RAIMUNDO SARAIVA. UMA PERDA IRREPARÁVEL PARA O ACRE
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
Poucos no Acre ouviram falar desse acreano nascido no alto rio Tarauacá. Mas sua morte, ocorrida na noite de ontem (17/11/2010), é um dos mais duros golpes sofridos pela ciência acreana.
Embora possuisse educação formal muito precária, Raimundo Saraiva era um, entre três "mateiros" acreanos com conhecimento botânico de alto nível.
Não, Raimundo Saraiva não era um mateiro responsável pela abertura de trilhas na floresta, daqueles que guiam as pessoas mata adentro. Muito menos um 'mateiro', como muitos que temos no Acre, que vivem a nomear plantas na floresta utilizando como marca registrada o que chamamos popularmente de 'chute'.
Raimundo Saraiva, que trabalhava como técnico de campo da Funtac, era o que se convencionou a chamar nestes últimos anos, um 'parataxonomista'. Capaz de não apenas identificar as plantas por seus nomes vulgares, mas também, na maioria dos casos, indicar a família botânica, gênero, e algumas vezes, o nome científico.
O conhecimento dos nomes vulgares das plantas ele forjou durante o tempo que viveu nos seringais do rio Tarauacá. Vindo para Rio Branco com idade relativamente avançada - mais de 30 anos -, foi incorporado a equipe de coletas botâncias do Herbário do Parque Zoobotânico e, durante numerosas excursões de campo com especialistas botânicos de renome mundial (do Brasil, Europa e EUA), Raimundo incorporou com facilidade o conhecimento técnico sobre nomenclatura botânica.
Parataxonomistas como Raimundo Saraiva não são formados em bancos de escolas. São pessoas espéciais, com um dom fora do comum para identificar as plantas apenas pelo 'jeito' delas. Uma rápida olhada para o tronco, casca e copa, mesmo à distância, era suficiente para confirmar a identificação botânica. Pessoas como Raimundo Saraiva não precisam de livros e tratados de botânica. Alguns nem mesmo precisam saber ler. Sua memória fotográfica resolve tudo.
A formação de um parataxonomista como Raimundo Saraiva não é questão de meses ou anos. Mas de uma vida. Depende também das oportunidades de aprender com os grandes especialistas botânicos - que geralmente estudam apenas um grupo restrito de plantas. Pode-se dizer que o conhecimento de pessoas como Raimundo Saraiva é uma colagem do conhecimento de diversos especialistas botânicos. Por isso ele era tão bom no conhecimento da grande diversidade da flora de plantas acreanas.
Sem modéstia, afirmo que um percentual muito elevado, talvez mais de 50%, dos inventários florestais usados para a elaboração de planos de manejo desenvolvidos no Acre apresentam graves erros de identificação botânica das espécies exploradas - muitos propositais. Tudo porque os 'empresários' responsáveis por estes planos de manejo preferem pagar R$ 30-40/dia por um mateiro chutador, incapaz de identificar espécies madeireiras mais raras ou morofologicamente variáveis (angelins, faveiras, tauaris, etc). Não precisa dizer que a maioria desses mateiros chutadores não tem a menor idéia do que vem a ser família ou gênero botânico. O 'chute' dos nomes científicos fica a cargo do engenheiro florestal que assina o plano de manejo. Que por sinal fazem isso em escritório, consultando listas de nomes na internet e em um ou outro livro.
Isso acontece porque pessoas como Raimundo Saraiva são pagas na base de R$ 150-200/dia, livres de despesas para fazer trabalhos de identificação botânica. É óbvio que os 'predadores' do estoque madeireiro do Acre jamais se disporão a pagar tal monta - ainda mais para alguém quase incapaz de escrever - para garantir que seus inventários florestais tenham a qualidade científica desejável. Isso acontece porque os técnicos que fiscalizam esses planos de manejo são incapazes de identificar a maioria esmagadora das plantas marcadas para serem exploradas.
Agora no Acre restam apenas duas pessoas do quilate de Raimundo Saraiva. Nenhum dos dois tem chance de ser admito em qualquer órgão público de pesquisa que lhes pague um salário decente e seguro. Eles mal sabem ler e escrever.
O futuro da botânica acreana - e por tabela de todas as ciências que dependem dela - está em risco. Logo, logo, teremos que 'importar' parataxonomistas do INPA em Manaus para auxiliar os inventários florestais e florísticos sérios realizados no Acre.
Descanse em paz Raimundo Saraiva.
Blog Ambiente Acreano
Poucos no Acre ouviram falar desse acreano nascido no alto rio Tarauacá. Mas sua morte, ocorrida na noite de ontem (17/11/2010), é um dos mais duros golpes sofridos pela ciência acreana.
Embora possuisse educação formal muito precária, Raimundo Saraiva era um, entre três "mateiros" acreanos com conhecimento botânico de alto nível.
Não, Raimundo Saraiva não era um mateiro responsável pela abertura de trilhas na floresta, daqueles que guiam as pessoas mata adentro. Muito menos um 'mateiro', como muitos que temos no Acre, que vivem a nomear plantas na floresta utilizando como marca registrada o que chamamos popularmente de 'chute'.
Raimundo Saraiva, que trabalhava como técnico de campo da Funtac, era o que se convencionou a chamar nestes últimos anos, um 'parataxonomista'. Capaz de não apenas identificar as plantas por seus nomes vulgares, mas também, na maioria dos casos, indicar a família botânica, gênero, e algumas vezes, o nome científico.
O conhecimento dos nomes vulgares das plantas ele forjou durante o tempo que viveu nos seringais do rio Tarauacá. Vindo para Rio Branco com idade relativamente avançada - mais de 30 anos -, foi incorporado a equipe de coletas botâncias do Herbário do Parque Zoobotânico e, durante numerosas excursões de campo com especialistas botânicos de renome mundial (do Brasil, Europa e EUA), Raimundo incorporou com facilidade o conhecimento técnico sobre nomenclatura botânica.
Parataxonomistas como Raimundo Saraiva não são formados em bancos de escolas. São pessoas espéciais, com um dom fora do comum para identificar as plantas apenas pelo 'jeito' delas. Uma rápida olhada para o tronco, casca e copa, mesmo à distância, era suficiente para confirmar a identificação botânica. Pessoas como Raimundo Saraiva não precisam de livros e tratados de botânica. Alguns nem mesmo precisam saber ler. Sua memória fotográfica resolve tudo.
A formação de um parataxonomista como Raimundo Saraiva não é questão de meses ou anos. Mas de uma vida. Depende também das oportunidades de aprender com os grandes especialistas botânicos - que geralmente estudam apenas um grupo restrito de plantas. Pode-se dizer que o conhecimento de pessoas como Raimundo Saraiva é uma colagem do conhecimento de diversos especialistas botânicos. Por isso ele era tão bom no conhecimento da grande diversidade da flora de plantas acreanas.
Sem modéstia, afirmo que um percentual muito elevado, talvez mais de 50%, dos inventários florestais usados para a elaboração de planos de manejo desenvolvidos no Acre apresentam graves erros de identificação botânica das espécies exploradas - muitos propositais. Tudo porque os 'empresários' responsáveis por estes planos de manejo preferem pagar R$ 30-40/dia por um mateiro chutador, incapaz de identificar espécies madeireiras mais raras ou morofologicamente variáveis (angelins, faveiras, tauaris, etc). Não precisa dizer que a maioria desses mateiros chutadores não tem a menor idéia do que vem a ser família ou gênero botânico. O 'chute' dos nomes científicos fica a cargo do engenheiro florestal que assina o plano de manejo. Que por sinal fazem isso em escritório, consultando listas de nomes na internet e em um ou outro livro.
Isso acontece porque pessoas como Raimundo Saraiva são pagas na base de R$ 150-200/dia, livres de despesas para fazer trabalhos de identificação botânica. É óbvio que os 'predadores' do estoque madeireiro do Acre jamais se disporão a pagar tal monta - ainda mais para alguém quase incapaz de escrever - para garantir que seus inventários florestais tenham a qualidade científica desejável. Isso acontece porque os técnicos que fiscalizam esses planos de manejo são incapazes de identificar a maioria esmagadora das plantas marcadas para serem exploradas.
Agora no Acre restam apenas duas pessoas do quilate de Raimundo Saraiva. Nenhum dos dois tem chance de ser admito em qualquer órgão público de pesquisa que lhes pague um salário decente e seguro. Eles mal sabem ler e escrever.
O futuro da botânica acreana - e por tabela de todas as ciências que dependem dela - está em risco. Logo, logo, teremos que 'importar' parataxonomistas do INPA em Manaus para auxiliar os inventários florestais e florísticos sérios realizados no Acre.
Descanse em paz Raimundo Saraiva.
12 Comments:
Caro Evandro,
também me colocava ao lado dos ignorantes acerca do Raimundo Saraiva. Bom que nos trouxestes ao conhecimento. Melhor ainda se sensibilizasse nossas autoridades acreanas.
A morte de Raimundo é um misto de tristeza e denúncia. Tristeza por tamanha perda de uma vida humana, de um sábio de nossas matas; denúncia porque demonstra a fragilidade e mesmo o descaso das autoridades competentes acerca de estudos sérios a ser desenvolvidos em nossa botânica. Não aprendemos ainda a lição de um outro acreano ilustre, tarauacaense como Raimundo, Djalma Batista que passou a vida lutando por instituições sérias de pesquisa para a Amazônia, a formação técnica de profissionais da própria região, o desenvolvimento sustentável e social dos povos da floresta e a eliminação de práticas predatórias. O que se vê ainda é amadorismo, não porque somos incapazes, mas porque tudo o que não atiça a sanha dos sedentos de lucros imediatos deste país, deste Estado, é sempre deixado em segundo plano.
Abraços, meu amigo!
Em 2007, tive a oportunidade de conviver com o Senhor Raimundo Saraiva durante um curso de Identificador Botânico, realizado na Fazenda Catuaba. Quando ele fala era notável a admiração que ele causava em nós técnicos. Dava até vontade de você sair pelo mundo carregando sua mochila e aprendendo com ele (assim como fez Dominguinhos com Luiz Gonzaga), mas hoje, não se tem mais esse tipo de acessão profissional.
Hoje tenho a certeza que ele subiu ao Céu, assim como subia de maneira macia até a copa das árvores.
Vá em paz Sr. Raimundo Saraiva.
Caro Doutor Evandro,
quando trabalhei na FUNTAC, fiz (inclusive junto com você) inúmeros trabalhos... "Seu Raimundo" era uma lenda viva em estudos botânicos na Amazônia e no apoio aos profissionais dessa área... Nunca vi alguém subi numa grande árvore tão rápido quanto ele, e olha que ele já não era mais um adolescente quando fazia isso... Com certeza, ele sabia identificar 99% das espécies florestais do Acre... Operava motor de barco... quando necessário, sabia usar com habilidade um machado... uma motosserra... Posso garantir, quase sem erro, que uma pessoa "polivalente" em trabalhos de pesquisas florestais, como Seu Raimundo Saraiva será muito difícil de encontrar... DESCANSE EM PAZ.
Raife Arante, ex-funcionário da FUNTAC
Evandro
Li, emocionada, sua homenagem ao Raimundo Saraiva. Ele foi esposo de uma prima minha, Helena, e realmente deixará um vazio enorme na família. Visitei-o dias atrás e ele estava sereno, como sempre, e confiante em recuperar a saúde. Mas, quanto ao seu texto, Evandro, você tem plena razão quando diz que poucos sabiam da importância do Raimundo para a ciência acreana. Veja só, eu mesma, que conheci esse homem a minha vida inteira, só sabia de suas qualidades como ser humano e como pai de família. O que não era pouco e me fazia admira-lo. Obrigada pela homenagem. Socorro Neri
Caro amigo. Evandro,sou cunhada desse grandioso homem que Deus nos deu a honra de conviver e aprender muitas coisas dessa vida.Raimundo Saraiva para mim, sempre será um exemplo de amor,generosidade,solidariedade,humildade e profissionalismo.Homem integro,verdadeiro,fiel aos seu valores,amigo,um execelente pai e um estraordinario marido e como meu cunhado um grande exemplo de amor.SAUDADES SERÃO ETERNAS.
Socorro Nery,TARAUACÁ.
Caro Doutor Evandro
Tive o privilégio de trabalhar por 1 ano e meio com o senhor Raimundo Saraiva na FUNTAC.Confesso que ainda não tinha conhecido alguém que amasse, tanto o que fazia quanto ele, sua humildade contagiava todos; foi um bom tempo de aprendizado que guardarei para sempre.
saudades do meu grande amigo!
Meu Tio e Padrinho o que falar dele?! Um Homem Maravilhoso, honesto e Muito Alegre...Vamos sentir muitas saudades, mas agora sei que ele descansa ao lado do nosso SENHOR, e lá não sentirá mas dor e sim ALEGRIA..sentiremos muitas saudades mas estará sempre em nossos Corações...TE Amo muito Tio!!!! Descanse em Paz....Gleicy Nery
Meu DEUS como doí....é impossivél de explicar o meu sentimento por ele,só uma palavra define essa pessoa maravilhosa(humildade)meu sogro,que mais parecia um pai pra mimmm como ta me fazendo falta... meu veiiii te amo e você ficará pra sempre no meu coração,você foi um guerreiro lutou até o ultimo suspiro sem se quer murmurar..pessoas como você sei que jamais vou encontrar.Meu vei descanse em paz....SAUDADES ERTERNAS...TE AMO MEU VEII...WELLEN
O artigo do Blog sobre o Identificador Botânico (nunca gostei de chamar de mateiro estas pessoas que realmente viabilizam os Inventários Florestais) tem totalmente razão.
A perda do amigo Raimundo Saraiva é impossível de ser preenchida.
Ele não apenas sabia o nome vulgar das espécies amzônicas, mas também o nome científico de muitas e muitas espécies.
Uma pequena história: em um trabalho internacional com um doutor ecologista e botânico australiano, na qual a FUNTAC participaria, sugeri a participação do identificador Raimundo Saraiva.
O doutor da Australia dispensou a utilização de mateiro, dizendo não ser necessário. Então eu decidi bancar a participação do Raimundo por minha conta. Ele iria..disse, de guia.
Não é necessário dizer que a partir dos primeiros momentos de Amazônia acreana o doutor precisou de ajuda na identificação e com toda modéstia, singelesa, bondade, sem nada de vaidade o Raimundo foi desvendado os mistérios das familias , generos, especies para o doutor autraliano.
Ao final da empreitada o doutor se desculpou e agradeceu muitíssimo ao "Seu" Raimundo.
Tem razão quem escreveu o texto, estas pessoas deveriam ser disputadas para os quadros das instituições de pesquisa, são insubstituíveis.
"Seu " Raimundo era excepcional.
Evaldo M. Braz
Engº Florestal
Embrapa Florestas
Colombo - PR
Despedida de um grande amigo
Se por um instante Deus esquecesse de que sou frágil e me presenteasse com mais um pouco de vida ao seu lado, possivelmente não diria tudo o que penso, mas definitivamente pensaria em tudo o que disse.
Portanto, pensando no que disse, fiz e senti, percebo que os momentos de história que realizamos juntos foram grandiosos.
Trabalhamos, mas também rimos muito, e posso dizer que se Deus me concedesse mais um pouco de vida ao seu lado, morreríamos de tanto rir.
Neste momento palavras perdem o sentido diante das lágrimas contidas na saudade que estou sentindo, sei que você está bem, e ao lado de DEUS, mas isso não me impede de chorar. É muito ruim está longe de você, o que me conforta é o fato de saber que foi ELE que precisou de você aí no céu. Mas aqui na Terra você é insubstituível, te amarei para sempre e todos os dias da minha vida lembrarei de você minha eterna “criança”.
Que DEUS derrame seu bálsamo sobre seus familiares e amigos, trazendo conforto nessa hora difícil.
Saudades... Raimundo Saraiva.
(Adaptação da mensagem “saudades de um amigo”)
Jamila
Evandro, quero agradecer pela homengem prestada a este homem maravilhoso. Ler os comentarios só me fizeram sentir ainda mais a dor que se instalou em peito. Neste momento vinheram a mente as lembraças de todos os momentos que passamos juntos, as lagrimas vem e as palavras fogem, ficam se nexo.sabe me formo em biologia ano que vem e quanto estavamos conversando sobre plantas eu dizia para ele que tinha vergonha de dizer seria biologa pra ele porque ele sabia tudo e eu diante dele não sabia de nada, ele ria e tinha uma paciencia para explicar. Sempre tive muito orgulho de ter-lo na família,alem de ser o melhor cunhado do mundo era também a pessoa que sempre tive confiança de contar meus problemas e segredo. Ele com seu geito meigo sempre me aconselhou sem me criticar. E agora o que faço faço sem/ doi tanto que chega sufocar, tudo que fazemos lembramos dele e vai ser muito dificil a vida daqui pra frente sem ele. Na opotunidade quero agradecer também a FUNTAC pelo apoio dado a família em um momentom tal dificil como esse. Obridada a todos.
Evandro,
Fiquei triste com as noticias do falecimento do Raimundo. Quando fiz trabalho no campo, ele foi um gentil professor, me ensinando o b-a-ba da vida da floresta. Foi possivel sentir a bondade e sabedoria dele, uma combinação rara. O mundo ficou empobrecido com a perda dele, mas minha vida ficou enriquecida por ter conhecido o Raimundo Saraiva.
Descanse em Paz, Seu Raimundo, meu amigo, meu professor.
Foster Brown
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