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23 dezembro 2010

NOVA FORMA DE ENSINAR BIOLOGIA, QUÍMICA E FÍSICA

Professor questiona pensamento positivista ainda vigente nas escolas e propõe nova forma de ensinar biologia, química e física

O que não é óbvio e nem ululante

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line

[Um retrato de Kant: o filósofo prussiano tentou transportar as teorias físicas de Newton para o mundo das ideias. Forças naturais pairariam sobre a ética dos homens (foto: Wikimedia Commons)]


O ocidente teve lá seus momentos-chave. A construção do pensamento do lado de cá foi abalada, por exemplo, no século 16, quando a unidade política, religiosa e espiritual, a relação da Igreja com o Estado e as demais condições estabelecidas previamente foram questionadas. Isaac Newton e René Descartes lançaram-se em busca de novos modelos investigativos, mais deterministas, que rumaram a passos largos para ideias positivistas de mundo.


"A ideia de clareza, tanto científica quanto ética, foi desconstruída pelas proposições humanas e científicas do início do século 20"



Não era apenas nas ciências duras que se vislumbrava um novo mundo. O filósofo Emanuel Kant propunha um diferente olhar sobre a ética dos homens, estabelecendo visões que, grosso modo, corroboravam um comportamento individual que deveria ser condizente com leis pré-estabelecidas pela sociedade. Ou seja: propunha um mundo regido por regras claras.


Essa ideia de clareza, tanto científica quanto ética, foi, em larga escala, desconstruída pelas proposições humanas e científicas do final do século 19 e início do século 20. Einstein talvez seja o bastião dessa desconstrução, dessa literal relativização das coisas.


Pois bem. E a educação, e o Alô, Professor com isso?


O doutor em educação pela PUC-RJ e docente da faculdade de educação da UFRJ Renato José de Oliveira ajuda a responder a pergunta, em artigo publicado na edição de novembro da revista Química Nova na Escola.


"Acho que a ciência mudou, não se pensa mais como no século 19, quando se viam uma natureza e um universo estáticos. Só que essa mudança ocorreu nos centros de pesquisa, na elaboração do conhecimento científico, não ocorreu nas salas de aula"
, explica Oliveira, que deu aula por mais de uma década no ensino médio de colégios da rede pública fluminense.


O professor, atualmente com 52 anos, responsabiliza – tanto no artigo quanto na conversa por telefone com a CH – os livros didáticos pelo olhar restrito. Segundo ele, esses livros estão "impregnados de cânones positivistas".


A ética nas escolas



Para Oliveira, a solução passaria por uma nova postura do professor diante do aluno. Na verdade, uma nova postura que superasse o positivismo e a ética kantiana. Ou seja, uma nova proposição de mundo e de ensino, que se chocaria com o que o químico chama de "farsa didática". Em vez da certeza de uma postura secular sobre as coisas do mundo (típica do positivismo e das ideias de Kant), o convívio saudável de certezas e incertezas.


No artigo, Oliveira afirma que alguns debates precisam ser levados à baia:


[...] Temas como o aborto, a eutanásia e os direitos sexuais podem ser trabalhados pelos professores de biologia quando abordarem, por exemplo, conteúdos como a origem da vida e a reprodução. Interfaces com a ética podem ser estabelecidas mediante a problematização desses temas: em que situações o aborto e a eutanásia merecem ser considerados crimes? A orientação sexual adotada por um individuo é motivo para considerá-lo melhor ou pior do que outro?



Uma das propostas do químico é dar margem sempre ao diálogo – atitude que gera, inevitavelmente, uma fundamental dialética. Cita Paulo Freire como teórico e educador que bebe dessa fonte, daqueles que percebem que o que é óbvio e ululante é, apenas, um lado de uma coleção de saudáveis dúvidas.