer é o deputado que estranhou a entrada de Dilma na vaga prometida ao PMDB e hoje é cotado para dividir com ela, na condição de vice, a chapa abençoada por Lula ao Palácio do Planalto.
Cristã nova no PT, desconhecida no próprio partido e sem nunca ter enfrentado uma eleição nem quando estava no PDT de Leonel Brizola, a mineira Dilma desbancou petistas históricos dizimados por uma sucessão de escândalos, como Dirceu e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Nunca teve jogo de cintura política - tanto que ganhou um "bambolê" do PMDB -, mas não fez sombra para Lula. Com essa credencial, ela hoje se prepara para representar o PT na primeira eleição disputada pelo partido sem Lula na cédula justamente com a ajuda de Dirceu e de Palocci, o ministro com quem teve ruidosos embates no governo por causa do superávit primário.
Mesmo sem força para se contrapor à vontade de Lula, o PT chegou a esboçar resistência a uma candidatura que não passou pelo crivo do partido, mas acabou se rendendo. Dilma se aproximou do PT em meados do ano passado, após enfrentar um câncer no sistema linfático. "Muita gente diz que ela é dura, mas, numa negociação, tem de ser assim mesmo", ameniza Lula. "Logo que eu ganhei a primeira eleição, em 2002, avisei aos companheiros que Minas e Energia não ia entrar na negociação partidária com o PMDB porque eu tinha encontrado a ministra ideal. Daí para a Dilma passar à Casa Civil foi uma coisa natural."
Filha de pai búlgaro e mãe mineira, Dilma faz o estilo "gerentona": é implacável com os subordinados, cobra prazos e resultados e quer tudo pronto "para ontem". "O presidente não dá bronca em ninguém. Ele fala para a Dilminha. Aí ela vai lá e resolve", conta o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que chama a chefe da Casa Civil pelo apelido de infância.
Aos 62 anos, Dilma está acostumada a cuidar de um cardápio variado de assuntos, da banda larga aos temas econômicos, passando por licenças ambientais. Há poucos dias chegou à sua mesa um relatório com "sinais de alerta" do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dizia que a "implementação" do plano está "problemática", pois recursos disponibilizados têm sobrado. Desembarcam em seu gabinete, ainda, pedidos de governadores, ávidos por resolver pendências com a União.
"O Serra me liga e me dá tarefas", confidencia Dilma, rindo, numa referência ao governador de São Paulo, José Serra (PSDB), provável adversário do PT na corrida ao Planalto. "Eu o conheço há 30 anos e temos a melhor relação." Quando Dilma era militante de uma organização de extrema-esquerda chamada Colina (Comando de Libertação Nacional), em Belo Horizonte, o hoje deputado José Aníbal (PSDB-SP) também conviveu com a garota que amava os Beatles, a música clássica, os livros e os filmes de Glauber Rocha. "Ela sempre foi inteligente, mas está contaminada pelo PT", avalia o tucano.
Lula quebrou o protocolo político na divisão de seu espólio, jogou o PT para escanteio e ignorou o mosaico ideológico das tendências abrigadas no partido fundado por ele há 30 anos. Além disso, convencido de que é possível eleger a primeira mulher presidente do Brasil, escalou um time de sua confiança para cuidar da campanha e moldá-la como candidata.
"O presidente acha que carisma e contato com o povo se constroem e ouso dizer que ele a escolheria mesmo que Dirceu e Palocci estivessem no governo. Para ele, é muito importante o fato de Dilma não ter projeto político pessoal, porque percebeu o quanto as ambições criam problemas", constata Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula.
Em março de 2008, a ministra sofreu seu primeiro revés na Casa Civil: foi acusada de montar um dossiê sobre gastos sigilosos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e da ex-primeira-dama Ruth Cardoso com cartões corporativos. Ela negou e disse que se tratava de um "banco de dados" com informações a serem enviadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à CPI dos Cartões.
A crise só terminou depois que um funcionário posto na Casa Civil por Dirceu caiu, apontado como autor do vazamento para o PSDB. No ano passado, novo problema: embora Dilma não tenha concluído nem mestrado nem doutorado em economia, o site da Casa Civil informava que ela é "mestre em teoria econômica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e doutoranda em economia monetária e financeira". A Casa Civil foi obrigada a mudar o texto e a ministra, furiosa, responsabilizou assessores pelo erro.
Quem convive com Dilma sabe que há coisas que ela não suporta. Uma delas é o erro dos encarregados por determinadas tarefas. Além disso, odeia ser rotulada como "estatizante" - apesar de pregar o maior papel do Estado na economia - e "dama de ferro". Perdeu a conta, porém, de quantas vezes a compararam com Margareth Thatcher, a ex-primeira-ministra da Inglaterra. "Mulheres em posição de mando sempre ficam com essa pecha", reclama. "Ronald Reagan, nos Estados Unidos, era duríssimo, e ninguém fala nada."
Conhecida por ler tudo o que cai em suas mãos, a chefe da Casa Civil se interessou por um artigo no The New York Times, de Thomas Friedman, enviado a ela no penúltimo dia de janeiro. Diz o texto que a equipe do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deixou morrer o trabalho de mobilização de jovens - construído a duras penas durante a campanha de 2008, com a ocupação de espaços na internet - e pagou alto preço por isso.
"Se você pensa que a resposta correta (para enfrentar a crise) é dar uma chibatada populista nos bancos, está errado", escreve Friedman no artigo, numa espécie de conselho a Obama. "Por favor, regule os bancos de forma inteligente. Mas lembre-se: no longo prazo, os americanos não se congregam em torno de políticos raivosos, que não deixam aflorar o melhor de nós. Eles se congregam em torno dos que inspiram, dos que são esperançosos (...)"
A cúpula do PT quer fazer da esperança a marca da campanha de Dilma - assim como foi a de Lula, em 2002 -, mas sabe que, desta vez, terá de recorrer a nova embalagem para o apelo emocional. O mote não será mais a "esperança contra o medo". Agora, o desafio consiste em convencer o eleitor de que a melhoria das condições de vida dos brasileiros está na continuidade do PT no Planalto.
Da mesma forma que Obama, a equipe de Dilma está de olho nos "guerrilheiros da blogosfera" e pretende dedicar um capítulo do programa de governo aos jovens. "Mas não vai ser uma paginazinha só para cumprir tabela", promete o novo presidente do PT, José Eduardo Dutra.
Estrategista da campanha online de Obama, Ben Self tem sido consultado pelo marqueteiro João Santana, que assinará a propaganda eleitoral da ministra. O maior esforço do staff petista é para suavizar a imagem de Dilma. De um ano e meio para cá ela já fez curso de dicção, substituiu os pesados óculos por lentes de contato, recorreu a uma plástica no rosto, mudou o guarda-roupa e tenta cada vez mais ser simpática.
Nos anos 60, Dilma usava os codinomes "Stela" e "Marina", para fugir da repressão. Agora, na versão Dilminha paz e amor, "virou palanqueira", como definiu Lula. Tudo para subir a rampa do Planalto.
Foto: Site do PT
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