O IMPERIALISMO BRASILEIRO NA AMÉRICA DO SUL
O suposto ou verdadeiro "imperialismo" brasileiro ressurge na estrada que gerou uma crise na Bolívia
O Brasil visto como não gosta*
Clóvis Rossi
Folha de S. Paulo
Um tosco cartaz de papelão colocou o Brasil no coração da crise que sacode a Bolívia e jogou a popularidade do presidente Evo Morales a 36%, o nível mais baixo em seus seis anos de governo.
Dizia o cartaz: "Evo, fascista, servente dos empresários brasileiros". Era levado por um dos manifestantes convocados pela COB (Central Operária Boliviana) para protestar, na quarta-feira, contra a repressão a outra marcha, a dos indígenas contra a construção de uma estrada que cortará ao meio o Tipnis (Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure), na Amazônia.
Ao usar a palavra "fascista", o cartaz denuncia que é uma manifestação de esquerda (só ela usa esse rótulo para designar os adversários). Se a esquerda chegou a tanto e se tanto a COB como parte dos indígenas se manifestam contra Evo, é óbvio que o presidente, ele próprio de origem indígena e sindical (dos "cocaleros") está perdendo sua base de apoio.
Ao citar "empresários brasileiros", refere-se à OAS, a empreiteira que constrói a estrada contestada, com financiamento do BNDES.
Mas o cartaz seria mais justo se dissesse que os governos brasileiros, e não Evo Morales, estão servindo a interesses empresariais.
Não custa lembrar que esta Folha já divulgou documentos mostrando que o Itamaraty tentou interferir em licitações internacionais para ajudar empreiteiras brasileiras a conseguirem contratos de obras públicas.
Foi nos anos 90, época em que a esquerda toda, PT incluído, batizava a OAS de "Obras Arranjadas pelo Sogro", em alusão ao fato de que um de seus diretores era genro do então todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães.
No governo, no entanto, o lulo-petismo aderiu com gosto à prática e o fez publicamente. Lula cansou-se de dizer que era um "mascate" a vender o Brasil no exterior.
O problema de Evo e do Brasil não está nesse tipo de atitude, cada vez mais comum em todos os governos. Está em não lidar adequadamente com o dilema entre o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental.
No caso do presidente boliviano, é especialmente grave, como aponta Pablo Solón, ativista ambiental e que foi embaixador da Bolívia de Evo na ONU até três meses atrás: "Deve haver coerência entre o que dizemos e o que fazemos.
Não se pode falar de defesa da 'Pachamama' (a Mãe Terra) e, ao mesmo tempo, promover a construção de uma estrada que fere a Mãe Terra, não respeita os direitos indígenas e viola de maneira imperdoável os direitos humanos".
Ajuda-memória: Evo Morales conseguiu aprovar uma Constituição que transformou a Bolívia em Estado Plurinacional, em que as 36 etnias indígenas ganham status de nações, com direito à autonomia, ao autogoverno e à consolidação de seus territórios.
O Estado se obriga a consultar tais nações quando toma decisões que afetem seus territórios. Evo descumpriu, pois, a Constituição que promoveu.
No caso do Brasil, o dilema desenvolvimento/respeito ao ambiente rendeu choques entre a ambientalista Marina Silva e a desenvolvimentista Dilma Rousseff.
Como diria Elio Gaspari, o Brasil deu-se ao luxo de atravessar a calçada (no caso a fronteira) para escorregar numa casca de banana feita na Bolívia.
*Artigo originalmente publicado no dia 02 de outubro de 2011. Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano.
O Brasil visto como não gosta*
Clóvis Rossi
Folha de S. Paulo
Um tosco cartaz de papelão colocou o Brasil no coração da crise que sacode a Bolívia e jogou a popularidade do presidente Evo Morales a 36%, o nível mais baixo em seus seis anos de governo.
Dizia o cartaz: "Evo, fascista, servente dos empresários brasileiros". Era levado por um dos manifestantes convocados pela COB (Central Operária Boliviana) para protestar, na quarta-feira, contra a repressão a outra marcha, a dos indígenas contra a construção de uma estrada que cortará ao meio o Tipnis (Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure), na Amazônia.
Ao usar a palavra "fascista", o cartaz denuncia que é uma manifestação de esquerda (só ela usa esse rótulo para designar os adversários). Se a esquerda chegou a tanto e se tanto a COB como parte dos indígenas se manifestam contra Evo, é óbvio que o presidente, ele próprio de origem indígena e sindical (dos "cocaleros") está perdendo sua base de apoio.
Ao citar "empresários brasileiros", refere-se à OAS, a empreiteira que constrói a estrada contestada, com financiamento do BNDES.
Mas o cartaz seria mais justo se dissesse que os governos brasileiros, e não Evo Morales, estão servindo a interesses empresariais.
Não custa lembrar que esta Folha já divulgou documentos mostrando que o Itamaraty tentou interferir em licitações internacionais para ajudar empreiteiras brasileiras a conseguirem contratos de obras públicas.
Foi nos anos 90, época em que a esquerda toda, PT incluído, batizava a OAS de "Obras Arranjadas pelo Sogro", em alusão ao fato de que um de seus diretores era genro do então todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães.
No governo, no entanto, o lulo-petismo aderiu com gosto à prática e o fez publicamente. Lula cansou-se de dizer que era um "mascate" a vender o Brasil no exterior.
O problema de Evo e do Brasil não está nesse tipo de atitude, cada vez mais comum em todos os governos. Está em não lidar adequadamente com o dilema entre o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental.
No caso do presidente boliviano, é especialmente grave, como aponta Pablo Solón, ativista ambiental e que foi embaixador da Bolívia de Evo na ONU até três meses atrás: "Deve haver coerência entre o que dizemos e o que fazemos.
Não se pode falar de defesa da 'Pachamama' (a Mãe Terra) e, ao mesmo tempo, promover a construção de uma estrada que fere a Mãe Terra, não respeita os direitos indígenas e viola de maneira imperdoável os direitos humanos".
Ajuda-memória: Evo Morales conseguiu aprovar uma Constituição que transformou a Bolívia em Estado Plurinacional, em que as 36 etnias indígenas ganham status de nações, com direito à autonomia, ao autogoverno e à consolidação de seus territórios.
O Estado se obriga a consultar tais nações quando toma decisões que afetem seus territórios. Evo descumpriu, pois, a Constituição que promoveu.
No caso do Brasil, o dilema desenvolvimento/respeito ao ambiente rendeu choques entre a ambientalista Marina Silva e a desenvolvimentista Dilma Rousseff.
Como diria Elio Gaspari, o Brasil deu-se ao luxo de atravessar a calçada (no caso a fronteira) para escorregar numa casca de banana feita na Bolívia.
*Artigo originalmente publicado no dia 02 de outubro de 2011. Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano.
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