NOSSA DEPENDÊNCIA DA ÁSIA
Quase nada pode ser feito hoje sem componentes asiáticos. A longo prazo, isso tem sérias implicações
David Pilling*
Folha de S. Paulo
Boa parte da Tailândia está submersa. Em março, a costa japonesa foi atingida pelo mais devastador tsunami em mil anos. Estamos falando de tragédias acima de tudo humanas. Mas, além da fragilidade da vida humana, esses desastres revelaram algo bem mais prosaico: a vulnerabilidade e a espantosa complexidade da cadeia mundial de suprimentos.
Na semana passada, Mazda, Toyota e Toshiba se tornaram as mais recentes integrantes de uma longa lista de empresas, a maioria das quais japonesas, a prorrogar a suspensão das atividades em suas fábricas tailandesas inundadas.
A linha de montagem da Honda na Tailândia, onde a montadora fabrica quase 250 mil carros por ano, está fechada desde o dia 4 deste mês. As perturbações vão bem além da simples montagem. A cadeia de suprimentos extraordinariamente complexa que existe na Ásia significa que materiais cruzam múltiplas fronteiras a caminho das lojas.
Os aparelhos da Apple, como o iPad e o iPhone, são produzidos no sul da China em uma fábrica controlada pela Hon Upai, de Taiwan. Mas dentro de cada um desses reluzentes aparelhos existem dezenas de componentes fabricados no Japão, em Taiwan, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos e na Europa.
Foi necessária uma crise para expor o funcionamento interno de uma cadeia de suprimento. Antes do tsunami, nem os japoneses estavam cientes de que a região de Tohoku produzia outra coisa que não arroz e peixe. Mas, na verdade, diversos componentes essenciais eram fabricados por lá, entre os quais 40% do suprimento mundial de microcontroladores, em uma fábrica controlada pela Renesas.
Hoje, poucos automóveis rodam sem pelo menos 50 desses "minicérebros". Quando a fábrica da Renesas teve de paralisar suas atividades, a produção de automóveis foi temporariamente suspensa em diversas fábricas no mundo.
As inundações na Tailândia também estão tendo efeito prejudicial. A Honda suspendeu a produção na Malásia devido à falta de componentes fabricados na Tailândia. O setor de computação está a caminho da escassez de discos rígidos depois que a inundação paralisou fábricas na Tailândia.
As inundações resultaram em uma terceira revelação. Quase nada poderia ser fabricado, hoje, sem componentes asiáticos. Greg Sutch, da Intralink, consultoria britânica de tecnologia, diz que indústrias norte-americanas e europeias enfrentariam dificuldades para reproduzir a produção de alguns fornecedores asiáticos de componentes, mesmo que desejassem fazê-lo. Ele menciona capacitores e conectores, sem os quais boa parte do mundo moderno pararia de funcionar.
Produzir componentes sofisticados não é fácil. As barreiras ao ingresso são elevadas, e a especialização significa que, assim que a produção de alguma coisa é transferida para a Ásia, se torna difícil para produtores americanos e europeus reconquistar espaço no setor.
Isso pode ter implicações sérias a longo prazo. A Apple recebe elogios por ter superado a Sony, pioneira japonesa da eletrônica que não conseguiu realizar o salto criativo necessário para levá-la do walkman analógico ao player digital de mídia. Mas a Apple não poderia fabricar seus produtos sem os componentes asiáticos que o integram.
A Samsung, da Coreia do Sul, por exemplo, fornece os chips que acionam o iPad e o iPhone. Mas as duas empresas também são concorrentes -além de inimigas judiciais- depois do lançamento do celular inteligente Galaxy e do Galaxy Tab. O celular Galaxy, especialmente, vem superando as expectativas, conquistando 10% do mercado mundial de celulares inteligentes. A HTC, de Taiwan, também vem se saindo bem. Mesmo fabricantes chineses como a ZTE e a Huawei estão avançando no mercado de celulares, usando o software Google Android.
Muitos fabricantes asiáticos produzem componentes -e só. Mas alguns dos grupos que fornecem peças a concorrentes com marcas famosas aspiram inventar novos aparelhos revolucionários. Fazê-lo, decerto, não é fácil. Mas, enquanto companhias asiáticas fabricarem muitos dos componentes usados em tudo que compramos, nem mesmo a Apple poderá relaxar.
* David Pilling é editor do "Financial Times" na Ásia.
Tradução de Paulo Migliacci/Foto: Catarina Bessel
David Pilling*
Folha de S. Paulo
Boa parte da Tailândia está submersa. Em março, a costa japonesa foi atingida pelo mais devastador tsunami em mil anos. Estamos falando de tragédias acima de tudo humanas. Mas, além da fragilidade da vida humana, esses desastres revelaram algo bem mais prosaico: a vulnerabilidade e a espantosa complexidade da cadeia mundial de suprimentos.
Na semana passada, Mazda, Toyota e Toshiba se tornaram as mais recentes integrantes de uma longa lista de empresas, a maioria das quais japonesas, a prorrogar a suspensão das atividades em suas fábricas tailandesas inundadas.
A linha de montagem da Honda na Tailândia, onde a montadora fabrica quase 250 mil carros por ano, está fechada desde o dia 4 deste mês. As perturbações vão bem além da simples montagem. A cadeia de suprimentos extraordinariamente complexa que existe na Ásia significa que materiais cruzam múltiplas fronteiras a caminho das lojas.
Os aparelhos da Apple, como o iPad e o iPhone, são produzidos no sul da China em uma fábrica controlada pela Hon Upai, de Taiwan. Mas dentro de cada um desses reluzentes aparelhos existem dezenas de componentes fabricados no Japão, em Taiwan, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos e na Europa.
Foi necessária uma crise para expor o funcionamento interno de uma cadeia de suprimento. Antes do tsunami, nem os japoneses estavam cientes de que a região de Tohoku produzia outra coisa que não arroz e peixe. Mas, na verdade, diversos componentes essenciais eram fabricados por lá, entre os quais 40% do suprimento mundial de microcontroladores, em uma fábrica controlada pela Renesas.
Hoje, poucos automóveis rodam sem pelo menos 50 desses "minicérebros". Quando a fábrica da Renesas teve de paralisar suas atividades, a produção de automóveis foi temporariamente suspensa em diversas fábricas no mundo.
As inundações na Tailândia também estão tendo efeito prejudicial. A Honda suspendeu a produção na Malásia devido à falta de componentes fabricados na Tailândia. O setor de computação está a caminho da escassez de discos rígidos depois que a inundação paralisou fábricas na Tailândia.
As inundações resultaram em uma terceira revelação. Quase nada poderia ser fabricado, hoje, sem componentes asiáticos. Greg Sutch, da Intralink, consultoria britânica de tecnologia, diz que indústrias norte-americanas e europeias enfrentariam dificuldades para reproduzir a produção de alguns fornecedores asiáticos de componentes, mesmo que desejassem fazê-lo. Ele menciona capacitores e conectores, sem os quais boa parte do mundo moderno pararia de funcionar.
Produzir componentes sofisticados não é fácil. As barreiras ao ingresso são elevadas, e a especialização significa que, assim que a produção de alguma coisa é transferida para a Ásia, se torna difícil para produtores americanos e europeus reconquistar espaço no setor.
Isso pode ter implicações sérias a longo prazo. A Apple recebe elogios por ter superado a Sony, pioneira japonesa da eletrônica que não conseguiu realizar o salto criativo necessário para levá-la do walkman analógico ao player digital de mídia. Mas a Apple não poderia fabricar seus produtos sem os componentes asiáticos que o integram.
A Samsung, da Coreia do Sul, por exemplo, fornece os chips que acionam o iPad e o iPhone. Mas as duas empresas também são concorrentes -além de inimigas judiciais- depois do lançamento do celular inteligente Galaxy e do Galaxy Tab. O celular Galaxy, especialmente, vem superando as expectativas, conquistando 10% do mercado mundial de celulares inteligentes. A HTC, de Taiwan, também vem se saindo bem. Mesmo fabricantes chineses como a ZTE e a Huawei estão avançando no mercado de celulares, usando o software Google Android.
Muitos fabricantes asiáticos produzem componentes -e só. Mas alguns dos grupos que fornecem peças a concorrentes com marcas famosas aspiram inventar novos aparelhos revolucionários. Fazê-lo, decerto, não é fácil. Mas, enquanto companhias asiáticas fabricarem muitos dos componentes usados em tudo que compramos, nem mesmo a Apple poderá relaxar.
* David Pilling é editor do "Financial Times" na Ásia.
Tradução de Paulo Migliacci/Foto: Catarina Bessel
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