RESERVAS EXTRATIVISTAS HOJE, FLORESTAS VAZIAS AMANHÃ (I)
Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
Em 1992 o biólogo americano Kent Redford publicou na Revista BioScience (vol.42, n°.6, p. 412-422) um artigo intitulado “Empty Forest” (Floresta vazia) no qual nos alertava, usando um trocadilho em inglês, do seguinte: “We must not let a forest full of trees fool us into believing all is well”. Uma tradução da frase resulta em algo assim: “Não podemos deixar uma floresta cheia de árvores nos enganar, fazendo-nos acreditar que tudo está bem”.
Na época da publicação do artigo, início dos anos 90, a destruição das florestas tropicais no mundo estava se intensificando novamente, depois de uma diminuição causada pela recessão econômica global do final dos anos 80. Até então, estimava-se que desde 1960 cerca de 20% das florestas tropicais do planeta haviam sido destruídas.
Apesar da situação crítica, a luta contra a destruição das florestas tropicais mundiais nessa época era mais difusa e não havia um movimento global como temos hoje – liderado por governos e entidades da sociedade civil – capaz de impor limites e, efetivamente, promover a sua diminuição. Naquela época ONGs de atuação global, como o WWF e o Greenpeace, não priorizavam as florestas tropicais. No Brasil, a luta contra a destruição da Amazônia era liderada por organizações de extrativistas e indígenas.
Para compensar a devastação em curso, governantes de países que abrigavam florestas tropicais foram obrigados a tomar medidas de proteção para as mesmas. No Brasil, milhões de hectares de florestas da Amazônia foram transformados em Reservas Extrativistas. Outros milhões de hectares, no Brasil e no mundo, foram designados ‘florestas’ ou ‘parques’ sob a tutela estatal.
Na maioria desses casos, entretanto, prevaleceu, na criação dessas áreas de ‘proteção’, o conceito de conservação e proteção na qual o homem continua a ter o direito de explorar – de forma comercial ou apenas com fins de subsistência – os recursos nelas contidos. As exceções foram as áreas indígenas e as áreas de proteção integral nas quais é vedada qualquer tipo de exploração de recursos naturais.
Quando Kent Redford publicou seu artigo, ele foi muito crítico em relação à onda de criação de áreas de proteção de florestas tropicais daquele período porque se por um lado isso era uma forma de mostrar à sociedade que as florestas estavam efetivamente sendo protegidas, por outro a possibilidade de continuidade da exploração das mesmas se constituía em uma ameaça real à sobrevivência daquelas florestas no longo prazo.
Redford observou que embora algumas florestas exploradas pelo homem possam aparentar um bom estado de conservação, elas não mantêm, necessariamente, sua integridade biológica. A caça intensiva e indiscriminada de animais de médio e grande porte e a exploração madeireira que retira da floresta espécies frutíferas chaves para a alimentação da fauna silvestre podem, no longo prazo, afetar a biodiversidade e diminuir as chances de recuperação dessas florestas.
Desprovidas de animais, especialmente os polinizadores e dispersores de suas próprias plantas, extensas áreas florestais aparentemente intactas ficarão ‘vazias ou silenciosas’ e paulatinamente perderão numerosas espécies arbóreas, arbustivas, epifíticas e lianescentes que entrarão em processo de extinção pela falta dos animais que as ajudavam a se perpetuar no ambiente florestal.
Obviamente que essas ‘florestas vazias’ de vida animal permanecerão de pé por muito tempo porque algumas espécies de plantas podem viver por dezenas ou centenas de anos. Entretanto, na medida em que essas plantas – agora relíquias vivas – forem morrendo, a floresta vai ficar menos diversa e empobrecida.
Você, leitor, deve estar curioso: esse fenômeno de ‘florestas vazias’ ou silenciosas está acontecendo na Amazônia e no Acre?
Sim, e faz bastante tempo.
A pressão de ambientalistas contra a exploração e destruição indiscriminada das florestas tropicais, especialmente para a ‘garimpagem’ de espécies madeireiras de alto valor comercial e posterior conversão em áreas agropecuárias, forçou os pesquisadores a desenvolver técnicas de exploração florestal de baixo impacto ambiental. Atualmente a exploração madeireira mediante o uso dessas técnicas é uma prática amplamente difundida por toda a região.
No caso do Acre, apesar de causar baixo impacto a outras árvores da floresta e à rede hidrográfica local, a exploração madeireira é danosa porque não discrimina as espécies madeireiras que explora. E a fauna silvestre é uma das principais vítimas de todo o processo.
Da lista de aproximadamente 50-60 espécies passíveis de exploração no Estado, pelo menos 20-25 tem potencial para ser classificadas como espécies-chaves para a alimentação da fauna silvestre. Essas espécies, conhecidas em inglês como “keystone plant resources”, são vitais para a estabilidade e a diversidade da comunidade de plantas em uma floresta. Elas geralmente são abundantes, produzem anualmente recursos nutritivos (frutos, sementes, néctar, etc.) de forma regular, especialmente durante o período de escassez dos mesmos na floresta, e alimentam uma grande diversidade de animais silvestres.
É digno de nota que a Assembleia Legislativa do Acre aprovou em 2008 um projeto de lei para impedir a exploração de espécies madeireiras importantes para a alimentação da fauna silvestre local. Infelizmente o governador de então, Binho Marques (PT), vetou o mesmo porque sua entrada em vigor implicaria na diminuição em quase 50% do número de espécies madeireiras exploradas nas florestas acreanas. Dentre as espécies citadas no projeto vetado destacavam-se a gameleira, andiroba, castanhanara, mirindiba, piquí, manitê, copaíba, caxinguba, gamelinha, toarí, envira-cajú, guariúba, cajuzinho e ingá-ferro.
Artigo continua...
Blog Ambiente Acreano
Em 1992 o biólogo americano Kent Redford publicou na Revista BioScience (vol.42, n°.6, p. 412-422) um artigo intitulado “Empty Forest” (Floresta vazia) no qual nos alertava, usando um trocadilho em inglês, do seguinte: “We must not let a forest full of trees fool us into believing all is well”. Uma tradução da frase resulta em algo assim: “Não podemos deixar uma floresta cheia de árvores nos enganar, fazendo-nos acreditar que tudo está bem”.
Na época da publicação do artigo, início dos anos 90, a destruição das florestas tropicais no mundo estava se intensificando novamente, depois de uma diminuição causada pela recessão econômica global do final dos anos 80. Até então, estimava-se que desde 1960 cerca de 20% das florestas tropicais do planeta haviam sido destruídas.
Apesar da situação crítica, a luta contra a destruição das florestas tropicais mundiais nessa época era mais difusa e não havia um movimento global como temos hoje – liderado por governos e entidades da sociedade civil – capaz de impor limites e, efetivamente, promover a sua diminuição. Naquela época ONGs de atuação global, como o WWF e o Greenpeace, não priorizavam as florestas tropicais. No Brasil, a luta contra a destruição da Amazônia era liderada por organizações de extrativistas e indígenas.
Para compensar a devastação em curso, governantes de países que abrigavam florestas tropicais foram obrigados a tomar medidas de proteção para as mesmas. No Brasil, milhões de hectares de florestas da Amazônia foram transformados em Reservas Extrativistas. Outros milhões de hectares, no Brasil e no mundo, foram designados ‘florestas’ ou ‘parques’ sob a tutela estatal.
Na maioria desses casos, entretanto, prevaleceu, na criação dessas áreas de ‘proteção’, o conceito de conservação e proteção na qual o homem continua a ter o direito de explorar – de forma comercial ou apenas com fins de subsistência – os recursos nelas contidos. As exceções foram as áreas indígenas e as áreas de proteção integral nas quais é vedada qualquer tipo de exploração de recursos naturais.
Quando Kent Redford publicou seu artigo, ele foi muito crítico em relação à onda de criação de áreas de proteção de florestas tropicais daquele período porque se por um lado isso era uma forma de mostrar à sociedade que as florestas estavam efetivamente sendo protegidas, por outro a possibilidade de continuidade da exploração das mesmas se constituía em uma ameaça real à sobrevivência daquelas florestas no longo prazo.
Redford observou que embora algumas florestas exploradas pelo homem possam aparentar um bom estado de conservação, elas não mantêm, necessariamente, sua integridade biológica. A caça intensiva e indiscriminada de animais de médio e grande porte e a exploração madeireira que retira da floresta espécies frutíferas chaves para a alimentação da fauna silvestre podem, no longo prazo, afetar a biodiversidade e diminuir as chances de recuperação dessas florestas.
Desprovidas de animais, especialmente os polinizadores e dispersores de suas próprias plantas, extensas áreas florestais aparentemente intactas ficarão ‘vazias ou silenciosas’ e paulatinamente perderão numerosas espécies arbóreas, arbustivas, epifíticas e lianescentes que entrarão em processo de extinção pela falta dos animais que as ajudavam a se perpetuar no ambiente florestal.
Obviamente que essas ‘florestas vazias’ de vida animal permanecerão de pé por muito tempo porque algumas espécies de plantas podem viver por dezenas ou centenas de anos. Entretanto, na medida em que essas plantas – agora relíquias vivas – forem morrendo, a floresta vai ficar menos diversa e empobrecida.
Você, leitor, deve estar curioso: esse fenômeno de ‘florestas vazias’ ou silenciosas está acontecendo na Amazônia e no Acre?
Sim, e faz bastante tempo.
A pressão de ambientalistas contra a exploração e destruição indiscriminada das florestas tropicais, especialmente para a ‘garimpagem’ de espécies madeireiras de alto valor comercial e posterior conversão em áreas agropecuárias, forçou os pesquisadores a desenvolver técnicas de exploração florestal de baixo impacto ambiental. Atualmente a exploração madeireira mediante o uso dessas técnicas é uma prática amplamente difundida por toda a região.
No caso do Acre, apesar de causar baixo impacto a outras árvores da floresta e à rede hidrográfica local, a exploração madeireira é danosa porque não discrimina as espécies madeireiras que explora. E a fauna silvestre é uma das principais vítimas de todo o processo.
Da lista de aproximadamente 50-60 espécies passíveis de exploração no Estado, pelo menos 20-25 tem potencial para ser classificadas como espécies-chaves para a alimentação da fauna silvestre. Essas espécies, conhecidas em inglês como “keystone plant resources”, são vitais para a estabilidade e a diversidade da comunidade de plantas em uma floresta. Elas geralmente são abundantes, produzem anualmente recursos nutritivos (frutos, sementes, néctar, etc.) de forma regular, especialmente durante o período de escassez dos mesmos na floresta, e alimentam uma grande diversidade de animais silvestres.
É digno de nota que a Assembleia Legislativa do Acre aprovou em 2008 um projeto de lei para impedir a exploração de espécies madeireiras importantes para a alimentação da fauna silvestre local. Infelizmente o governador de então, Binho Marques (PT), vetou o mesmo porque sua entrada em vigor implicaria na diminuição em quase 50% do número de espécies madeireiras exploradas nas florestas acreanas. Dentre as espécies citadas no projeto vetado destacavam-se a gameleira, andiroba, castanhanara, mirindiba, piquí, manitê, copaíba, caxinguba, gamelinha, toarí, envira-cajú, guariúba, cajuzinho e ingá-ferro.
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