OS SALÁRIOS AUMENTARAM E A ECONOMIA NÃO ENTROU EM CAOS
Durante décadas, ouvimos dizer que os salários não poderiam aumentar sem trazer o caos na economia. Mas eis que o valor do mínimo bate recorde e a inflação só cai - um feito a comemorar
A razão, afinal, venceu
Por J.R. Guzzo
Revista Exame, 960, 21/01/2010
O ano de 2010 começa com um fato notável - o salário mínimo está em 510 reais por mês, o maior valor que já teve em sua história, e isso vem acontecer justo no momento em que uma das fitas métricas mais utilizadas no país para medir a inflação, o IGP-M, chega ao ponto mais baixo que já registrou em seus 20 anos de existência. Que história é essa - quer dizer que o salário mínimo sobe e a inflação desce? Sim, é precisamente o que está acontecendo. Mais: é o que está acontecendo já há 12 anos, desde 1998, quando os reajustes anuais do mínimo passaram a ser maiores que os índices da inflação e deram início a uma sequência de aumentos reais que não foi interrompida até hoje. O assunto, ultimamente, não tem dado motivo para muito festejo. Nem mesmo o governo parece aproveitar essa oportunidade para falar bem de si próprio - talvez por já estar convencido de que daqui a pouco vai passar os 100% de popularidade nas pesquisas, talvez porque a obra tenha começado na gestão anterior, ou por outra razão qualquer.
O tratamento relativamente discreto que se dá ao tema, porém, não muda em nada uma realidade fundamental: o aumento cada vez maior do valor efetivo do salário mínimo é um dos avanços mais animadores entre todos os que a economia brasileira tem para apresentar nos últimos anos. Não apenas porque significa aumento real de renda num país em que a população precisa, dramaticamente, ganhar mais. Trata-se, também, de uma formidável vitória da razão sobre o erro em estado puro - um desses casos clássicos em que poucas vezes tanta gente de responsabilidade acreditou tanto, e durante tanto tempo, numa ideia tão equivocada. Essa ideia sustentava, com a certeza que se reserva para as grandes questões de fé religiosa, que não era possível aumentar o mínimo sem provocar o colapso da administração pública e a disparada final da inflação.
O Brasil, como se sabe, é um dos países do mundo onde há as maiores dificuldades para se tomar alguma decisão com base na observação dos fatos; na maior parte do tempo, existe uma clara preferência para decidir com base em teorias, impressões ou desejos. Foi o que sempre aconteceu no caso do salário mínimo. Era uma situação realmente curiosa. O Brasil tinha um salário mínimo infame, mas ele não podia aumentar, porque era baixo demais; qualquer correção, para valer alguma coisa, tinha de ser muito grande e isso iria impor um custo insuportável à economia. Pior ainda, o aumento provocaria mais inflação; em suma, seria “o colapso”. Agia-se, então, como se estivesse acontecendo justamente o contrário - como se o grande problema do país fosse o valor excessivo dos salários. Eles precisariam ser limitados com severidade, para as pessoas não ficarem na perigosa situação de ganhar demais, o que provocaria todo tipo de consequências indesejáveis.
O que não parecia ocorrer a ninguém que estivesse em posição de autoridade é que o problema real era a inflação, e não o salário. Sim, por via dos “repasses” automáticos (e até prévios) aos preços, a inflação subia na hora e rapidamente engolia o aumento do salário. Mas, nesse caso, a única saída lógica era eliminar a inflação. Foram necessários anos e mais anos até cair essa ficha. Quando ela enfim caiu, com a adoção do Plano Real em 1994, as realidades começaram a mudar. O PT achava tudo isso um absurdo. Combater a inflação, em seu evangelho, era um truque da “direita” elitista; servia, também, como “estelionato eleitoral”. Só no final de 2002, quando viu a si próprio na porta de entrada do governo, descobriu que inflação controlada é uma virtude - e, felizmente, manteve-se até hoje nessa posição.
Os aumentos reais da remuneração do trabalho não resolveram o problema de renda no Brasil. Um salário mínimo de 510 reais ainda é pequeno; está por volta dos 300 dólares, o equivalente a um sexto, apenas, do mínimo legal vigente nas principais economias da Europa. Mas o problema, enfim, está sendo resolvido. Já é um feito a comemorar.
A razão, afinal, venceu
Por J.R. Guzzo
Revista Exame, 960, 21/01/2010
O ano de 2010 começa com um fato notável - o salário mínimo está em 510 reais por mês, o maior valor que já teve em sua história, e isso vem acontecer justo no momento em que uma das fitas métricas mais utilizadas no país para medir a inflação, o IGP-M, chega ao ponto mais baixo que já registrou em seus 20 anos de existência. Que história é essa - quer dizer que o salário mínimo sobe e a inflação desce? Sim, é precisamente o que está acontecendo. Mais: é o que está acontecendo já há 12 anos, desde 1998, quando os reajustes anuais do mínimo passaram a ser maiores que os índices da inflação e deram início a uma sequência de aumentos reais que não foi interrompida até hoje. O assunto, ultimamente, não tem dado motivo para muito festejo. Nem mesmo o governo parece aproveitar essa oportunidade para falar bem de si próprio - talvez por já estar convencido de que daqui a pouco vai passar os 100% de popularidade nas pesquisas, talvez porque a obra tenha começado na gestão anterior, ou por outra razão qualquer.
O tratamento relativamente discreto que se dá ao tema, porém, não muda em nada uma realidade fundamental: o aumento cada vez maior do valor efetivo do salário mínimo é um dos avanços mais animadores entre todos os que a economia brasileira tem para apresentar nos últimos anos. Não apenas porque significa aumento real de renda num país em que a população precisa, dramaticamente, ganhar mais. Trata-se, também, de uma formidável vitória da razão sobre o erro em estado puro - um desses casos clássicos em que poucas vezes tanta gente de responsabilidade acreditou tanto, e durante tanto tempo, numa ideia tão equivocada. Essa ideia sustentava, com a certeza que se reserva para as grandes questões de fé religiosa, que não era possível aumentar o mínimo sem provocar o colapso da administração pública e a disparada final da inflação.
O Brasil, como se sabe, é um dos países do mundo onde há as maiores dificuldades para se tomar alguma decisão com base na observação dos fatos; na maior parte do tempo, existe uma clara preferência para decidir com base em teorias, impressões ou desejos. Foi o que sempre aconteceu no caso do salário mínimo. Era uma situação realmente curiosa. O Brasil tinha um salário mínimo infame, mas ele não podia aumentar, porque era baixo demais; qualquer correção, para valer alguma coisa, tinha de ser muito grande e isso iria impor um custo insuportável à economia. Pior ainda, o aumento provocaria mais inflação; em suma, seria “o colapso”. Agia-se, então, como se estivesse acontecendo justamente o contrário - como se o grande problema do país fosse o valor excessivo dos salários. Eles precisariam ser limitados com severidade, para as pessoas não ficarem na perigosa situação de ganhar demais, o que provocaria todo tipo de consequências indesejáveis.
O que não parecia ocorrer a ninguém que estivesse em posição de autoridade é que o problema real era a inflação, e não o salário. Sim, por via dos “repasses” automáticos (e até prévios) aos preços, a inflação subia na hora e rapidamente engolia o aumento do salário. Mas, nesse caso, a única saída lógica era eliminar a inflação. Foram necessários anos e mais anos até cair essa ficha. Quando ela enfim caiu, com a adoção do Plano Real em 1994, as realidades começaram a mudar. O PT achava tudo isso um absurdo. Combater a inflação, em seu evangelho, era um truque da “direita” elitista; servia, também, como “estelionato eleitoral”. Só no final de 2002, quando viu a si próprio na porta de entrada do governo, descobriu que inflação controlada é uma virtude - e, felizmente, manteve-se até hoje nessa posição.
Os aumentos reais da remuneração do trabalho não resolveram o problema de renda no Brasil. Um salário mínimo de 510 reais ainda é pequeno; está por volta dos 300 dólares, o equivalente a um sexto, apenas, do mínimo legal vigente nas principais economias da Europa. Mas o problema, enfim, está sendo resolvido. Já é um feito a comemorar.
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