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31 outubro 2011

IMPACTO DA RETIRADA DE AREIA NA MATA CILIAR DO RIO ACRE (*)

As dragas que retiram a areia do leito do rio Acre jogam o mineral em canchas de armazenamento localizadas na margem do rio, em áreas de preservação permanente (APP), onde a vegetação é completamente eliminada. Além do dano à vegetação, o armazenamento torna o solo do local extremamente arenoso, afetando a regeneração natural da floresta quando as canchas são abandonadas

João Bosco N. Queiroz (1,2,3); Evandro J. L. Ferreira (1,2); Nelson L. Leite-Junior (1,2); Ângela L. Alves (1,2); José de R. Bandeira (1,2); Cleison C. de Mendonça (1,2); Clebyane de S. Barbosa (1,2); Geliane M. da Silva (1,2); Adriano S. da Silva (1,2) e Antonio F. de Lima (1,2).

Introdução

[Vista de uma draga de extração de areia no rio Acre]

A mineração de areia no rio Acre, que corta a cidade de Rio Branco, é feita com dragas que sugam o mineral do leito do rio, jogando-o em lugares na margem que coincidem com as matas ciliares, legalmente consideradas áreas de preservação permanente (APP). A areia é armazenada em ‘canchas’, áreas circulares com até 2.000 m² onde a cobertura vegetal é completamente eliminada.

Além do dano causado á vegetação, o armazenamento de areia em canchas modifica profundamente o solo, tornando-o extremamente arenoso, afetando a regeneração natural da floresta quando as canchas são abandonadas.

A recuperação das áreas degradadas pela mineração é uma exigência legal e deve ser feita exclusivamente com espécies nativas, recomendando-se a aplicação do modelo sucessional, que separa as espécies vegetais em grupos ecológicos com características comuns e funções diferentes na dinâmica da floresta (Almeida e Sánchez, 2005).

A realização de estudos sobre a composição florística e as relações fitossociológicas entre as espécies colonizadoras de áreas fortemente perturbadas, como as submetidas à mineração, são ferramentas importantes para nortear estratégias de reabilitação e recuperação, além de permitir a realização de avaliações quali-quantitativas da recuperação (Nappo et al., 2000).

Como as estratégias mais recomendadas em planos de recuperação de áreas degradadas tentam reproduzir o padrão natural das comunidades vegetais para aumentar a probabilidade de sucesso na recuperação ambiental e reduzir os custos desses projetos (Araújo et al., 2005), os estudos fitossociológicos são fundamentais para o conhecimento desses padrões, abrangendo os fenômenos que afetam a dinâmica dessas comunidades, sua constituição, classificação, proporção na abundância entre espécies e distribuição espacial dos indivíduos (Jacobi et al., 2008).

Objetivos

Determinar a diversidade e a similaridade florística entre canchas de armazenamento de areia com diferentes idades de abandono, e localizadas ao logo do rio Acre, dentro do perímetro da área de Proteção Ambiental Lago do Amapá, nas cercanias de Rio Branco, Acre.

Material e métodos

[Imagem aérea mostrando estradas de acesso e as canchas de armazenamento de áreia adjacentes ao rio, em áreas de APPs]

O estudo foi desenvolvido em uma área adjacente ao rio Acre (10°01'02"S; 67°51'04"W), no perímetro urbano de Rio Branco, onde a mineração de areia foi abandonada há cerca de 5 anos. Para o estudo foram selecionadas canchas de armazenamento de areia abandonadas
há 5, 10 e 20 anos. A área de controle foi instalada em uma floresta primária adjacente á cancha de 5 anos. As unidades amostrais foram instaladas dentro de cada cancha, na borda das florestas adjacentes ás canchas e na área de controle.

Em cada ponto amostral as espécies arbóreas e arbustivas foram amostradas em 8 parcelas de 5 x 10 m (50 m²) enquanto as ervas e lianas foram amostradas em 8 sub-parcelas de 2 x 2 m (4 m²), resultando em uma área amostral total de 2.800 m².

Todos os indivíduos arbóreos, arbustivos e as ervas passíveis de terem o DAP ou diâmetro a altura do colo (DAC) medidos no interior das parcelas de 50 m² foram identificados e contados. As ervas e lianas foram identificadas e contadas dentro das parcelas de 4 m².

A composição e diversidade florística (Shannon-Wiener), bem como os parâmetros fitossociológicos foram calculadas com o software Mata Nativa versão 2.0. A similaridade florística de Jaccard (SJ) foi calculada usando o programa Biodiversity Pro (McAleece et al., 1997).

Resultados

Foram inventariadas 857 plantas, 541 nas parcelas de 50 m² (plantas adultas) e 316 nas parcelas de 4 m² (ervas e regenerações) sendo identificadas 37 famílias, 67 gêneros e 81 espécies nas parcelas de plantas adultas e 30 famílias, 48 gêneros e 54 espécies nas parcelas de regeneração. Pelo menos 23 famílias, 35 gêneros e 38 espécies ocorreram simultaneamente nas parcelas adultas e de regeneração.

O índice de Shannon-Wiener foi de 3,29 e 3,73, respectivamente, para as áreas com plantas em regeneração e plantas adultas. Segundo Knight (1975) para as florestas topicais, normalmente, o índice pode variar entre 3,83 a 5,85, sugerindo que os índices encontrados neste estudo são baixos. O maior índice de diversidade foi encontrado na parcela testemunha localizada no interior da floresta (3.46) e a menor na parcela instalada no interior da cancha abandonada há 5 anos (0,88).

Isso era esperado, pois as áreas em regeneração retêm estádios preliminares de recuperação da vegetação. Nascimento (2009), estudando uma floresta secundária nas cercanias de Rio Branco encontrou índice de diversidade de 4,25. Salomão et al. (2002), estudando uma floresta primária na Amazônia ocidental encontraram índice de diversidade variando entre 4.53 e 4,97.

[Vista do interior de uma cancha de armazenamento de areia sendo preenchida com areia dragada do rio Acre]

A similaridade florística variou de 32,55% entre a cancha de 20 anos e a área de floresta, e 52,27% entre as canchas de 5 e 10 anos. A média de similaridade foi de 43,43% e a matriz de similaridade mostrou que todas as similaridades acima da média referem-se às comparações entre a área de floresta e as canchas de 5 e 10 anos, respectivamente, enquanto que todas as similaridades abaixo da média referem-se às comparações entre a cancha abandonada há 20 anos e as demais áreas. O resultado encontrado deve-se ao fato das canchas de 5 e 10 anos serem adjacentes e localizarem-se há poucos metros da área florestal onde foi instalada a parcela testemunha. Estes resultados corroboram a hipótese de que quanto maior a proximidade espacial entre as parcelas, maior será a similaridade florística entre elas (Oliveira, 1997; Santos; Jardim, 2006).

Conclusão

A composição florística mostrou um número baixo de espécies e famílias em razão da amostragem ter incluído floresta de várzea e áreas abertas, onde a vegetação havia sido completamente eliminada. Em relação à diversidade, o maior valor obtido na área de floresta decorre da mesma se constituir em área inalterada, enquanto o menor índice observado na cancha abandonada há 5 anos reflete o seu processo inicial de regeneração. A maior similaridade florística entre a área de floresta e as canchas de 5 e 10 anos decorre da proximidade física entre elas.

Referências

Almeida, R. O. P. O; Sánchez, L. E. 2005. Revegetação de áreas de mineração: critérios de monitoramento e avaliação do desempenho. Revista árvore, Viçosa, MG, v. 29, n. 1, 2005.

Araújo, H. J. B. de. Inventário florestal para fins de planejamento de colheita madeireira em pequenas áreas manejadas no estado do Acre. In: Simpósio brasileiro sobre colheita e transporte florestal, 7. Vitória. Anais...Viçosa: UFV, 2005. p. 229-248.

Jacobi C.M., Carmo F.F., Vincent R.C. 2008. Estudo fitossociológico de uma comunidade vegetal sobre canga como subsídio para a reabilitação de áreas mineradas no Quadrilátero Ferrífero, MG. Rev. Árvore, 32(2):345-353.

Knight, H. D. 1975. A phytosociological analysis of species rich tropical forest on Barro Colorado, Island, Panamá. Ecology Monograph v. 45: 259-284.

McAleece, N.; Lambshead, P. J. D.; Paterson, G. L. J.; Gage, J. G. 1997. Biodiversity professional. Beta-Version. The Natural History Museum and the Scottish Association for Marine Sciences.

Nappo, M. E.; Fontes, M. A. L. & Oliveira Filho, A. T. 2000. Regeneração natural em sub-bosque de povoamentos homogêneos de Mimosa scabrella Benth., implantados em áreas mineradas, em Poços de Caldas, MG. Revista árvore 24: 297-307.

Nascimento, J. F. 2009. Composição Florística e estrutura fitossociológica de um fragmento da área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra em Rio Branco, Acre. 59 f. Monografia (Graduação em Engenharia Florestal) Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre.

Oliveira, A. A. de. 1997. Diversidade, estrutura e dinâmica do componente arbóreo de uma floresta de terra-firme de Manaus, Amazonas. 187 f. Tese (doutorado em Botânica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, Departamento de Botânica do Instituto de Biociências.

Salomão, R. de P.; Matos, A. H. de; Rosa, N. de A. 2002. Dinâmica do sub-bosque e estado arbóreo de floresta tropical primária fragmentada na Amazônia oriental. Acta Amazônica 32(4): 387-419.

Santos, G. C. dos.; Jardim, M. A. G. 2006. Florística e estrutura do estrato arbóreo de uma floresta de várzea no município de Santa Bárbara do Pará, Estado do Pará, Brasil. Acta Amazônica 36(4): 437-446.

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(*) Título original: "Diversidade e similaridade florística entre áreas impactadas pela mineração de areia em APPs do rio Acre em Rio Branco, Acre".
Este trabalho, na forma de resumo expandido, foi originalmente publicado nos Anais do X Congresso de Ecologia do Brasil, realizado em São Lourenoço-MG, entre os dias 16 e 22 de Setembro de 2011.

(1) Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA/Núcleo de Pesquisa do Acre, BR - 364, km 5, Distrito Industrial, Rio Branco, Acre, CEP 69.915 - 900; (2) Herbário do Parque Zoobotânico (HPZ), Campus da Universidade Federal do Acre UFAC, BR - 364, km 5, Distrito Industrial, Rio Branco, Acre, CEP 69.915 - 900; (3) Curso Superior em Gestão Ambiental, Universidade do Norte do Paraná – UNOPAR.

Crédito das fotos: E. Santos/Crédito da edição da imagem Google: E. Ferreira