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11 julho 2012

QUÃO VIRGEM É A FLORESTA VIRGEM?

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Nos últimos dez anos um tema tem causado controvérsia no meio acadêmico. Alguns cientistas defendem que as florestas tropicais não são tão virgens como se pensa porque habitantes ancestrais já manejaram extensas áreas dessas florestas, moldando-as para atender suas necessidades. Algumas espécies consideradas nativas são reputadas por esses pesquisadores como intrusas. E uma das mais suspeitas de ter sido introduzida em nossas florestas é a nossa castanheira (Bertholletia excelsa).

Dentre vários artigos acadêmicos que suportam essa linha de pensamento, vale a pena conhecer um deles, publicado por K. J.Willis, L. Gillson e T. M. Brncic, da Universidade de Oxford, na renomada revista Science em abril de 2004. Seu título é bem instigante: “Quão virgem é a floresta virgem?”.

Segundo os autores, dados arqueológicos e paleocológicos sugerem que as ‘florestas virgens’ não são tão ‘virgens’ como se pensava anteriormente e passaram por modificações substanciais. Nas três grandes regiões de florestas tropicais do planeta localizadas na Amazônia, na bacia do rio Congo, na África, e na região Indo-Malaia do Sudoeste Asiático, vários estudos sugerem que atividades humanas pré-históricas foram mais extensivas do que se pensava anteriormente.

Na Amazônia, os solos mais férteis são aqueles conhecidos como ‘terra preta de índio’, formados desde 2,5 mil anos atrás via realização de queimadas e atividades agrícolas, estimando-se em 50 mil hectares a área desses solos na região. Evidências arqueológicas do alto rio Xingu indicam que vários assentamentos humanos existiam naquela região entre os anos 1250 e 1600, cada um deles ocupando 40 a 80 hectares e com densidade populacional de 6 e 12,5 pessoas/km². Eles integravam um complexo regional e sugerem que seus habitantes promoveram um manejo e desenvolvimento intensivo da paisagem que resultou na transformação de extensas áreas florestais em áreas agrícolas. O abandono da região, depois de uma catastrófica diminuição da população entre os anos 1600 e 1700, resultou em um extensivo processo de reflorestamento natural. Por essa razão, atualmente a região do alto Xingu abriga a maior mancha de floresta contínua na periferia sul da Amazônia.

 Dados arqueológicos e paleoecológicos também revelam história similar na bacia do rio Congo, onde numerosos achados de ferramentas de pedra, sementes de dendê, traços de carvão no subsolo, resquícios de cultivos ancestrais de banana e cacos cerâmicos levaram os pesquisadores a concluir que a maior parte daquela região, hoje coberta por uma densa floresta, foi extensivamente habitada no passado. Parte da floresta foi derrubada e a prática de agricultura data de cerca de 3 mil anos atrás. O fim desse processo ocorreu há 1,6 mil anos, depois de uma catastrófica diminuição da população humana na região.

Na África Central ocidental existem evidências arqueológicas de fornos usados para trabalhar o ferro que datam de 650 AC. Esta atividade deve ter tido um sério impacto na floresta pois requeria a extração de madeira para a produção do carvão usado no derretimento do ferro. O desaparecimento das populações humanas em partes dessa região no século V resultou no abandono das áreas alteradas e em um extensivo processo de regeneração da floresta. Hoje, em algumas áreas consideras como de ‘florestas virgens’, ainda é possível observar a regeneração secundária da floresta.

Nas florestas tropicais da região Indo-Malaia existem evidências pré-históricas ainda mais antigas. Dados arqueológicos e paleobotânicos sugerem que a agricultura – incluindo o cultivo de banana – se estabeleceu em Papua-Nova Guiné há cerca de 7 mil anos e que florestas tropicais na Tailândia eram manejadas desde 8 mil anos atrás. Nas ilhas Salomão, a população de Nova Geórgia era, em 1800, o dobro da atual, indicando que as florestas contemporâneas aparentemente intocadas dessa ilha talvez tenham sido formadas por regeneração natural nos últimos 150 anos, depois do declínio da população e a emigração dos habitantes das regiões costeiras. A grande riqueza de espécies secundárias encontrada nas florestas primárias da ilha dá suporte adicional a essa teoria.

Além do interesse histórico nas florestas tropicais e como os humanos as alteraram, os estudos arqueológicos, paleocológicos e paleobotânicos tem importantes implicações para a conservação das florestas. Seus resultados sugerem que não é mais aceitável acreditar que as alterações na paisagem causadas por atividades humanas ancestrais eram muito limitadas e que por isso não podem ser comparadas com as alterações humanas causadas no presente. Esse ponto de vista é reforçado pelo fato da principal forma de destruição das florestas tropicais na atualidade ainda ser a derrubada e a queima da floresta para a prática da agricultura, uma atividade praticada pelo homem desde tempos pré-históricos. Embora a taxa e a extensão da destruição florestal contemporânea seja muito maior, em muitos casos o processo de perda é comparável ao que acontecia em tempos pré-históricos.

Em muitos exemplos pré-históricos, a alteração da paisagem foi seguida pela regeneração da floresta, indicando que os ecossistemas tropicais não são tão frágeis como sempre são retratados. Na verdade eles são muito resilientes. Abandonadas por um longo período, as florestas quase sempre irão se regenerar e os dados paleoecológicos permitem fazer uma estimativa realística do tempo necessário para isso acontecer. Esses dados também permitem avaliar quantitativamente a composição da floresta antes e depois da alteração, fornecendo informações detalhadas sobre o que está faltando ou o que foi adicionado à floresta. E essas informações são cruciais para o manejo e a conservação no longo prazo de áreas desmatadas que vierem a ser incluídas em planos de recuperação ambiental.

Os autores concluem o artigo afirmando que estratégias baseadas nesse princípio já foram usadas com sucesso na conservação de florestas temperadas, mas ainda precisam ser aplicadas de forma sistemática em algumas das mais diversas e ameaçadas florestas do planeta – as florestas tropicais.

Para saber mais

- Glaser B, Haumaier L, Guggenberger G, Zech W. 2001. The Terra Preta phenomenon: a model for sustainable agriculture in the humid tropics. Naturwissenschaften 88: 37–41.

- Heckenberger, MJ; Kuikuro, A; Kuikuro, UT; Russell, JC; Schmidt, M; Fausto, C; Franchetto, B. 2003. Amazonia 1492: pristine forest or cultural parkland? Science 301: 1710-1714.

- White LJT. 2001. The African rain forest: climate and vegetation. In: W Webber, LJT White, A Vedder, N Naughton-Treves (Eds.): African Rain Forest Ecology and Conservation. Yale University Press, New Haven, CT, pp. 3–29.

- Denham TP et al. 2003. Origins of agriculture at Kuk Swamp in the highlands of New Guinea. Science 301:189–193. - N Myers. 2002. Protecting the Protected: Managing Biodiversity for Sustainability. In: T. O’Riordan, S Stoll, Eds. Cambridge Univ. Press, Cambridge, UK, p. 46.

- Foster DR. 2002. Insights from historical geography to ecology and conservation: lessons from the New England landscape. J. Biogeography 29:1269–1275.

*Artigo originalmente publicado no diário A Gazeta, em 10/07/2012