CERCO À BIOPIRATARIA
Por uso de recursos nativos sem repartir ganhos, 35 empresas são autuadas no valor total de R$ 88 milhões
O Globo
BRASÍLIA — O Brasil resolveu jogar duro para proteger a sua biodiversidade, cujo potencial econômico já foi comparado ao do pré-sal pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. No início do mês, o Ibama autuou 35 empresas no valor total de R$ 88 milhões por usarem recursos nativos sem repartir corretamente os lucros com as localidades de onde são extraídos, conforme prevê lei de 2001. Ainda este ano, outras 65 firmas serão notificadas nas próximas investidas da operação Novos Rumos 2.
Muitas são empresas multinacionais, principalmente dos setores farmacêutico e de cosméticos, que vendem usando motes como “segredos da Amazônia” ou “Amazônia preciosa”. Elas se disseram surpreendidas e afirmam que há arbitrariedade do órgão ambiental, que as teria autuado sem entender o modo como apoiam as comunidades, segundo afirmam, com base na Medida Provisória 2.186, de 2001.
A norma não especifica os valores a serem repartidos, incluindo até a possibilidade de a empresa colaborar com o dono da terra de onde extraiu a espécie de maneira não-monetária. Por isso, acaba criando brechas para manobras e questionamentos.
— A lei não é nova. Em 2010, na Novos Rumos 1, havia um estoque de empresas que buscaram regularização, e o Ibama fechou um entendimento e um padrão — disse Rodrigo Dutra da Silva, coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do Ibama.
Empresa apresentará defesa ao Ibama A ação de inteligência do Ibama recebe denúncias e confere os produtos. Em geral, seu anúncio ou a composição mostram qual produto usa certas plantas. Entre as cerca de 80 espécies investigadas, as mais frequentemente exploradas sem repartição dos lucros são castanha-do-Brasil, açaí, guaraná e cupuaçu, mas há outras, como carnaúba e andiroba.
Foram 220 multas aplicadas em 35 empresas, em valores entre R$ 900 e R$ 5 milhões, mas como algumas foram autuadas pelo uso de mais de uma espécie, o total de multas superou, em alguns casos, R$ 10 milhões. A norma do Ibama tenta trazer as empresas para a regularidade, por isso a multa tem abatimento de até 90% para quem se enquadrar. E as empresas podem recorrer.
— Se uma empresa explora economicamente uma informação, um atributo, um princípio ativo de espécie brasileira, tem de pedir autorização para acesso e, se auferir lucro, tem de repartir esses benefícios — explica Natália Milanezi, da área de fiscalização do Ibama.
— O governo não tem nada contra a pesquisa científica, porque consideramos as espécies amazônicas uma galinha dos ovos de ouro, mas queremos que sejam exploradas de forma regrada, sustentável — disse Dutra da Silva, do Ibama.
Conforme trechos de uma minuta de decreto a que o GLOBO teve acesso, a área ambiental do governo quer tornar a União responsável por essa arrecadação de benefícios repartidos, aplicando taxas fixas. A meta é criar um fundo para arrecadar 1,5% do faturamento bruto do que as empresas venderem a partir da exploração de patrimônio genético nativo ou 0,7%, se o produto final for alimentação ou agricultura. Desde 2001, as empresas dividem o lucro com o dono da terra de onde a espécie é retirada de um modo pouco uniforme e que estimula a barganha entre vizinhos. O fundo não apenas beneficiaria as comunidades locais, como deve destinar recursos a pesquisa e capacitação de pessoal da área ambiental.
O decreto também deverá disciplinar o principal alvo de questionamentos das empresas que foram mais punidas: elas alegam que a regra atual prevê que só a empresa que faz o acesso direto ao patrimônio genético deve recolher os benefícios, ou seja, quem o extrai da terra.
“Não havendo acesso, não nasce a obrigação de repartição de benefícios”, alegou, por meio de nota, a Beraca Sabará, que teve a maior autuação, de R$ 11,3 milhões. Manifestação similar teve o grupo Boticário, que vai apresentar defesa ao Ibama, assim como a Jequiti e a Croda do Brasil. A Centroflora, que usa os extratos vegetais e foi autuada em R$ 3 milhões, disse ser “insana” a cobrança de quem não tem relação direta com o patrimônio genético e disse estar “vivenciando claramente a insegurança jurídica de que tanto se falava na área”.
O Ibama entende, porém, que todas as empresas que vendem os produtos ao quais se agregou valor devem repartir benefícios, mas reconhece que o decreto deixará claro que atividades de registro, produção e comercialização deverão pagar, exceto revendedores.
Algumas das empresas multadas alegam que já fazem essa repartição de benefícios. A Mapric, que recebeu multas que somam R$ 10,5 milhões, afirmou, também por meio de nota, que teve “uma grande surpresa e posterior indignação, principalmente porque em julho de 2011 recebemos visita do Ibama e fomos elogiados”.
Maior diversidade biológica do mundoOutra divergência se refere à data em que a empresa começou a exploração, se antes ou depois da lei de 2001. A Ambev, por exemplo, foi autuada pelo uso da mesma planta de guaraná que usa no seu mais tradicional refrigerante, mas só quando passou a usá-la em um novo energético. Procurada, a empresa informou que não comenta processos em andamento e que atende à legislação vigente.
Comprovadamente controverso, o assunto é de alta relevância para o governo brasileiro, que conseguiu no ano passado nomear o biólogo Braulio Dias, ex-secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, secretário-executivo da Conferência Mundial da Diversidade Biológica (CDB). No mês passado, a presidente Dilma Rousseff enviou mensagem ao Congresso pedindo a ratificação do Protocolo de Nagoia, plataforma mundial de combate à biopirataria mantida no CDB. O Protocolo assegura a soberania dos países sobre seus recursos naturais, expurgando, por exemplo, a visão de que a Amazônia é patrimônio mundial, e não dos países onde está situada.
O território continental e a zona costeira do Brasil abrigam a maior diversidade biológica do planeta, resultante da combinação entre a multiplicidade de espécies e habitats. O Brasil só é comparado à Indonésia em termos de biodiversidade, mas está bem à frente.
— Dividir esses recursos com a região de onde se explora o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional é uma forma de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia, pela exploração econômica com a floresta em pé, evitando desmatamento ou queimadas — disse Silva, do Ibama.
As empresas Vitaderm, Vedic Hindus, Avon, Sabic Innovative Plastics, Laboratório Sklean (Mahogany) e AGE do Brasil também foram procuradas para comentar as autuações, mas não responderam ao GLOBO até o fechamento da edição.
O Globo
BRASÍLIA — O Brasil resolveu jogar duro para proteger a sua biodiversidade, cujo potencial econômico já foi comparado ao do pré-sal pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. No início do mês, o Ibama autuou 35 empresas no valor total de R$ 88 milhões por usarem recursos nativos sem repartir corretamente os lucros com as localidades de onde são extraídos, conforme prevê lei de 2001. Ainda este ano, outras 65 firmas serão notificadas nas próximas investidas da operação Novos Rumos 2.
Muitas são empresas multinacionais, principalmente dos setores farmacêutico e de cosméticos, que vendem usando motes como “segredos da Amazônia” ou “Amazônia preciosa”. Elas se disseram surpreendidas e afirmam que há arbitrariedade do órgão ambiental, que as teria autuado sem entender o modo como apoiam as comunidades, segundo afirmam, com base na Medida Provisória 2.186, de 2001.
A norma não especifica os valores a serem repartidos, incluindo até a possibilidade de a empresa colaborar com o dono da terra de onde extraiu a espécie de maneira não-monetária. Por isso, acaba criando brechas para manobras e questionamentos.
— A lei não é nova. Em 2010, na Novos Rumos 1, havia um estoque de empresas que buscaram regularização, e o Ibama fechou um entendimento e um padrão — disse Rodrigo Dutra da Silva, coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do Ibama.
Empresa apresentará defesa ao Ibama A ação de inteligência do Ibama recebe denúncias e confere os produtos. Em geral, seu anúncio ou a composição mostram qual produto usa certas plantas. Entre as cerca de 80 espécies investigadas, as mais frequentemente exploradas sem repartição dos lucros são castanha-do-Brasil, açaí, guaraná e cupuaçu, mas há outras, como carnaúba e andiroba.
Foram 220 multas aplicadas em 35 empresas, em valores entre R$ 900 e R$ 5 milhões, mas como algumas foram autuadas pelo uso de mais de uma espécie, o total de multas superou, em alguns casos, R$ 10 milhões. A norma do Ibama tenta trazer as empresas para a regularidade, por isso a multa tem abatimento de até 90% para quem se enquadrar. E as empresas podem recorrer.
— Se uma empresa explora economicamente uma informação, um atributo, um princípio ativo de espécie brasileira, tem de pedir autorização para acesso e, se auferir lucro, tem de repartir esses benefícios — explica Natália Milanezi, da área de fiscalização do Ibama.
— O governo não tem nada contra a pesquisa científica, porque consideramos as espécies amazônicas uma galinha dos ovos de ouro, mas queremos que sejam exploradas de forma regrada, sustentável — disse Dutra da Silva, do Ibama.
Conforme trechos de uma minuta de decreto a que o GLOBO teve acesso, a área ambiental do governo quer tornar a União responsável por essa arrecadação de benefícios repartidos, aplicando taxas fixas. A meta é criar um fundo para arrecadar 1,5% do faturamento bruto do que as empresas venderem a partir da exploração de patrimônio genético nativo ou 0,7%, se o produto final for alimentação ou agricultura. Desde 2001, as empresas dividem o lucro com o dono da terra de onde a espécie é retirada de um modo pouco uniforme e que estimula a barganha entre vizinhos. O fundo não apenas beneficiaria as comunidades locais, como deve destinar recursos a pesquisa e capacitação de pessoal da área ambiental.
O decreto também deverá disciplinar o principal alvo de questionamentos das empresas que foram mais punidas: elas alegam que a regra atual prevê que só a empresa que faz o acesso direto ao patrimônio genético deve recolher os benefícios, ou seja, quem o extrai da terra.
“Não havendo acesso, não nasce a obrigação de repartição de benefícios”, alegou, por meio de nota, a Beraca Sabará, que teve a maior autuação, de R$ 11,3 milhões. Manifestação similar teve o grupo Boticário, que vai apresentar defesa ao Ibama, assim como a Jequiti e a Croda do Brasil. A Centroflora, que usa os extratos vegetais e foi autuada em R$ 3 milhões, disse ser “insana” a cobrança de quem não tem relação direta com o patrimônio genético e disse estar “vivenciando claramente a insegurança jurídica de que tanto se falava na área”.
O Ibama entende, porém, que todas as empresas que vendem os produtos ao quais se agregou valor devem repartir benefícios, mas reconhece que o decreto deixará claro que atividades de registro, produção e comercialização deverão pagar, exceto revendedores.
Algumas das empresas multadas alegam que já fazem essa repartição de benefícios. A Mapric, que recebeu multas que somam R$ 10,5 milhões, afirmou, também por meio de nota, que teve “uma grande surpresa e posterior indignação, principalmente porque em julho de 2011 recebemos visita do Ibama e fomos elogiados”.
Maior diversidade biológica do mundoOutra divergência se refere à data em que a empresa começou a exploração, se antes ou depois da lei de 2001. A Ambev, por exemplo, foi autuada pelo uso da mesma planta de guaraná que usa no seu mais tradicional refrigerante, mas só quando passou a usá-la em um novo energético. Procurada, a empresa informou que não comenta processos em andamento e que atende à legislação vigente.
Comprovadamente controverso, o assunto é de alta relevância para o governo brasileiro, que conseguiu no ano passado nomear o biólogo Braulio Dias, ex-secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, secretário-executivo da Conferência Mundial da Diversidade Biológica (CDB). No mês passado, a presidente Dilma Rousseff enviou mensagem ao Congresso pedindo a ratificação do Protocolo de Nagoia, plataforma mundial de combate à biopirataria mantida no CDB. O Protocolo assegura a soberania dos países sobre seus recursos naturais, expurgando, por exemplo, a visão de que a Amazônia é patrimônio mundial, e não dos países onde está situada.
O território continental e a zona costeira do Brasil abrigam a maior diversidade biológica do planeta, resultante da combinação entre a multiplicidade de espécies e habitats. O Brasil só é comparado à Indonésia em termos de biodiversidade, mas está bem à frente.
— Dividir esses recursos com a região de onde se explora o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional é uma forma de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia, pela exploração econômica com a floresta em pé, evitando desmatamento ou queimadas — disse Silva, do Ibama.
As empresas Vitaderm, Vedic Hindus, Avon, Sabic Innovative Plastics, Laboratório Sklean (Mahogany) e AGE do Brasil também foram procuradas para comentar as autuações, mas não responderam ao GLOBO até o fechamento da edição.
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